Impeachment já – Processo não exige que Lula seja pego em flagrante

por Roberto Wanderley Nogueira

Muito se tem debatido acerca dos destinos possíveis para o atual governo da República, ante as denúncias de corrupção sistêmica que estaria situada na periferia da Administração Pública ou mesmo em seu interior com efeitos deletérios sobre um outro Poder de Estado.

Receios políticos, todavia, têm gerado mil argumentos no sentido da impropriedade de sua derrubada, ainda quando sem quebra da Ordem Constitucional, haja vista risco de suposta ingovernabilidade.

É, todavia, ideológico dizer que uma tal projeção escatológica virá a acontecer se e quando um governo no regime presidencialista tiver de ser destituído pelo remédio do impeachment.

Convém recordar, sobre o mais, que na democracia republicana não há autoridade sem a contrapartida da responsabilidade. Sucede que se um presidente da República incorre em alguma hipótese, legalmente prevista (Lei 1.079, de 10/04/50), de crime de responsabilidade, a sanção política prevista é a perda do próprio cargo de maior mandatário da Nação e a inabilitação pessoal para o exercício público por um espaço de tempo fixado na decisão condenatória correspondente por parte do Congresso Nacional (Arts. 51, inc. I e 52, inc. I, da Constituição Federal).

Justamente em razão da previsão constitucional e legal da hipótese é que não se pode falar em atitude inusitada pretender depurar o Poder Político dos agentes que não o souberam honrar a forma de seus respectivos mandatos.

A responsabilidade de um presidente tem uma dimensão que excede aos simples modelos da culpabilidade. Lhe é oferecida a suprema Magistratura da Nação como lhe é exigida a suprema responsabilização pela prática de seus atos e os daqueles que a sua confiança pessoal permitiu que o fizessem. É nesse espectro aberto que se deve considerar o problema da responsabilidade política capaz de gerar conseqüências perfeitamente institucionais, ainda que traumáticas.

O processo por crime de responsabilidade tem natureza política e bem por isso a ele não são tecnicamente exigíveis os rigores jurídico-científicos para a produção probatória que enleve a demonstração rigorosa da substância dos acontecimentos em que o agente se acha envolvido de algum modo. Em outras palavras: para justificar o processo de impeachment não é necessário que o presidente da República seja pilhado com a “mão na massa” para que, somente então, possa sofrer responsabilização política de seus atos de gestão pública.

Nada obstante, em pelo menos um episódio desses últimos acontecimentos que o país assiste ainda atônito, mas que reclamam cabal investigação, o senhor presidente da República desenhou conduta materialmente capaz de justificar a propositura em questão, a saber: fez expedir e publicar em uma edição especial e extraordinária do Diário Oficial da União (sem nenhuma outra matéria) a Medida Provisória 254, de 29/06/05, revogando a outra, de número 249, de 04/05/05, que trancava a pauta da Câmara dos Deputados em face de manobras regimentais ali verificadas no debate político entre os partidos da base aliada e os da oposição acerca da amplitude e da composição da denominada CPI do Mensalão.

Como descreveu a jornalista Dora Kramer: “Na posse da caneta presidencial, Lula interferiu nos trabalhos do Legislativo, pois a revogação de uma MP alterou processo de votação em curso, modificando o rito de tramitação da pauta da Câmara para permitir que a CPI do Mensalão tivesse precedência sobre outros itens e, assim, propiciar ao presidente do Senado a chance de arquivar o pedido de CPI mista”. (in ‘Mãos de Chumbo’, Diário de Pernambuco, 01/07/05, p. A-8).

Se uma tal conduta não caracterizar obstáculo ao livre funcionamento do Poder Legislativo, na forma do artigo 6º, item 1, da Lei de Impeachment, certamente nada mais o será.

Revista Consultor Jurídico

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