Autor: Tiago Hodecker Tomasczeski (*)
A aplicação dos acordos internacionais que dispõem sobre a bitributação de renda, firmados entre o Brasil e outros países, são frequentemente interpretados de maneira equivocada pela Receita Federal do Brasil (RFB) e, em algumas ocasiões, até mesmo pelo Judiciário. Esta imprevisibilidade interfere em decisões importantes no que diz respeito ao investimento estrangeiro no Brasil, especificamente nas relações comerciais entre empresas que desejam investir e instalar suas operações no país. Somando-se à inércia na área diplomática nos últimos anos, que não estimulou as relações bilaterais no sentido de potencializar a assinatura de novos acordos internacionais ou restaurar aqueles que já foram denunciados devido às constantes infrações do Estado brasileiro em relação ao seu conteúdo, demonstra-se porque alterar a interpretação equivocada, arrecadatória, na esfera administrativa pode ser tarefa tão difícil no Brasil.
Recentemente, uma empresa espanhola se viu diante de tal situação ao ter sofrido a retenção, de forma indevida, do Imposto de Renda Retido na Fonte sobre valores pagos por uma empresa brasileira, decorrentes de aluguel de equipamentos de modelagem de concreto — equipamentos esses que foram utilizados pela locatária estritamente dentro do Brasil. Inconformada, a empresa ingressou com medida judicial solicitando a aplicação do artigo 7º da Convenção Brasil e Espanha (Decreto n. 76.975/76). Trata-se da aplicação do dispositivo que prevê que tais rendimentos são tributados apenas na Espanha, de modo que os valores de imposto retido deveriam ser restituídos.
A discussão gira em torno da interpretação do Acordo sob a perspectiva do caso prático da operação da empresa. O artigo 7º dispõe que os lucros da empresa contratante “só são tributáveis neste Estado, a não ser que a empresa exerça atividade no outro Estado por meio de um estabelecimento permanente aí situado”. Sendo que a empresa espanhola não tem estabelecimento no Brasil, aplica-se então apenas a primeira parte do dispositivo citado, para que seus lucros sejam tributáveis apenas na Espanha.
A Receita Federal havia recebido o pagamento do imposto calculado com a alíquota geral de 15% sobre o valor das remessas ao exterior a título de aluguel de bem móvel. No entanto, tal tributação descaracteriza a natureza da relação jurídica entre as partes, pois o faturamento em decorrência do contrato não é o lucro da operação que enseja a incidência do imposto de renda. Os valores faturados compõem o lucro operacional da empresa no exterior, para que seja tributado, na Espanha, após o confronto com suas despesas e custos.
O caso em tela é apenas uma amostra do que acontece diariamente tanto nas esferas administrativas quando da retenção do imposto de maneira errônea. Em síntese, vemos o movimento de fomento de acordos bilaterais comerciais em descompasso com a estrutura de recepção e interpretação, seja pelo número limitado de tais acordos — atualmente são apenas 32 — quanto pela própria integração posterior à assinatura, que ainda enfrenta discussão acerca da sua hierarquia e prevalência ao Código Tributário Nacional. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem consolidando sua jurisprudência sobre a tese de que o Acordo Internacional, por ser lei específica sobre matéria tributária, revoga parcialmente a legislação interna, apenas no que diz respeito às situações previstas no tratado; todavia, nosso sistema jurídico permite que juízes de primeiro grau se afastem desse posicionamento se de outra forma entenderem.
Superadas as discussões doutrinárias, as operações de comércio internacional seguem cada vez mais complexas e peculiares e, portanto, a modernização do aparato da Receita Federal na interpretação correta dos dispositivos internacionais, a fim de evitar transtornos para as empresas cujos Estados são signatários dos Acordos, se faz cada vez mais necessária e urgente. Por outro lado, decisões como esta demonstram a disponibilidade, ainda que tímida, do Judiciário em de fato interpretar tais acordos do ponto de vista pragmático, dando vazão e tranquilidade para que tais empresas estrangeiras possam ter segurança de que suas operações estarão lastreadas no que diz a lei, deixando assim suas operações fluírem de maneira a sofisticar os investimentos estrangeiros no Brasil.
Autor: Tiago Hodecker Tomasczeski é advogado com LLM em Direito Tributário pelo Insper. Coordenador tributário do Küster Machado Advogados Associados.