1.1 Noção
O vocábulo improbidade é de origem latina – “improbitate”[i] – e significa falta de probidade, mau caráter, que provoca prejuízos de diversas ordens, tais como econômico, financeiro e moral. O vocábulo veio a ser adotado para adjetivar a conduta do administrador desonesto – “improbus administrator”.
Conceitua-se improbidade como sendo a conduta de um agente público que contraria as normas morais, a lei e os costumes, indicando falta de honradez e atuação ilibada no que tange aos procedimentos esperados da administração pública, seja ela direta, indireta ou fundacional, não se limitando exclusivamente ao Poder Executivo.
Conforme a doutrina, entende-se por improbidade:
Numa primeira aproximação, improbidade administrativa é o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, democrático e Republicano), revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo “tráfico de influência” nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos.[ii]
Da mesma forma,
Improbidade é desonestidade em seu sentido mais amplo. Implica na falta de zelo com dois elementos: o patrimônio público e o interesse público. Relaciona-se com a conduta do administrador e pode ser praticada não apenas pelo agente público, lato sensu, senão também por quem não é servidor e infringe a moralidade pública.
Continua …
O ato de imoralidade, na opinião da melhor doutrina, afronta a honestidade, a boa fé, o respeito à igualdade, as normas de conduta humana e outros postulados éticos e morais. Qualquer cidadão pode propor ação popular, com objetivo de anular ato lesivo à moralidade administrativa. Não terá que arcar com as custas judiciais nem está sujeito à sucumbência, a não ser que fique comprovada a má-fé.[iii]
Trata-se, portanto, de conduta humana positiva ou negativa, ilícita, que, também, poderá acarretar uma sanção civil, administrativa e penal, em virtude dos bens jurídicos atingidos pelo fato jurídico. Para estar configurada a improbidade administrativa basta que haja afronta aos princípios insculpidos no caput do artigo 37 do Texto Maior, não sendo imperiosa a necessidade de que haja prejuízo financeiro ao erário.
Marcelo Caetano demonstra que, no Direito Português, a probidade também é um dever, pois “o funcionário deve servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções sempre no intuito de realizar os interesses públicos, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer.[iv]
1.2 Previsão Constitucional
Originariamente, a improbidade administrativa encontra respaldo na Carta Constitucional de 1988, que a contempla nos artigos 14, § 9°[v], 15, inciso V[vi] e 37, § 4°[vii].
Anteriormente, a Constituição do Brasil tratava da efetiva perda dos direitos políticos para aqueles que praticassem corrupção, conforme o artigo 151 do Texto da Carta de 1946:
“Art. 151 Aquele que abusar dos direitos individuais (…), e dos direitos políticos para (…) praticar a corrupção incorrerá na suspensão destes últimos direitos pelo prazo de dois a dez anos, declarada pelo Supremo Tribunal Federal, mediante representação do Procurador-Geral da república, sem prejuízo da ação civil ou penal cabível, assegurada ao paciente a mais ampla defesa”.[viii]
Ainda neste diapasão, a Emenda Constitucional n° 1 de 1969, registrava no artigo 154 o seguinte texto:
“Art. 154 O abuso de direito individual ou político com o propósito (…) de corrupção importará em suspensão daqueles direitos de dois a dez anos, a qual será declarada pelo Supremo Tribunal Federal, mediante representação do Procurador-Geral da república, sem prejuízo da ação cível ou penal que couber, assegurada ao paciente ampla defesa”.[ix]
Dessa forma, vislumbramos que a Carta Constitucional promulgada no ano de 1988 inovou no sentido de denominar os atos, até então chamados meramente de corrupção, de atos de improbidade administrativa, posto que estes abarcam, ainda, além da suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, não sendo estes numerus clausus.
Contudo, necessária foi a edição de lei regulamentadora – Lei nº 8.429/92 – que tivesse o propósito de punir os infratores por atos de improbidade, pois a aplicação de sanções em ações civis como multa civil, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público ou dele receber benefícios e incentivos não eram passíveis de punição caso não se encontrassem tipificados na espécie enriquecimento ilícito.
Isso porque inicialmente a nossa lei maior tratava apenas do “enriquecimento ilícito”, mas atualmente essa espécie de ato encontra-se abrangida pelo gênero improbidade administrativa.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho[x] assenta o entendimento da desnecessidade do inciso V do artigo 15 da Constituição Federal, tendo em vista que o artigo 37 do mesmo diploma legal já tratou de disciplinar o assunto. O autor assegura que este parágrafo exprime a revolta do povo brasileiro relativamente à corrupção instalada nos escalões governamentais.
Apenas como lembrança, esta forma de resposta por atos ilícitos praticados contra a Administração Pública sempre foi passível de punição no âmbito da legislação penal, em que as penas acessórias também se fazem presentes como, por exemplo, suspensão de direitos ou perda da função pública, e pela obrigação de ressarcimento do dano causado, o que é apurado pelo direito civil.
Todavia, importante é frisar que a Constituição Federal atual, no seu artigo 15, veda expressamente a cassação de direitos políticos; contudo, deixa explicitado que a perda ou suspensão dela decorrentes verificar-se-ão apenas nos casos ali arrolados (incisos I a V), dentre os quais encontra-se a improbidade administrativa.
1.3 Previsão Legal
Anteriormente ao dispositivo constitucional da Carta de 88, o direito brasileiro já possuía legislação que previa meios de coibir e sancionar os sujeitos que praticassem atos que, hodiernamente, são conhecidos como atos de improbidade.
Dessa forma, temos notícia de que no ano de 1941 entrou em vigor o Decreto-lei n° 3.240, que tinha como ementa: “SUJEITA A SEQUESTRO OS BENS DE PESSOAS INDICIADAS POR CRIMES DE QUE RESULTA PREJUIZO PARA A FAZENDA PÚBLICA, E OUTROS”. A perda dos bens, segundo esse Decreto, constituía efeitos da condenação criminal, conforme ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro.[xi]
Anos mais tarde, mais precisamente quatro, com a promulgação da Constituição de 1946, surgiu a necessidade da edição e promulgação de nova lei que estivesse adequada aos preceitos do artigo 141 da Carta.
No entanto, somente em 1957 e 1958 foram promulgadas duas leis federais, que foram expressamente revogadas pelo artigo 25 da Lei de Improbidade Administrativa[xii].
A primeira lei federal foi a Lei n° 3.164 de 1° de junho de 1957, conhecida como Lei Pitombo-Godói Ilha, cuja ementa segue: “PROVÊ QUANTO AO DISPOSTO NO PARAGRAFO 31, SEGUNDA PARTE, DO ARTIGO 141 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”, vinda para regulamentar o artigo 141, § 31, da Constituição Federal de 1946. Referida lei já outorgava ao Ministério Público e a qualquer pessoa a possibilidade de ingressar em juízo, antecipando-se à Lei da Ação Popular, promulgada apenas em 1965. Ainda, instituiu a obrigatoriedade de registros públicos dos valores e bens pertencentes ao patrimônio privado de quantos exercessem cargos ou funções públicas da União e das entidades autárquicas, eletivas ou não, consoante seu artigo 3°.
Ademais, conforme denota-se da leitura do artigo 1°, in fine, da Lei em comento.[xiii]
“Muito claro que se tratava de sanção de natureza civil, já que aplicada independentemente da responsabilidade criminal e mesmo que ocorresse a extinção da ação penal ou a absolvição do réu”[xiv].
Já a segunda lei federal tratava-se da Lei n° 3.502, de 21 de dezembro de 1958, conhecida como Lei Bilac Pinto, que tinha como ementa: “REGULA O SEQÜESTRO E O PERDIMENTO DE BENS NOS CASOS DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO, POR INFLUENCIA OU ABUSO DO CARGO OU FUNÇÃO”.
Entende-se pela chamada que esta lei foi promulgada visando regular o seqüestro e a perda dos bens nos casos de enriquecimento ilícito. Contudo, ela não revogou a anterior surgindo mais como complemento àquela, uma vez que enumera no artigo 2° as hipóteses que caracterizam o enriquecimento ilícito.
Igualmente à lei anterior, a sanção aplicável aos servidores públicos, ou aos dirigentes ou os empregados de autarquias (já que apenas com a edição do Decreto-Lei n° 200 de 1967 as empresas públicas e sociedades de economia mista passaram a fazer parte do sistema jurídico-normativo) tinha natureza civil, aplicável independentemente da responsabilidade criminal, segundo o artigo 4° caput da Lei[xv]. Foi também outorgado ao Ministério Público, bem como a qualquer cidadão, após o prazo de 90 dias da apuração dos fatos, a legitimidade para propositura da ação.
1.4 Ato de Improbidade
O ato de improbidade consiste em uma ação ou omissão de um agente público, servidor ou não, conforme preceitua o artigo 2º[xvi] da Lei de Improbidade, que, em detrimento do interesse público, adota comportamentos escusos e, não raras vezes, possibilitam a obtenção de vantagens para si ou para outras pessoas, sejam elas do seu círculo familiar ou com as quais esteja envolvido socialmente. Contudo, para a caracterização desse ato dispensa-se a necessidade da efetiva ocorrência do dano para que se identifique a lesividade atribuída à improbidade administrativa.
Logo infere-se que para a caracterização do ato ímprobo – se este tenha sido praticado (positivo) ou, ainda, no caso da omissão tenha sido deixado de praticar (negativo) – basta que exista a intenção de lesar o erário, que o infrator volitivamente atente contra os princípios da administração ou que se verifique qualquer outra conduta que se enquadre como tal na legislação infra-constitucional. Vê-se, portanto, que para o legislador não há a necessidade essencial do atingimento da finalidade pelo agente que praticou o ato, pois mesmo não sendo concretizado o efetivo dano ao erário ainda assim subsistirá como suficiente a vontade deliberada daquela prática danosa que, uma vez estampada, poderá fazer recair sobre ele todas as sanções decorrentes dos dispositivos legais existentes, como está compreendido no caput e no inciso I do art. 21. “A aplicação das sanções previstas nesta lei independe: I – da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público”, pois sabe-se que a finalidade da Lei 8.429/92 é tutelar a probidade e a honestidade (integridade moral) no trato com a coisa pública.
Contudo é importante explicitar que ao tratar da ação da improbidade, ainda que se utilize o vocábulo ato, este difere de ato administrativo, pois poderá, eventualmente, corresponder a um desses, assim como poderá ser uma conduta ou uma omissão de um agente.
São três as espécies de improbidade administrativa contempladas na lei, quais sejam:
1. Atos de Improbidade Administrativa que Importem em Enriquecimento Ilícito;
2. Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário;
3. Atos de Improbidade que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública.
A primeira forma encontra-se disposta no artigo 9°, caput, e incisos da Lei[xvii], sendo que enriquecimento ilícito é auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no artigo 1° da lei.
A segunda forma trata de lesão ao erário, qualquer ação ou omissão – dolosa ou culposa – que propicie perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades, conforme artigo 10, caput e incisos[xviii].
E a última forma é qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, segundo o caput do artigo 11[xix], bem como seus incisos, cujo rol é exemplificativo.
Ou seja, não há que se falar em “ato” (administrativo) em sentido estrito, mas em ação, uma vez que a abrangência do termo poderá atingir igualmente uma omissão ou um comportamento do agente. Assim, o modo como o administrador conduz uma determinada questão pertinente ao cargo que ocupa é que espelhará, ao final, a exata espécie identificadora da natureza da sua conduta.
1.4.1 Sujeitos da Improbidade
Os sujeitos da improbidade são divididos em duas classes: os ativos, ou seja, aqueles que por ação ou omissão praticam atos de improbidade administrativa que importem em enriquecimento ilícito, que causem prejuízo ao erário ou, ainda, que atentem contra os princípios da Administração Pública; e os passivos, que arcam com as conseqüências dos atos na lei dispostos como ilícitos. Assim temos:
1.4.1.1 Sujeito ativo
É qualquer agente público, contando ou não com o auxílio de um terceiro agente. O artigo 2°[xx] da Lei 8.429/92, dispõe que os atos de improbidade são aqueles praticados por agentes público, que por sua vez, é todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.
Como anteriormente citado, o artigo 3° da mesma lei, amplia a possibilidade de aplicação dos dispositivos legais àquele que, ainda que não seja agente público, da mesma forma concorra ou induza para a prática de tal ato ou dele se beneficie, direta ou indiretamente.
Cabe ressaltar que um administrador não será responsabilizado por atos ilícitos cometidos por outros administradores, ressalvados os casos de induzimento, beneficiamento, participação na prática do ilícito ou omissão, ao tomar ciência de práticas que visem impedir tais atos.
1.4.1.2 Sujeito Passivo
Pode ser toda pessoa jurídica de Direito Público interno (União, Estados, Municípios, Distrito Federal), autarquias e entes públicos ou privados que participem direta ou indiretamente do dinheiro público. Desse caso o artigo 1°[xxi] da Lei trata com propriedade em seu caput.
Assim entende-se como administração direta os órgãos próprios do Executivo; já administração indireta seria composta pelas entidades que possuem personalidade jurídica própria, criadas ou autorizadas por lei, que seriam as autarquias, sociedades de economia mista e as empresas públicas. Complementando, são sujeitos passivos de atos de improbidade as fundações e os serviços sociais autônomos, como SESI, SESC, SENAI, entre outros.
Depreende-se da leitura do parágrafo único do primeiro artigo legal que são sujeitos passivos as entidades que recebem subvenções, benefícios ou incentivo – seja fiscal ou creditício – de órgãos públicos, bem como aquelas que, para a sua criação, o erário tenha concorrido com menos de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da receita anual.
1.4.2 Elementos Subjetivos: Dolo e Culpa
1.4.2.1 Noção
Em regra, para que seja procedido o enquadramento de uma conduta, omissiva ou comissiva, em um dispositivo legal, faz-se necessário inicialmente que o sujeito ativo tenha agido com DOLO ou CULPA. Estes são os elementos subjetivos, o nexo causal, existentes entre a conduta do agente e o dano causado.
Fala-se em culpa lato sensu e stricto sensu, sendo a primeira a culpa em sentido amplo, que compreende o dolo, e a segunda a vontade não dirigida do agente, mas provocada por falta de cuidado e diligência na prática de determinados atos. Assim, para que seja possível estabelecer o referido enquadramento com a necessária clareza, importa que seja levado em conta o animus do agente.
Existem três modalidades na forma culposa, quais sejam: negligência, imprudência ou imperícia. A primeira delas traduz-se por desatenção, descuido, desprezo, incúria, menosprezo e falta de diligência necessária, ou seja, o agente não observou a correta forma de proceder em determinado ato.
A segunda, a imprudência, é a falta de cautela, falta de precaução, de ponderação, de sensatez; ela está presente quando o indivíduo age sem moderação ou comedimento; é quando o agente não apenas realizou um ato com falta de atenção mas que, sobretudo, deixou de tomar as providências necessárias para evitar uma conseqüência danosa.
Por fim, temos a imperícia que resulta na falta de competência, experiência ou habilidade, sendo permitido falar-se na falta de conhecimento de técnicas que, se se fizessem presentes, o dano poderia ser evitado.
Dessa forma, enquadra-se na forma culposa stricto sensu aquele administrador que age com negligência, imprudência ou imperícia, inexistindo vontade dirigida para a provocação de um ato.
Difere do dolo, considerando-se que aqui está desenhada uma intenção prévia, um desejo, uma vontade consciente do agente para a realização de um objetivo que, no caso aqui tratado, seria determinante para a ocorrência da ilicitude por tratar-se de um ato de má-fé, pois o agente tem plena consciência dos riscos oferecidos pelo ato, passa para a sua prática e quer os resultados dali advindo.
1.4.2.2 Dolo e Culpa na Lei 8.429/92
A administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro menciona que dentre os dispositivos legais que definem os atos de improbidade administrativa somente os artigos 5° e 10 tratam da ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou terceiro na ocorrência de lesão ao erário. A autora entende que houve diversidade de tratamento entre as espécies de práticas de atos de improbidade; ressalta, contudo, que apenas a falha do legislador poderia justificar essa diversidade, pois é de grande relevância a existência do elemento subjetivo na prática do ato ímprobo, eis que “sem um mínimo de má-fé, não se pode cogitar da aplicação de penalidades tão severas como a suspensão dos direitos políticos e a perda da função pública”.[xxii]
Nesse compasso, depreende-se que não há a possibilidade da existência de culpa somente no sentido estrito, isto é, sem o dolo, pois seria difícil explicar o enriquecimento ilícito de uma pessoa – que causou prejuízo ao erário e infringiu os princípios norteadores da administração pública – somente pelo fato de ter agido com culpa por meio de um dos seus três elementos fundamentais (negligência, imprudência ou imperícia). E porque ninguém deixa de ser honesto simplesmente por desatender a qualquer um daqueles três requisitos é que resulta de grande valoração a existência da vontade do agente, sabendo-se, contudo, que existem correntes divergentes no que tange ao entendimento de que o elemento subjetivo da improbidade seja dolo e culpa ou somente dolo.
Para demonstrar a existência da corrente que aceita somente o dolo como elemento subjetivo da improbidade administrativa, buscamos o entendimento de Ivan Barbosa Rigolin[xxiii]:
Improbidade administrativa quer dizer desonestidade, imoralidade, prática de atos ímprobos, com vista a vantagem pessoal ou de correlato do autor, sempre com interesse para o agente. A improbidade é sempre ato doloso, ou seja, praticado intencionalmente, ou cujo risco é inteiramente assumido. Não existe improbidade culposa, que seria aquela praticada apenas com imprudência, negligência, ou imperícia, porque ninguém poderia ser ímprobo, desonesto, só por ter sido imprudente, ou imperito, ou mesmo negligente. Improbidade é conduta com efeitos necessariamente assumidos pelo agente, que sabe estar sendo desonesto, desleal, imoral, corrupto. Chama-se improbidade administrativa aquela havida ou praticada no seio da Administração, já que pode haver improbidade na esfera civil, na vida particular, ou na militância comercial de qualquer pessoa; apenas por referir-se a situações ou fatos ligados à Administração, dentro dela, a Lei n° 8.112, a exemplo de outras leis, denominou aquela improbidade de administrativa”. (Comentários ao Regime Único dos Servidores Públicos Civis, Saraiva, 4ª edição – 1995, p. 229/230).
Dessa forma não haveria que se falar em ato de improbidade praticado com culpa, como vimos, já que para a realização desse ato há a necessidade efetiva da vontade do agente público em praticá-lo, por desejar determinada finalidade seja ela uma vantagem pessoal ou de terceiro, que venha a contrapor-se aos interesses públicos, já que a ninguém é lícito agir como melhor lhe parece, com ânimo protetor exclusivo aos seus interesses pessoais.
Já, Maria Sylvia Zanella Di Pietro assinala que “o enquadramento na lei de improbidade exige culpa ou dolo por parte do sujeito ativo. Mesmo quando algum ato ilegal seja praticado, é preciso verificar se houve culpa ou dolo, se houve um mínimo de má-fé que revele realmente a presença de um comportamento desonesto”.[xxiv]
Logo, extrai-se dessa lição a outra corrente de que tratamos, ou seja, a que aceita tanto o dolo quanto a culpa como elemento subjetivo, pois há necessidade de que se configure um desses elementos na prática da conduta desonesta.
Dessa feita, entendemos que esta última corrente é a mais plausível delas, posto que a própria lei contempla no caput dos artigos 5° e 10 a necessidade desses elementos subjetivos, concordando, com o entendimento da autora citada, no que tange aos outros dois dispositivos legais, artigo 9° e 11, que tratam de outras formas de improbidade que também comportam a exigência da existência de dolo ou culpa, ainda que não tragam explicitamente em seu bojo essa definição, já que não haveria razão para existir essa diversidade no tratamento dos três atos de improbidade sancionáveis.
Assim foi o entendimento do TJ/RS e do TJ/SP, conforme ementas que seguem:
27115007 – APELAÇÃO CÍVEL, IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – TRANSPORTE ESCOLAR MUNICIPAL – LICITAÇÃO – CARTEL – AFFECTIO E CONCILIUM FRAUDIS – 1. Preliminares. 1.1. Agravo retido não conhecido a ausência de reiteração nas razões recursais. 1.2. Nulidade do processo não declarada por responder o Prefeito, nos casos de ação visando ao reconhecimento de improbidade administrativa (matéria cível e não penal), perante o juízo cível de primeiro grau. Competência. O foro por prerrogativa de função estatuído no inc. X, do art. 29, da atual Constituição Federal, anteriormente inc. VIII, diz respeito tão-somente a hipóteses delitivas praticadas pelo Prefeito. A busca da conduta improba na esfera civil não é alcançada pelo dispositivo constitucional, respondendo no foro originário do fato-improbo. Preliminares alijadas. 2. Mérito. 2.1. Recurso do Prefeito improvido por ausente circunstância que exclua sua participação culposa no agir ímprobo consistente em lesão ao erário, por ação e omissão, fraude a licitação, permitindo, por isso, locação de bem por preço superior ao de mercado. Inteligência do disposto no art. 10, V, da Lei nº 8429/92. Comissão julgadora da licitação destituída das condições mínimas de cognição para o exercício do mister. Negligência. Designação pelo Prefeito Municipal. Culpa. Superfaturamento de licitação com base em elemento fraudulento consistente planejamento divisor de linhas de coletivos adredemente inventariadas e distribuídas modo a participar só um concorrente de uma licitação por local com preços elevados, sem parâmetros na licitação. Fraude evidenciada a licitação. Violação dos princípios da moralidade, impessoalidade e probidade, além da legalidade no que tange a escolha da modalidade licitatória levada a efeito como tomada de preços ao invés de concorrência pública (art. 22, I, da Lei nº 8666/93). Conduta e nexo/liame culposo evidenciado. Recurso improvido. 2.2. Recurso do Órgão do Ministério Público. 2.2.1. Aplicação de pena de suspensão dos direitos políticos. Aplicação de pena que tal exige fato grave, conseqüências graves e pelo menos culpa civil grave o suficiente “in concreto” cuja intensidade revele necessidade e proporcionalidade relativamente a conduta diligente que se exigia, razoavelmente, frente aos fatos. O juiz não deve se reduzir a condição de automático aplicador de dispositivos normativos. O disposto no art. 12, parágrafo único, da Lei nº 8429/93, deve ser aplicado com observância do “arbitrium regulatum” jurisdicional na forma do art. 93, X, da Constituição Federal, cotejados os critérios da necessidade e proporcionalidade da conduta-fato a pena. Improcedência do recurso neste particular. 2.2.2. Responsabilidade dos servidores públicos cuja conduta evidenciada como ilegal. Participação no procedimento licitatório modo negligente e civilmente doloso. Recurso provido neste particular. 2.2.3. Responsabilização dos transportadores que se uniram em “consilium fraudis”. Prova insuficiente para caracterizar condutas individualizadamente com base na prova jurisdicionalmente produzida, desconsiderada a prova produzida em CPI por não se traduzir no “due process of law”. Reserva da jurisdição para a produção da prova como princípio do juiz natural. Recurso improvido neste tópico. (34fls.) (TJRS – APC 599260908 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Juiz Carlos Roberto Lofego Canibal – J. 10.05.2000)
13039818 – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Ajuizamento pelo Ministério Público objetivando reconhecimento da prática de ato de improbidade administrativa por servidor público. Improcedência bem decretada em primeiro grau. Suposta percepção de vencimentos integrais, sem o desconto de dias não trabalhados. Dados essenciais da vida funcional do demandado não trazidos à colação pelos autores, carecendo de comprovação satisfatória a presença de alguma situação sancionável prevista na Lei nº 8.429/92. As severas cominações da legislação especial devem ser reservadas aos atos praticados com desvio de poder ou de finalidade, que interfiram no regular funcionamento da Administração, o que não se delineou nos autos. Recursos dos autores não providos. (TJSP – AC 101.085-5 – São Paulo – 9ª CDPúb. – Rel. Des. Paulo Dimas Mascaretti – J. 06.10.1999 – v.u.)
[i] Novo Dicionário Aurélio, Editora Nova Fronteira, 1ª edição, 15ª impressão, p. 749
[ii]PAZZAGLINI FILHO, Marino e outros. Improbidade Administrativa. São Paulo: Atlas, 1998, p.39
[iii] ALVES, Léo da Silva e outros. Os crimes contra a Administração Pública e a relação com o processo disciplinar. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 216/217
[iv]CAETANO, Marcello. Manual de Direito Administrativo. Coimbra: Livraria Almedina, 1990, p. 749
[v]Artigo 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
(…)
§ 9° Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
[vi]É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
(…)
V – improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4°
[vii]Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e doa Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(…)
§ 4°. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma prevista em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
[viii]Constituição da República Federativa do Brasil: quadro comparativo Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas. – Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1996, p.152/153
[ix]Idem, ibidem, p. 152/153
[x]FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1999
[xi]DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2001, p.660
[xii]Art. 25. Ficam revogadas as Leis n°s 3.164, de 1° de junho de 1957, e 3.502, de 21 de dezembro de 1958 e demais disposições em contrário.
[xiii]Art. 1° São sujeitos a seqüestro e a sua perda em favor da Fazenda Pública os bens adquiridos pelo servidor público, por influência ou abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que tenha aquele incorrido.
[xiv]DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2001, p.660
[xv]Art. 4° O enriquecimento ilícito definido nos termos desta Lei equipara-se aos crimes contra a administração e o patrimônio público, sujeitando os responsáveis ao processo criminal e à imposição de penas, na forma das leis penais em vigor.
[xvi]Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.
[xvii] Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:
I – receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;
II – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;
III – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;
IV – utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;
V – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;
VI – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;
VIII – aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;
IX – perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;
X – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;
XI – incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;
XII – usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.
[xviii] Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
I – facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
II – permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
III – doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;
IV – permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;
V – permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;
VI – realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
VII – conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;
IX – ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;
X – agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;
XI – liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
XII – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;
XIII – permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.
[xix]Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:
I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III – revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;
IV – negar publicidade aos atos oficiais;
V – frustrar a licitude de concurso público;
VI – deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
VII – revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.
[xx]Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.
[xxi]Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.
[xxii] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2001. p 676.
[xxiii] Apud COSTA, José Armando da. Contorno jurídico da improbidade administrativa. Brasília: Brasília Jurídica, 2000
[xxiv] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. Cit., p. 675/676
* Samara Xavier
Acadêmica do último ano de Direito.