Imunidade tributária prevista na PEC da Música é inconstitucional

Autor: Alexandre Levinzon (*)

 

A Emenda Constitucional 75, de 15 de outubro de 2013, acrescentou uma nova hipótese de imunidade tributária ao texto constitucional.

A “nova” imunidade determinou a proibição à União, aos estados e aos municípios de instituir impostos sobre “fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser”.

É a determinação constante no artigo 150, VI, ‘e’, da Constituição Federal:

“Artigo 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios:
(…)
VI – instituir impostos sobre: (Vide Emenda Constitucional 3, de 1993)
(…)
e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.”

Atentando-se para a redação desse dispositivo constitucional, verifica-se que a proibição para instituir impostos restringiu-se aos trabalhos artísticos feitos por autores e artistas brasileiros ou produzidos no Brasil. Nada consta sobre as produções de artistas e autores estrangeiros.

Ocorre que essa exclusividade é inconstitucional.

Explica-se.

Primeiro, para melhor elucidação do problema, o Dicionário Michaelis tem a seguinte definição de fonograma e videofonograma:

“fo.no.gra.ma
sm (fono+grama4) 1 Sinal gráfico que representa um som. 2 Inscrição do som, obtida por meio de aparelhos registradores, em fonética experimental. 3 Som gravado. 4 Disco, placa, filme em que o som está gravado. 5 Telegrama que se dita por telefone, empregando um código de deletração a fim de assegurar a exatidão.”

“videofonograma
vi.de.o.fo.no.gra.ma
sm (vídeo+fonograma) Produto da fixação de imagem e som em um suporte material”[1].

Aqui se está tratando de mídias capazes de reproduzir conteúdo visual e auditivo, sendo as mais utilizadas o CD, o DVD e o Blu-ray.

Feitas tais considerações, passa-se à análise da constitucionalidade do artigo 150, VI, “e”, da Constituição Federal.

O artigo 150, II, da Constituição Federal prevê o princípio da igualdade (ou isonomia) tributária:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios:
(…)
II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”.

Verifica-se que o dispositivo constitucional supracitado expressamente prevê que é vedado instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, sendo proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida.

Comparando a situação jurídica de um artista brasileiro e de um artista estrangeiro, entende-se que estes estão em situação equivalente, ou seja, ambos detêm os mesmos direitos e as mesmas obrigações.

Portanto, ao proibir a instituição de imposto quanto aos fonogramas e videofonogramas somente de artistas brasileiros, houve afronta ao princípio da isonomia tributária, esculpido no artigo 150, II, da CF.

Além disso, a Constituição Federal veda no seu artigo 152 a diferenciação tributária entre bens e serviços em razão da procedência ou destino:

“Artigo 152. É vedado aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino”.

Não há dúvida de que na imunidade prevista na Emenda Constitucional 75, de 15 de outubro de 2013, certamente se estabeleceu uma diferença tributária entre bens (CDs, DVDs e Blu-rays) em razão de sua procedência (brasileiro ou estrangeiro), demonstrando clara afronta ao artigo 152 da Constituição.

Assim, resta claro que não pode haver um tratamento tributário diverso a um CD ou DVD ou Blu-ray de um artista brasileiro, seja ele Carlinhos Brown, Marisa Monte, Titãs, Exaltasamba ou Gusttavo Lima, entre outros, do que um CD, DVD ou Blu-ray estrangeiro, seja ele do Julio Iglesias, Rihanna, Michael Jackson, Ray Charles etc.

Ainda que se alegue a constitucionalidade da “nova” imunidade em decorrência da necessidade de preservação da música e cultura brasileira, é importante anotar que esta abrange uma quantidade enorme de ritmos e estilos musicais, o que não justificaria uma distinção com artistas estrangeiros.

Um CD de música clássica no qual um artista estrangeiro toca Beethoven em nada difere de outro CD que contenha a mesma obra musical comperformance de um artista brasileiro.

E sobre o possível argumento de que a PEC da música visou a preservação da cultura brasileira, é importante destacar duas artistas estrangeiras que contribuíram acintosamente para a cultura brasileira: Carmen Miranda, que era portuguesa, e Clarisse Lispector, que era ucraniana.

A questão que se coloca agora é: tendo em vista a inconstitucionalidade apontada, como pode o artista ou intérprete estrangeiro, ou seu representante, buscar seu direito de não ter suas mídias atingidas por impostos?

Existe uma probabilidade grande de o Poder Judiciário entender que não é possível a ampliação da imunidade prevista no artigo 150, VI, “e”, da Constituição Federal aos artistas e produtos (fonogramas e videofonogramas) estrangeiros, pois ele (Judiciário) estaria fazendo a função de legislador. Por esse raciocínio, se o juiz entende que a imunidade deve ser estendida a artista, intérprete ou produtor estrangeiro, então estaria legislando, que é função vedada ao Poder Judiciário, cabendo tal cargo exclusivamente ao Poder Legislativo.

Um exemplo disso é a decisão do Supremo Tribunal abaixo citada:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. PIS/PASEP E COFINS. EXTENSÃO DE TRATAMENTO DIFERENCIADO. ISONOMIA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. 1. O acolhimento da postulação da autora — extensão do tratamento tributário diferenciado concedido às instituições financeiras, às cooperativas e às revendedoras de carros usados, a título do PIS/Pasep e da Cofins — implicaria converter-se o STF em legislador positivo. Isso porque se pretende, dado ser ínsita a pretensão de ver reconhecida a inconstitucionalidade do preceito, não para eliminá-lo do mundo jurídico, mas com a intenção de, corrigindo eventual tratamento adverso à isonomia, estender os efeitos da norma contida no preceito legal a universo de destinatários nele não contemplados. Precedentes. Agravo regimental não provido.”” (Grifos acrescidos)
(RE 402.748-AgR, Rel. Min. Eros Grau, Dje de 15/05/08).

Todavia, a questão é subjetiva, podendo haver interpretação diversa no sentido de que a extensão aos estrangeiros não é uma forma de legislar, mas simplesmente excluir a palavra “brasileiro” do texto constitucional. Há casos em que o STF já declarou inconstitucional apenas uma palavra de um dispositivo normativo.

Vale ressaltar que o estado do Amazonas ajuizou ação direta de inconstitucionalidade contra a PEC da Música, porém com argumentos diversos dos aqui expostos.

Resta aguardar o entendimento do Poder Judiciário sobre essa questão.

 

 

 

Autor: Alexandre Levinzon é advogado especialista em Direito Tributário, pós-graduado pela Fundação Getulio Vargas.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Atendimento