por Willian Arthur Moneda
Para Hely Lopes Meirelles, serviço público é “todo aquele prestado pela administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado”.
Entende-se como necessidades essenciais as indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, ou seja, das necessidades que coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.
Visto o conceito de serviço público, se faz necessário destacar um de seus princípios norteadores, o da continuidade do serviço público.
A grande discussão concernente a este princípio é se é possível a suspensão do fornecimento de um serviço público essencial em caso de inadimplemento do consumidor com a fornecedora, como por exemplo o fornecimento de água ou energia elétrica. O posicionamento da doutrina a este respeito é dividido, pois uma parte defende que não é possível a suspensão em hipótese alguma, enquanto a outra parte defende que, em alguns casos, como o de inadimplemento, é possível a suspensão.
Os que defendem que não é possível a suspensão do fornecimento do serviço público baseiam-se nos artigos 22 e 42 da Lei 8.078/90, e no artigo 5º, incisos LV e LIV da Constituição Federal. Alegam também que há meios próprios de cobrar a falta de pagamento, por meio da ação judicial, e por ser um serviço essencial não se pode ficar condicionada ao pagamento de contraprestação, sendo a interrupção inconstitucional e arbitrária.
Nesse sentido, há jurisprudências do STJ contidas no Resp 122.812/ES, onde foi julgado que “É ilegal a interrupção no fornecimento de energia elétrica, mesmo que inadimplente o consumidor, à vista das disposições do Código de Defesa do Consumidor que impedem seja o usuário exposto ao ridículo. Deve a concessionária de serviço público utilizar-se dos meios próprios para receber os pagamentos em atrasos”.
Nesse sentido, a doutrinadora Maria Sylvia Zanello di Pietro entende que “o usuário tem direito à prestação do serviço; se este lhe for indevidamente negado, pode exigir judicialmente o cumprimento da obrigação pelo concessionário. É comum ocorrerem casos de interrupção na prestação de serviços como os de luz, água e gás, quando o usuário interrompe o pagamento. Mesmo nessas circunstâncias, existe jurisprudência no sentido de que o serviço, sendo essencial, não pode ser suspenso, cabendo ao concessionário cobrar do usuário as prestações devidas, usando das ações judiciais cabíveis”.
Os doutrinadores que defendem ser possível a interrupção do fornecimento do serviço público em casos de inadimplemento dos consumidores alegam que o princípio da continuidade do serviço público não pode ser tratado como absoluto e incondicional, pois se estimularia a inadimplência, já que não se interromperia o fornecimento do serviço em caso de falta de pagamento.
Posto que este princípio garantiria o fornecimento do serviço público em qualquer hipótese, foi submetido à Corte Especial do STJ o Resp 363.943, onde se decidiu que “a distribuição de energia é feita, em sua grande maioria, por empresas privadas que não estão obrigadas a fazer benemerência em favor de pessoas desempregadas. A circunstância de elas prestarem serviços de primeira necessidade não as obriga ao fornecimento gratuito. O corte é doloroso, mas não acarreta vexame. Vergonha maior é o desemprego e a miséria que ele acarreta. É lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica mantém inadimplência no pagamento da respectiva conta”.
O questionamento que se faz é se há limites ao princípio da continuidade do serviço público, que ao meu entender tem de ter um limite, pois tudo que é feito sem limites acaba-se perdendo o controle. No fornecimento de serviço público, tem de ter um controle, um limite, para que não acabe estimulando e gerando uma inadimplência em massa da população que, amparada ao princípio da continuidade do serviço público, alegaria possuir o direito de ter o seu fornecimento mesmo não pagando a contraprestação devida.
Lógico que cada caso concreto tem de ser analisado separadamente, pois as situações são diferentes de caso para caso. A interrupção do fornecimento do serviço público não pode ser uma sanção ou uma forma de cobrança imposta pelo fornecedor do serviço e sim uma forma de limitar a inadimplência descontrolada, haja vista que o meio próprio para se cobrar a falta de pagamento é a ação judicial e cabe somente ao Poder Judiciário impor sanções à população.
Bibliografia
– MELO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, Ed. Malheiros, 17ª Edição;
– MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, Ed. Malheiros;
– PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di, Direito Administrativo, 13ª Edição, Ed. São Paulo.