Autor: Marcello Terto e Silva (*)
No apagar das luzes de 2014, a Assembleia Legislativa de Goiás editou a Emenda Constitucional (EC) 50, mais precisamente em 11 de dezembro, com o objetivo de transformar cargos de advogados e gestores jurídicos numa nova carreira paralela de procurador autárquico.
Na época, a emenda foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.215, ainda pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, na qual se sustenta ofensa à previsão dos procuradores dos Estados e do Distrito Federal como carreira única e à regra do concurso público, haja vista a transposição de cargos.
E, desde 2015, já há pareceres da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR) favoráveis à declaração de inconstitucionalidade do artigo 92-A, inserido pela EC 50/2014 na Constituição do Estado.
Na mesma época, o Ministério Público e o Ministério Público de Contas expediram recomendações ao governador de Goiás, Marconi Perillo, para que se abstivesse de enviar projeto de lei regulamentando a procuradoria paralela, bem ainda de praticar qualquer ato administrativo de enquadramento até a sobrevinda de decisão do Supremo.
Mas, como o STF ainda não definiu o tema, o governo de Goiás se viu na liberdade de encaminhar, novamente no fim do ano, o projeto de lei que trata da procuradoria autárquica e regulamenta o dispositivo com inconstitucionalidade questionada. A Assembleia promete votar o PL 2017004957 em 12 de dezembro de 2017, terça-feira, novamente de afogadilho.
Os servidores autointitulados “procuradores autárquicos”, mesmo antes da aprovação do PL, dizem, em defesa da aprovação, que o modelo proposto seria similar ao da União, onde coexistem as carreiras dos advogados da União, que representam a administração direta, e dos procuradores federais, atuantes nas autarquias e fundações públicas federais (administração indireta).
Ocorre que a própria Constituição Federal já desenhou a Advocacia-Geral da União com diversos braços e uma única cabeça: o Advogado-Geral da União. Ali foram previstos concursos específicos para “as carreiras [plural] da instituição” (artigo 131, § 2º). A Constituição evidencia que, mesmo com diversos braços, a Advocacia-Geral da União, sob pena de não ser geral, constitui-se instituição única. É assim que a Lei Complementar 73/1993, com espelho na Constituição, agrega advogados da união, procuradores federais e procuradores da fazenda nacional, todos compreendidos na instituição una Advocacia-Geral da União.
No caso dos estados, a Constituição Federal fala em “procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira” [singular]. Parece evidente o fato de, nesse caso, a Constituição ter previsto modelo de carreira única.
Além disso, a Procuradoria Federal não foi instituída mediante a transposição de gestores jurídicos e de advogados celetistas da União a procuradores federais, como se quer fazer em Goiás.
De fato, o PL 2017004957, além de criar uma carreira nova e paralela à Procuradoria-Geral do Estado, intenta provê-la integralmente, sem concurso público específico, pelos que se autodenominam “procuradores autárquicos” antes de editada a lei, que inserirá esses representantes das indiretas no quadro funcional de uma das secretarias da administração direta.
Entre os contemplados pelo projeto, há, por exemplo, gestor jurídico com remuneração atual de R$ 6,7 mil, advogado júnior (R$ 5,9 mil), analista jurídico (R$ 4,2 mil) e advogado III (R$ 26 mil). Segundo o projeto, todos passarão a receber, no mínimo, algo em torno de R$ 20 mil, daí a veemência com que defendem o projeto.
Além do substancial aumento, o projeto ainda prevê promoção post mortem, ou seja, considera promovido o procurador autárquico que vier a falecer, e piso mínimo de honorários, a serem complementados pelo Estado, se fixados judicialmente em percentual inferior.
A esperança para barrar o projeto é que o relator da ADI 5.215, ministro Luís Roberto Barroso, conceda a medida cautelar solicitada pela Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do DF (Anape) para suspender o artigo 92-A da Constituição Estadual e, por decorrência, a tramitação do PL 2017004957.
A não ser assim, a Constituição Federal precisará ser emendada para que a Procuradoria-Geral do Estado, não sendo mais geral, passe a se chamar Procuradoria da Administração Direta do Estado.
Autor: Marcello Terto e Silva é procurador do Estado de Goiás e conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil.