Indenização por extravio de bagagem no transporte aéreo tem limite

Autor: Eduardo Vieira de Almeida (*)

 

O mercado de transporte aéreo internacional atingiu um nível de desenvolvimento elevado nas últimas décadas: aumento de capacidade, aeronaves eficientes, novas rotas e expansão aeroportuária, dentre outros. Na mesma toada, cresceu também a quantidade de litígios.

Não é improvável a situação em que a aeronave de uma companhia brasileira pousa em solo americano transportando passageiro francês que comprou a passagem quando em trânsito pela China. O emaranhado de relações que se formam nesse mercado é extremamente complexo e dinâmico. Por isso, não se pode cogitar que a operação das empresas de transporte aéreo internacional seja regrada sem um mínimo de uniformização.

Dentre os inúmeros temas que se busca uniformização, está o transporte internacional de passageiros e questões de responsabilidade civil, principalmente no que tange a bagagens, cobertas pelas Convenções de Varsóvia e de Montreal, das quais é signatário o Brasil. No Brasil, no entanto, a jurisprudência vinha divergindo sobre a prevalência das convenções internacionais ou Código de Defesa do Consumidor em casos de transporte internacional de passageiros.

Consumidores defendem a aplicação das normas do CDC aos casos consumeristas, sob pena de ver vilipendiado o artigo 5º da Constituição Federal, em seu inciso XXXII, além de ferido o princípio da hierarquia entre normas do ordenamento jurídico e da hipossuficiência do consumidor.

As empresas aéreas e as entidades representativas do setor alegam serem essas relações consumeristas de cunho específico, pelo que deve ser aplicado o artigo 178 da Constituição, que estabelece a obediência aos acordos internacionais ratificados pelo país na ordenação dos transportes aéreos e observado o princípio da manutenção da ordem econômica, também resguardado pela Constituição.

A questão não é simples e a posição do Judiciário sobre a matéria impacta de forma direta e ostensiva no custo operacional das companhias aéreas, no repasse do aumento desse custo para o passageiro e, consequentemente, na fuga de investimento no setor de aviação comercial.

A prevalência do CDC sobre as convenções internacionais para dirimir litígios cujo objeto seja o transporte aéreo internacional de passageiros resulta em ausência de segurança jurídica e previsibilidade na relação de consumo específica. Consequentemente, importa em reflexos consideráveis no aumento dos custos de transação incorridos pelos participantes do mercado, como, por exemplo, o valor da apólice de seguros contratados pelas companhias aéreas para cobrir casos de extravio de bagagens.

Nesse caso, as Convenções de Varsóvia e de Montreal estabelecem limites de indenização indexados ao peso da bagagem do passageiro, dando-lhe, subsidiariamente, a oportunidade, de declarar os valores de objetos contidos na bagagem despachada. Essa medida torna previsível e calculável eventual prêmio a ser pago pela seguradora em caso de sinistro, influenciando diretamente no valor das apólices contratadas pelas companhias aéreas para cada passageiro transportado.

Na contramão do que dispõem os Tratados Internacionais sobre o tema, o CDC retira a capacidade de limitação da responsabilidade e dá azo à imprevisibilidade do dano em potencial, sujeitando as empresas ao pagamento de apólices exorbitantes, que elevam o custo da operação.

O Brasil é dos países que mais tem litígios em relação a bagagem e atraso de voos, sobrecarregando as companhias aéreas com passivo judicial considerável, de cuja administração é extremamente custosa. A aplicação do CDC a casos como os relatados agrava essa situação.

O STF se posicionou em definitivo sobre a matéria na última quinta-feira (25/5), ao entender que por se tratar de relação de consumo específica – transporte internacional de passageiros – as convenções ratificadas pelo Brasil têm status de norma especial, tendo prevalência sobre o CDC, que ganha contorno de norma geral por tratar de relações de consumo genéricas, ressalvando, neste ponto, que a norma da convenção não é refratária ao direito do consumidor. Todavia, a Corte Suprema limitou a aplicação das Convenções apenas no que diz respeito ao dano material e prescrição, deixando de sob a égide do CDC a aplicação do dano moral.

Segurança jurídica e previsibilidade são requisitos fundamentais para o desenvolvimento e manutenção de relações e negócios transnacionais, dentre eles o transporte aéreo internacional. A jurisprudência cunhada pelo STF nesse caso deve ser vista com bons olhos. Entretanto, a aplicação do CDC em detrimento das convenções internacionais nessas circunstâncias no que tange o dano moral, poderá continuar sendo objeto de debate.

 

 

 

 

Autor: Eduardo Vieira de Almeida é advogado associado do Cesar Asfor Rocha Advogados e LL.M em Direito Bancário e Finanças pela Universidade de Londres.


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