Índios e competência criminal.

A necessária revisão da Súmula nº 140 do STJ

A Constituição brasileira de 1988 é reconhecida como marco do direito constitucional indígena por ter influenciado a concepção de várias Constituições americanas (Colômbia/1991, México e Paraguai/1992, Peru/1993 e Bolívia/1994). Possui um Capítulo composto de previsões concernentes aos índios, onde delineados os contornos de como devem ser efetivadas as relações entre os índios, seus povos e o Estado brasileiro.

A Constituição de 1988 tornou explícita a multietnicidade e multiculturalidade brasileiras, inovando, como aponta Carlos Frederico Marés de Souza Filho (1), ao abandonar uma política de perspectiva assimilacionista, que praticava com os índios, como categoria social transitória, fadada ao desaparecimento, reconhecendo aos índios o direito à diferença, ou seja, de serem índios e de permanecerem como tal indefinidamente.

Tratando da principiologia que informa o direito indigenista brasileiro, Paulo de Bessa Antunes (2) ressalta que ao reconhecer aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, o art. 231 alberga o direito à alteridade, ou seja, o direito do índio ser diferente, o que implica a aceitação de que a cultura dos não índios não é a única forma de cultura válida. Destaca que tal reconhecimento já constava do art. 1º do Estatuto do Índio, porém num enfoque assimilacionista, como etapa prévia no processo de integração do indígena na sociedade nacional, que hoje não prevalece.

Segundo o citado autor, o direito à diferença previsto no comando do art. 231 da Constituição de 1988 não significa a existência de uma inferioridade de direitos, ao contrário, explicita que aos indígenas não podem ser negados direitos deferidos aos cidadãos brasileiros, assegurando aos índios os diversos direitos decorrentes de sua peculiar situação. Atento à peculiar situação dos indígenas, o legislador constituinte estabeleceu a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento de causas envolvendo disputa sobre direitos indígenas (art. 109, inciso IX).

Outrossim, o constituinte estabeleceu no art. 109, incisos I e III e IV, da Lei Fundamental, a competência dos juízes federais para processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes; as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional, e os crimes praticados em detrimento de bens, serviços e interesse da União. Interpretando conjuntamente os dispositivos constitucionais mencionados, e considerando o princípio do direito à alteridade que deve orientar o trato de todas as questões envolvendo indígenas, forçosa é a conclusão de competir à Justiça Federal o julgamento de todos os casos que envolvam índios, inclusive nos casos de crimes por eles praticados.

Essa também é a abalizada inferência de Cláudio Lemos Fonteles, que reproduzo:

“18. É inquestionável: o art. 231, caput, da Constituição Federal impõe à União o dever de preservar as populações indígenas, preservando, sem ordem de preferência, mas na realidade existencial do conjunto: sua cultura; sua terra; sua vida.

19. Sua cultura, porque aos índios há o reconhecimento constitucional de sua ‘organização social, costumes, línguas, crenças e tradições’.

20. Sua terra, porque aos índios há o reconhecimento constitucional de ‘dos direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam’.

21. Sua vida, quer na expressão do indivíduo considerado de per se; quer na expressão da liderança, ou das lideranças do próprio grupo; quer porque a cada índio, em particular, e a todos em coletividade, estende-se o dever de proteção constitucionalmente imposto à União: ‘proteger e fazer respeitar todos os seus bens’. Bens, por óbvio, não só os economicamente mensuráveis, mas os inestimáveis como a vida, a integridade física, a honra, etc;

22. Ora, como dissemos antes, porque o art. 231, caput, da Constituição Federal ‘impõe à União o dever de preservar as populações indígenas, preservando, sem ordem de preferência, mas na realidade existencial do conjunto, sua cultura, sua terra, sua vida’, e porque o inciso IX, do artigo 109, da mesma Carta, que o primeiro operacionaliza, marca na Justiça Federal de 1º grau a competência jurisdicional para as contendas sobre direitos indígenas, a Justiça estadual não mais está legitimada a conhecer das infrações cometidas por ou contra índios.” (3)

Há mais de dez anos tramita no Poder Legislativo o projeto de Lei nº 2.057 de 1991 (4), Estatuto das Sociedades Indígenas, onde a questão da competência é resolvida pelas disposições contidas no art. 9º, segundo o qual competirá aos juízes federais processar e julgar a disputa sobre direitos indígenas; os crimes praticados por índios ou contra índios, suas sociedades, suas terras e seus bens. Segundo o art. 1º, § 2º do aludido Projeto de Lei, cumpre à União proteger e promover os direitos indígenas definidos pela Constituição e regulados na lei. O Projeto de Lei nº 2.057 firma de forma inquestionável a competência da Justiça Federal para o deslinde de questões cíveis e criminais envolvendo índios.

Ocorre que ainda não ocorreu a aprovação do projeto de lei em referência, sendo que a competência para o julgamento de crimes praticados por índios não vem recebendo tratamento exegético uniforme nas instâncias superiores. Com efeito, no Superior Tribunal de Justiça o tema foi pacificado na Súmula nº 140: “Compete à Justiça comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima”. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal decidiu em sentido contrário ao sedimentado na Súmula 140/STJ, em julgamento realizado pela 2ª Turma, aos 4.4.1995 (5), fixando a competência da Justiça Federal em acórdão cuja ementa segue:

“HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. ÍNDIO. JUSTIÇA ESTADUAL: INCOMPETÊNCIA. ART. 109-XI DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

1. Caso em que se disputam direitos indígenas. Todos os direitos (a começar pelo direito à vida) que possa ter uma comunidade indígena ou um índio em particular estão sob a rubrica do inciso XI do artigo 109 da Constituição Federal.

2. Habeas Corpus concedido para que se desloque o feito para a Justiça Federal, competente para julgar o caso.”

No mesmo diapasão é o acórdão também proferido pela 2ª Turma da Suprema Corte no Recurso Extraordinário nº 192.473-0/RR, em julgamento levado a efeito aos 4.4.1997, assim ementado:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. HOMICÍDIO. CRIME PRATICADO CONTRA SILVÍCOLA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

1. A Constituição Federal, em seu art. 231, impõe à União o dever de preservar as populações indígenas, preservando, sem ordem de preferência, mas na realidade existencial do conjunto, sua cultura, sua terra, sua vida.

2. Sendo a vida do índio tutelada pela União, é competente a Justiça Federal para julgar o feito, não estando a Justiça Estadual, na presente ordem constitucional, legitimada a conhecer das infrações penais cometidas por ou contra silvícolas.

Recurso conhecido e provido.” (6)

Em ocasiões mais recentes, as 1ª e 2ª Turmas do Supremo Tribunal Federal não seguiram as orientações contidas nos precedentes antes citados (HC nº 75.404-0/DF, 2ª Turma, j. 27.6.1997, DJ 27.4.2001; RE nº 263.010-1/MS, 1ª Turma, j. 13.6.2000, DJ 10.11.2000; HC nº 80.496-9/MA, 1ª Turma, j. 12.12.2000, DJ 6.4.2001; HC nº 81.827-7/MT, 2ª Turma, j. 28.5.2002, DJ 23.8.2002). Nesses julgados foi decidido, em síntese, que os crimes praticados por indígena ou contra indígena, não configurando disputa sobre interesses indígenas e nem infrações praticadas em detrimento de bens e interesses da União ou suas autarquias ou empresas públicas, não estão inseridos na competência privativa da União Federal, somente ocorrendo o deslocamento à Justiça Federal quando a espécie versar sobre questões ligadas à cultura indígena e aos direitos sobre suas terras.

A ausência de consenso no seio do Supremo Tribunal Federal indica a imperiosidade de revisão da Súmula 140 do Superior Tribunal de Justiça. De fato, se a finalidade da súmula é pacificar o entendimento da jurisprudência, não havendo tratamento uniforme sobre o tema no seio da Corte guardiã da Constituição, não há lógica na prevalência do entendimento cristalizado na Súmula 140 do Superior Tribunal de Justiça, que em verdade encontra-se eivado do hoje superado ideal integracionista, valendo, nesse passo, consignar a seguinte advertência de Carlos Frederico Marés de Souza Filho:

“Os Tribunais Superiores, igualmente, julgam como se a lei dissesse o que não diz e, invariavelmente, analisam o grau de instrução do índio, quando o que deveria ser analisado, para a correta aplicação daquela norma penal, seria tão-somente se existe o grupo indígena ao qual aquele indivíduo diz pertencer, e se o grupo o reconhece e o identifica. Em outras palavras, a indagação deveria ser apenas se aquele indivíduo é índio, no conceito da lei.

Na raiz desta visão, que não consegue ler o que a lei diz, está a ideologia integracionista, à qual se filiaram sempre o Direito e o Estado brasileiros, como conseqüência direta do pensamento dominante. Exatamente por isso é tão difícil para comentaristas e juízes entenderem porque os índios devem ter regalias apenas porque são índios.” (7)

A assentar a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento de todas as ações cíveis e criminais envolvendo indígenas, vale lembrar as regras insertas na Convenção 169/OIT – Convenção Sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, aprovada com a edição do Decreto Legislativo nº 143 de 2002, e em plena vigência em vista da superveniência do Decreto nº 5.051, de 19.4.2004, que reafirma e promove maior eficácia a obrigações assumidas pelo Estado brasileiro por ocasião da adesão a normas protetoras de direitos humanos formadoras dos sistemas geral e específico.

Constituída por quarenta e três artigos distribuídos em dez seções, a Convenção 169/OIT possui a marca de estabelecer, em definitivo, que a diversidade étnico-cultural dos indígenas e seus povos tem que ser respeitada em todos seus aspectos, e de obrigar os governos a assumirem a responsabilidade de desenvolver ação coordenada e sistemática de proteção dos direitos dos povos indígenas, e garantia de respeito pela sua integralidade, com pleno gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais. Os arts. 8º, 9º, 10 e 12 da Convenção 169/OIT estabelecem:

“Artigo 8º

1. Ao aplicar a legislação nacional aos povos interessados deverão ser levados na devida consideração seus costumes ou seu direito consuetudinário.

2. Esses povos deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições próprias, desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos humanos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos. Sempre que for necessário, deverão ser estabelecidos procedimentos para se solucionar os conflitos que possam surgir na aplicação deste princípio.

3. A aplicação dos parágrafos 1 e 2 deste Artigo não deverá impedir que os membros desses povos exerçam os direitos reconhecidos para todos os cidadãos do país e assumam as obrigações correspondentes.

Artigo 9º

1. Na medida em que isso for compatível com o sistema jurídico nacional e com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, deverão ser respeitados os métodos aos quais os povos interessados recorrem tradicionalmente para a repressão dos delitos cometidos pelos seus membros.

2. As autoridades e os tribunais solicitados para se pronunciarem sobre questões penais deverão levar em conta os costumes dos povos mencionados a respeito do assunto.

Artigo 10

1. Quando sanções penais sejam impostas pela legislação geral a membros dos povos mencionados, deverão ser levadas em conta as suas características econômicas, sociais e culturais.

2. Dever-se-á dar preferência a tipos de punição outros que o encarceramento.

……………………………………..

Artigo 12

Os povos interessados deverão ter proteção contra a violação de seus direitos, e poder iniciar procedimentos legais, seja pessoalmente, seja mediante os seus organismos representativos, para assegurar o respeito efetivo desses direitos. Deverão ser adotadas medidas para garantir que os membros desses povos possam compreender e se fazer compreender em procedimentos legais, facilitando para eles, se for necessário, intérpretes ou outros meios eficazes.”

A Constituição e as normas protetoras de direitos humanos, entre elas a Convenção 169/OIT, protegem a vida dos índios. O art. 4º da Convenção 169/OIT determina a necessidade de adoção de medidas especiais necessárias para salvaguardar as pessoas, as instituições, os bens, as culturas e o meio ambiente dos povos indígenas. Para assegurar efetividade a esses preceitos, é necessário que em todos os crimes envolvendo índios, como autores ou vítimas, seja realizado estudo antropológico para apuração de o autor ou vítima realmente ser indígena, bem como dos reflexos do crime na comunidade em face de seus costumes e de seu direito consuetudinário.

Para tanto é imprescindível a atuação da FUNAI, órgão da União que tem entre suas finalidades garantir respeito à pessoa do índio e às instituições e comunidades tribais, e exercitar o poder de polícia nas áreas indígenas e nas matérias atinentes à proteção do índio (art. 2º, inciso II, alínea “a”, e inciso IX, Decreto nº 5371, de 5.12.1967), em todas os inquéritos policiais e/ou flagrantes deflagrados por ações praticadas por ou contra índios. Tal medida é imperiosa, tendo em vista a Constituição instituir o dever da União de tutelar a defesa dos direitos dos índios, entre os quais por certo em lugar de destaque estão o direito à vida e à liberdade (8).

Assim, sempre que houver crime em que figure indígena como autor ou vítima, será imprescindível a intervenção da União, por intermédio da FUNAI, cabendo a Polícia Federal, na dicção do art. 1º, inciso IV, alíneas “f” e “i”, do Decreto nº 73.332 de 1973, apurar a ação criminosa. Na forma da Súmula 150/STJ, competirá ao Juiz Federal, à luz das informações colhidas na instrução e, sobretudo, com atenção ao estudo antropológico elaborado pela FUNAI, ao preconizado pelo art. 231 da Lei Fundamental, e ao disciplinado no art. 1º, § 2º, da Convenção 169/OIT, decidir sobre a adequação da espécie a uma das hipóteses de competência contidas no art. 109, incisos I, III, IV e XI, da Constituição Federal.

A Súmula 140/STJ foi editada com base em julgados do Supremo Tribunal Federal proferidos antes da entrada em vigor da Convenção 169/OIT no âmbito nacional, não podendo desse modo subsistir uma vez que cosoante a lição de Roberto Rosas (9), a jurisprudência é a reiteração de casos análogos passados para o rol dos fatos consumados, que só podem, e digo eu, devem, ser revistos em virtude de motivos relevantes ou alterações das duas origens ou fontes emanadoras: a lei e a doutrina. Ao cuidar da Convenção 169/OIT, Dalmo de Abreu Dallari (10) observa:

“A nova Convenção representa evidente aperfeiçoamento das normas fixadas na anterior, incorporando preceitos constantes dos Pactos de Direitos Humanos aprovados pela ONU em 1966, bem como novas concepções resultantes das intensas pesquisas antropológicas e das profundas transformações das sociedades humanas, que valorizam extraordinariamente a dimensão humana do índio e, paradoxalmente, aumentaram as pressões das sociedades circundantes sobre as comunidades indígenas.

Um ponto inovador, de profunda significação foi o reconhecimento dos elementos culturais como essenciais na identificação do índio, na preservação de sua dignidade e até mesmo na garantia de sua sobrevivência. Ficou muito claro, na Convenção 169, que o índio, como ser humano, deve ter os mesmos direitos conferidos e assegurados a todos os demais indivíduos, sem qualquer discriminação. Foi enfatizada, também, a necessidade de proteger de modo especial os direitos dos índios e de suas comunidades, sem que para receber essa proteção o índio seja obrigado a abrir mão de direitos ou a se colocar como pessoa de qualidade inferior.

A rigor pode-se dizer que essa nova Convenção não criou direitos novos, mas sem dúvida tornou mais precisos os direitos anteriormente reconhecidos e foi mais minuciosa quanto à obrigações dos Estados em relação aos índios. Não há impropriedade em afirmar que a Convenção nº 169 representa para a Convenção nº 107 o mesmo que os Pactos de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, representam para a Declaração Universal de Direitos aprovada pela ONU em 1966. Não há mudança essencial, mas o novo tratamento dado aos direitos e suas garantias significa um passo importante no sentido da modernização e da efetividade.”

Considerando o fato de a Convenção 169/OIT representar, de acordo com o parcialmente transcrito ensinamento de Dalmo de Abreu Dallari, importante passo na evolução do tratamento das normas internacionais de direito público protetoras dos direitos humanos relacionadas aos índios, e levando em conta a inexistência de consenso no seio do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, não pode prevalecer o entendimento sedimentado na Súmula 140/STJ.

Como pondera Carlos Frederico Marés de Souza Filho (11), não basta apenas a existência de leis assegurando direitos aos índios. Há uma distância grande entre a decisão legislativa e a execução de políticas públicas, assim como a solução de conflitos no âmbito judicial. O Judiciário se cala ou simplesmente não é obedecido. A revisão da Súmula 140/STJ, por certo em muito diminuiria o vácuo hoje verificado entre as normas de regência (Constituição de 1988 e Convenção 169/OIT) e as soluções encontradas na esfera judicial, sobretudo no âmbito criminal.

Os indígenas têm direito à vida, e a viver segundo sua própria cultura, sendo impositiva a necessidade de reconhecimento de serem diferentes, de agirem de forma diferente da que vivemos, fruto da influência do colonizador europeu. A Convenção 169/OIT possui natureza de tratado de direitos humanos de alcance específico, portanto de aplicação imediata (art. 5º, § 1º, Constituição). A União tem o dever de preservar as populações indígenas, aí compreendidas sua cultura, suas terras, sua integridade física e moral, seus bens, enfim, sua vida (art. 231, Constituição).

É de interesse da União a construção de jurisprudência uniforme sobre direitos dos índios, aí incluídos o direito à vida e à liberdade. A Declaração sobre Raça e Preconceito Racial (UNESCO, 27.11.1978), preconiza que os povos têm o direito de ser diferentes, de se considerar diferentes e de serem vistos como tais. Para efetivo respeito ao direito à diferença que ampara os índios, para que haja tratamento harmônico e preciso quanto às normas protetoras dos índios, emerge impositiva a revisão da Súmula 140/STJ.

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Conclusões.

A finalidade da Súmula é pacificar o entendimento da jurisprudência, servindo para orientar toda a comunidade jurídica sobre determinada maneira de decidir. Por não haver tratamento uniforme no seio do Supremo Tribunal Federal quanto a competência para o julgamento de crimes praticados por ou contra índios, não há lógica na prevalência da orientação contida no enunciado da Súmula 140/STJ. A Súmula 140/STJ foi editada com base em julgamentos proferidos antes da entrada em vigor da Convenção 169/OIT no âmbito nacional. A Convenção 169/OIT reafirma e promove mais eficácia a obrigações assumidas pelo Estado brasileiro quando da adesão a outras normas protetoras de direitos humanos. O art. 231 da Constituição brasileira e a Convenção 169/OIT protegem a vida dos índios, aí incluídos a liberdade, os costumes, a integridade física e moral.

Interessa à União, sobretudo frente à comunidade internacional, a construção de jurisprudência uniforme sobre direitos dos índios. É de rigor a revisão da orientação sumulada quando da ocorrência de alterações de suas origens ou fontes. Emerge impositivo o reconhecimento de serem os índios diferentes, e de serem vistos e tratados como tais. Em razão da inexistência de consenso no Supremo Tribunal Federal, e em razão da entrada em vigor da Convenção 169/OIT no plano nacional, não deve prevalecer o entendimento da Súmula 140/STJ, devendo qualquer causa envolvendo indígenas ou suas comunidades ser processada e julgada pela Justiça Federal.

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Notas Bibliográficas

ANTUNES, Paulo de Bessa. Ação Civil Pública, Meio Ambiente e Terras Indígenas, Rio de Janeiro : Lúmen Júris, 1998.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Reconhecimento e proteção dos direitos dos índios. Revista Informação Legislativa, Brasília, a. 28, n. 111, julho/setembro 1991.

FONTELES, Claudio Lemos. Os Julgamentos de crimes cometidos contra comunidades indígenas pela Justiça Estadual. “Os Direitos Indígenas e a Constituição”, Juliana Santili [coord.]. Porto Alegre : Núcleo de Direitos Indígenas e Sergio Antonio Fabris Editor, 1993.

ISA – INSTITUTO SÓCIO AMBIENTAL. Constituição de 88. Disponível em: www.socioambiental.org/pib/portugues/direito/const.shtm, acesso em: 1 dez.2004.

ROSAS, Roberto. Direito Sumular. Revista Jurídica LEMI, n. 148, março 1980.

SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. O Direito Envergonhado: o Direito e os Índios no Brasil. “Índios no Brasil”, Luis Donisete Gupioni, [org.], São Paulo : Global Editora, 1998.

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Notas

“Constituição de 1988”, disponível em: (ISA – Instituto Sócio Ambiental), , acesso em: 6.8.2002.
“Ação Civil Pública, Meio Ambiente e Terras Indígenas”, Rio de Janeiro : Lúmen Júris, 1998, pp. 139-142. Além do princípio imbricado com o direito à diferença, o autor destaca os seguintes princípios que orientam o direito indigenista: reconhecimento dos direitos originários dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam e proteção de sua posse permanente em usufruto exclusivo para os índios; princípio da igualdade de direitos e da igual proteção legal.
“Os Julgamentos de crimes cometidos contra comunidades indígenas pela Justiça Estadual. Os Direitos Indígenas e a Constituição”, Juliana Santili [coord.]. Porto Alegre : Núcleo de Direitos Indígenas e Sergio Antonio Fabris Editor, 1993, p. 205.
Brasil, “Diário do Congresso Nacional” (Seção I), 9.11.1991, pp. 22.522-29.
HC nº 71.835-3/MS, DJ 22.11.1996.
RE nº 192.473-0/RR, DJ 29.8.1997.
O Direito Envergonhado: o Direito e os Índios no Brasil. “Índios no Brasil”, Luis Donisete Gupioni, [org.], São Paulo : Global Editora, 1998, pp. 165-166.
Nesse sentido é o voto proferido pelo Ministro José Arnaldo da Fonseca no conflito de competência nº 18.200/MG, DJU 22.9.1997, valendo registrar o seguinte excerto: “Sem sombra de dúvida, da conjugação dos art. 109, incs. IV e XI com os arts. 231 e 232, da atual Constituição Federal, ressai que a competência para processar e julgar causa (de natureza cível) e crime (matéria criminal), envolvendo ‘disputa sobre direitos indígenas’ é da Justiça Federal, porquanto se se reconhece aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e à União compete proteger e fazer respeitar todos os seus bens, nesses, incluem-se, por excelência, a vida, a integridade corpórea, a liberdade, a honra.”
“Direito Sumular”, em Revista Jurídica LEMI, nº 148, São Paulo, março de 1980, p.44.
Revista Informação Legislativa, Brasília, a 28, nº 111, julho-setembro de 1991, p. 318.
O Direito Envergonhado: o Direito dos Índios e os Índios no Brasil, “Índios no Brasil”, Luis Donisete Benzi Gupioni [coord.], São Paulo : Global Editora, 1998, p. 156.

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