INEXISTÊNCIA DE RESERVA CONSTITUCIONAL EM LEIS DE NATUREZA FINANCEIRA

A Constituição Federal de 1988 assim regula a reserva de iniciativa de leis em favor do Presidente da República: “Art. 61. …………………………. ………………………………….. § 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas; II – disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios; c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;” d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI; f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.” Vê-se, portanto, que a Carta Federal não deferiu com privatividade a iniciativa quanto a proposições que versem sobre matéria financeira no âmbito da União. A única exceção quanto à possibilidade de iniciativa parlamentar relativamente a esta matéria foi a estabelecida na alínea a do inciso II do § 1º do art. 61 da Carta Magna. Efetivamente, apenas restringiu-se a iniciativa parlamentar relativamente às leis que aumentem a remuneração dos cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica. De fato, a reserva de iniciativa em favor do Chefe do Poder Executivo pertinente ao processo de formação de leis reguladoras de matéria financeira não mais subsiste no ordenamento constitucional em vigor, em face de que a atual Carta Política não reproduziu a norma excepcional antes presente no art. 57, I, da Constituição Federal de 1969. Este posicionamento foi firmado pelo STF no julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 352/DF, cuja ementa, na parte que interessa, ficou assim redigida: “A Constituição Federal de 1988 não reproduziu em seu texto a norma contida no art. 57, I, da Carta Política de 1969, que atribuía ao Chefe do Poder Executivo da União a iniciativa de leis referentes à matéria financeira, o que impede, agora, vigente um novo ordenamento constitucional, a útil invocação da jurisprudência que se formou, anteriormente, no Supremo Tribunal Federal, no sentido de que tal constituía princípio de observância necessária, e de compulsória aplicação, pelas unidades federadas.” (STF, Tribunal Pleno, ADIMC nº 352/DF, rel. Min. Celso de Mello, pub. no DJ de 08.03.1991, p. 2.200) Posteriormente, confirmando este entendimento, o Min. Celso de Mello assim pontificou no voto condutor do julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 724/RS: “O direito constitucional positivo brasileiro consagrou, a partir da promulgação da Constituição de 1988, a regra de iniciativa comum ou concorrente em matéria financeira e tributária. A cláusula de reserva pertinente à instauração do processo legislativo em tema de direito financeiro e tributário, por iniciativa do Chefe do Poder Executivo, já não mais subsiste sob a égide da atual Carta Política, que deixou de reproduzir a norma excepcional prevista no art. 57, I, da Lei Fundamental de 1969. Neste sentido já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIn nº 352-DF, de que sou Relator, quando ficou consignado, ainda que em sede liminar, que ´A Constituição Federal de 1988 não reproduziu em seu texto a norma contida no art. 57, I, da Carta Política de 1969, que atribuía ao Chefe do Poder Executivo da União a iniciativa de leis referentes a matéria financeira, o que impede, agora, vigente um novo ordenamento constitucional, a útil invocação da jurisprudência que se formou, anteriormente, no Supremo Tribunal Federal, no sentido de que tal constituía princípio de observância necessária, e de compulsória aplicação, pelas unidades federadas.´” Desta forma, salvo a exceção acima referida, a iniciativa parlamentar é amplamente admitida para regular questões que envolvam matéria financeira, vez que a Carta Magna não impôs qualquer outra restrição a respeito. E como brilhantemente ressaltou o Min. Celso de Mello no seu voto condutor proferido na ADIMC nº 724/RS: “A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que, por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo, deve necessariamente derivar de norma explícita e inequívoca.” Conforme reiteradamente tem decidido o Supremo Tribunal Federal, são de observância compulsória pelos Estados as regras básicas do processo legislativo federal, inclusive as que tratam da reserva de iniciativa de leis em favor do Presidente da República, por sua implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes. Neste sentido, por exemplo, as seguintes decisões da Corte Suprema: “I. Processo legislativo da União: observância compulsória pelos Estados de seus princípios básicos, por sua implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes: jurisprudência do Supremo Tribunal. II. Processo legislativo: emenda de origem parlamentar a projeto de iniciativa reservada a outro Poder: inconstitucionalidade, quando da alteração resulte aumento da despesa conseqüente ao projeto inicial: precedentes. III. Vinculação de vencimentos: inconstitucionalidade (CF, art. 37, XIII): descabimento da ressalva, em ação direta, da validade da equiparação entre Delegados de Polícia e Procuradores do Estado, se revogado pela EC 19/98 o primitivo art. 241 CF, que a legitimava, devendo eventuais efeitos concretos da norma de paridade questionada, no período em que validamente vigorou serem demandados em concreto pelos interessados.” (STF, Tribunal Pleno, ADIn nº 774/RS, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, pub. no DJ de 26.02.1999, p. 1) “Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei nº 9.868, de 28/04/93, do Estado do Rio Grande do Sul. Lei de iniciativa parlamentar versando sobre servidores públicos, regime jurídico e aposentadoria. Impossibilidade. Artigos 2º, 25, caput e 61, § 1º, II, c da Constituição Federal. Firmou a jurisprudência deste Supremo Tribunal o entendimento no sentido de serem de “observância compulsória pelos Estados as regras básicas do processo legislativo federal, por sua implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes” (ADI nº 774, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, D.J. 26.02.99), incluindo-se as regras de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo na elaboração de leis que disponham sobre remuneração dos servidores, seu regime jurídico único e sua aposentadoria. Precedentes: ADI nº 2.115, Rel. Min. Ilmar Galvão e ADI nº 700, Rel. Min. Maurício Corrêa. Existência, ainda, de vício material, ao estender a lei impugnada a fruição de direitos estatutários aos servidores celetistas do Estado, ofendendo, assim, o princípio da isonomia e o da exigência do concurso público para o provimento de cargos e empregos públicos, previstos, respectivamente, nos arts. 5º, caput e 37, II da Constituição. Ação direta a que se julga procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 9.868, de 28/04/93, do Estado do Rio Grande do Sul.” (STF, Tribunal Pleno, ADIn nº 872/RS, rel. Min. ELLEN GRACIE, pub. no DJ de 11.10.2002, p. 23) “Processo legislativo: reserva de iniciativa ao Poder Executivo (CF, art. 61, § 1º, e): regra de absorção compulsória pelos Estados-membros, violada por lei local de iniciativa parlamentar que criou órgão da administ
ração pública (Conselho de Transporte da Região Metropolitana de São Paulo – CTM): inconstitucionalidade.” (STF, Tribunal Pleno, ADIn nº 1391/SP, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, pub. no DJ de 07.06.2002, p. 81) A Constituição do Estado de Pernambuco, por exemplo, afastando-se do parâmetro de observância compulsória – § 1º do art. 61 da CF/88 – , assim tratou da cláusula de reserva de iniciativa: “Art. 19. …………………………. ………………………………….. § 1º É da competência privativa do Governador a iniciativa das leis que disponham sobre: ………………………………….. II – criação e extinção de cargos, funções, empregos públicos na administração direta, autárquica e fundacional, ou aumento de despesa Pública, no âmbito do Poder Executivo;” Como se pode observar, a Carta Estadual reservou ao Governador do Estado a iniciativa de leis que disponham sobre aumento da despesa pública no âmbito do Poder Executivo. Assim agindo, o Constituinte Estadual não observou a necessária simetria com o § 1º do art. 61 da Constituição Federal, incidindo em vício de inconstitucionalidade – violação ao princípio constitucional da separação e independência dos Poderes (art. 2º da CF/88) -, na exata medida em que retirou do Poder Legislativo a possibilidade de iniciar o processo legislativo para regular questões que envolvam matéria financeira (aumento da despesa pública).

Dados do Autor: Nome: Paulo Roberto Fernandes Pinto Júnior E-mail / Home-page pessoal: paulofpinto@uol.com.br Qualificações: Advogado atuante; Procurador da Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco; Assessor da Comissão de Constituição, Legislação e Justiça da Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco; ex-Procurador do Banco Central do Brasil Endereço: Av. Min. Marcos Freire, 4287, apto. 702, Casa Caiada, Olinda – PE Telefone para contato: (81) 3491.7911/3445.5100/9601.7495

Autor: Paulo Roberto Fernandes Pinto Junior

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