Instituto moderno, cada vez mais comentado, é a infidelidade ou adultério virtual, no qual a pessoa casada ou em união estável passa a ter as mais diferentes experiências sexuais, via internet ou intranet, com pessoa diversa do cônjuge ou companheiro.
Na prática, tudo começa com o mero contato em sala de bate-papo virtual e se transforma, muitas vezes, em um relacionamento sério e duradouro, podendo comprometer o casamento ou a união estável. Em outros casos, torna-se um encontro casual e irresponsável. Interessante notarmos o estudo feito por uma universidade da Flórida o qual concluiu que, nos Estados Unidos, 83% (oitenta e três por cento) das pessoas casadas as quais tiveram um romance virtual não o consideraram infidelidade, porém, a mesma pesquisa revelou que 30% (trinta por cento) dos relacionamentos virtuais transformaram-se em realidade, de forma que 3 em cada 10 pessoas não se conformaram em manter apenas um caso virtual[1].
Os romances virtuais, sob a ótica civil, já eram tratados pela doutrina sob a figura do “quase-adultério”, isto é, qualquer forma de relacionamento que não chega à prática sexual propriamente dita; é possível, porém, que o romance virtual evolua para a prática sexual. Isso porque, a partir do genital drive, um aparelho de informática anatômico que reproduz uma vagina ou um pênis, pode-se gerar uma interação entre dois “internautas”, simulando contrações e movimentos. Conforme esclarece sérgio inácio sirino[2], este novo hardware pode ligar pessoas a qualquer distância e com visualização recíproca e sonoridade real, fazendo com que as relações sexuais sejam autênticas e quase carnais, gerando, para o autor, adultério nos moldes do art. 240 do Código Penal brasileiro.
Sem entrarmos no aspecto penal, observando apenas o caso sob a ótica civil, é necessário tecermos algumas considerações.
Felizmente, ao elencar as obrigações do casamento, foi bem abrangente o legislador no disposto no art. 1.566 do Código Civil. No inc. I, foi apresentada como dever de ambos os cônjuges a fidelidade recíproca. O bem jurídico aqui resguardado é o da presunção pater is, ou seja, visa a evitar prole insegura quanto à paternidade. Sendo esse o bem jurídico a ser tutelado, nenhuma hipótese de “namoro virtual”, por mais engenhosa que seja e por mais que confira prazer às partes, pode ferir o referido bem jurídico, não configurando, em nenhum caso, possibilidade de procriação via internet. Dessa forma, a infidelidade virtual, por mais gravosa que seja, não pode ensejar prole estranha no seio da família, não configurando, assim, a quebra do dever do art. 1.566, I, do Código Civil. O namoro virtual, porém, sem dúvida, é a quebra da obrigação do art. 1.566, V, do Código Civil, ou seja, é a falta de respeito e consideração com o outro cônjuge ou companheiro(a). Nessa linha de raciocínio, uma pessoa casada que freqüente chats sensuais ou mesmo de bate-papo com conotação sexual está praticando uma grave violação de um dever do casamento, ainda que seu microcomputador não seja dotado do genital drive ou de qualquer outro software apto a gerar prazer sexual virtual.
A quebra do respeito e consideração provocada pelo cônjuge que se mantém em sala de bate-papo sexual ou em qualquer chat pornográfico gera possibilidade de o cônjuge inocente, por força do art. 1.572, caput, do Código Civil, processar e gerar condenação do outro por grave violação do dever de respeito, inclusive pela prática de uma conduta absolutamente desonrosa citada no art. 1.573, VI, do Código Civil.
É de se notar, portanto, que as novas tecnologias dão margem, mesmo com vários benefícios, a uma série de condutas ilícitas e violadoras de obrigações conjugais que podem gerar graves efeitos jurídicos.
Como conseqüência do namoro virtual, pode o cônjuge culpado perder a guarda do filho, caso o juiz entenda que sua conduta colocará em risco o desenvolvimento da criança (art. 1.584 do Código Civil), gerando ainda para o cônjuge culpado, se o outro necessitar (art. 1.702 do Código Civil), a obrigação de fornecer pensão alimentícia, podendo ter, como última conseqüência, a perda do nome obtido com o casamento, se ele for declarado culpado, e, ainda, se o outro inocente assim o requerer (art. 1.578 do Código Civil).
É necessário observar que uma mera brincadeira pode trazer danos terríveis para a família e para a própria sociedade, de forma que o uso do computador deve ser feito de maneira responsável e adequada às necessidades de cada um, utilizando-o de modo cuidadoso e diligente, a fim de que ele não se torne um “inimigo virtual” no lar.
[1] NAMORO na internet. Jornal da Globo, Rio de Janeiro, 10 ago. 2004. Disponível em:
[2] ADULTÉRIO: consumação do crime pela internet. Possibilidade. Disponível em:
* Vitor F. Kümpel
Professor de Hermenêutica da Faculdade de Direito do Prof. Damásio de Jesus (FDDJ)