É preocupante o momento vivido por nossa sociedade.
Quando se lembra de tempos de luta pela redemocratização do País, inevitável surgir no peito um sentimento nostálgico e passional. Tempos que influenciaram diretamente a formação profissional e política de inúmeros estudantes que hoje atuam na sociedade, sobretudo os advogados.
Contudo, apesar de imperdoável a ditadura, aqueles tempos permitiam a identificação do adversário de maneira mais concreta, eis que havia os defensores do regime, a maioria munida da farda e da caneta do Estado, e os opositores, armados com a bandeira da democracia e do sonho do Estado democrático de direito.
Deixando o saudosismo lírico que costuma acobertar narrativas daqueles tempos, que conheço, é bom que se diga, apenas de ouvir dizer, a realidade que se apresenta tem componentes extremamente perigosos para a liberdade e para a garantia dos direitos dos cidadãos, eis que os interesses escusos que antes se apresentavam de forma ostensiva na farda, hoje se escondem sob a mansa sombra do “processo democrático”.
Em tempos em que já se fala de Estado Constitucional de Direito, não é difícil notar que a democracia vem sendo utilizada como pano de fundo para uma verdadeira manobra de massas, através do dinamismo da informação e da massificação de conceitos pré-concebidos.
De tudo isso, pode-se apontar como relevante a crescente identificação do advogado com algumas condutas imorais e repreensíveis de nossa sociedade, imputando vícios sociais que, ao desavisado, “fariam parte do perfil deste profissional”, como sugerem os casos Suzane Von Richtofen. e da CPI/PCC.
Longe de usar este precioso espaço para a defesa corporativa dos advogados, preocupa-me a destruição, aos poucos, de um direito que se formou ao longo de séculos e que foi conquistado sob o escorrimento de sangue dos inúmeros defensores da liberdade humana.
O exercício da advocacia, por isso mesmo, confunde-se com o próprio exercício da liberdade, porque é através dela que o cidadão exerce seu sagrado e constitucional direito de defesa. Em nada se ajunta ao cometimento de ilicitudes ou ilegalidades por qualquer pessoa.
Pior ainda, é quando se observa a segregação social havida entre os operadores do direito, que, às vezes, coloca em posições antagônicas e adversas magistrados e promotores de justiça em relação aos advogados. Ora, todos são integrantes do sistema de justiça deste País, a ponto de ver garantido no art. 133 da Constituição Federal que o “advogado é indispensável à administração da justiça”.
Assim, considerando que o MP e o Judiciário são integrantes da estrutura pública, o que lhes garante o respeito devido ao próprio Estado, resta compreender que a defesa da advocacia, antes do interesse pessoal do advogado, é indispensável à liberdade da sociedade.
De tal arte, quando virtudes tão valorosas parecem escassas no cenário público brasileiro, não é demais lembrar que foi calando a defesa que se aprisionou o conhecimento. Foi “emudecendo” os defensores que se condenou inocentes. Por meio de processos sumários (sem advogados) que se lançou mulheres, artistas e pensadores às fogueiras.
Por fim, não é porque não existe um regime ditatorial expresso que não existe uma luta a ser travada. Ela existe e é silenciosa.
Alexandre Bastos, Advogado