Autor: André Luis Melo (*)
O processo penal na Itália vem passando por constantes alterações desde a década de 90. Portanto, seguindo esta tendência em junho de 2015 entrou em vigor a nova redação do artigo 131, bis, do Código Penal Italiano, no qual crimes com pena máxima de até cinco anos, e desde que não haja relevante consequência, nem seja o autor do fato um a pessoal habitualmente envolvida em crimes, poderá o Ministério Público, fundamentadamente, promover o arquivamento das Diligências Preliminares, pois lá quem conduz o a investigação é o Ministério Público, auxiliado pela polícia. Ou seja, é o Ministério Público quem autoriza o início da investigação e define as prioridades.
No texto legal consta expressamente que é caso de não punibilidade. Mas, se arquivar, deverá intimar a vítima, a qual tem o prazo de 10 dias para discordar do arquivamento e pedir a continuidade do processo.
A alteração do artigo 131, bis, do Código Penal Italiano tem gerado críticas em alguns setores da advocacia, pois alegam que irá gerar a insegurança (discurso que geralmente acusam o Estado no Direito Penal do Inimigo, mas que inverteram neste momento). (leia aqui)
Alegam que a alteração viola o artigo 102 da Constituição Italiana, no qual está previsto expressamente que a ação penal é obrigatória. Contudo, setores da magistratura reagem e sustentam que não está havendo violação à Constituição, pois é caso de não punibilidade e não de oportunidade de ação penal.
De fato, o que parece preocupar a defesa é a significativa redução de processos penais, e consequentemente, do seu mercado de trabalho, embora publicamente digam outros motivos. Afinal, haverá menos réus e menos processos..
O processo penal italiano ainda é considerado um dos mais lentos da Europa e farto em prescrição, pois não há suspensão da prescrição após a prolação da sentença. Porém, mesmo assim, a partir da década de 90 vem sofrendo permanente melhorias e já está bem melhor que o brasileiro.
A partir da década de 90 o processo penal italiano passou a ser um processo penal de partes, em que o Ministério Público controla e é responsável pela acusação. A polícia não faz pedidos judiciais e o MP já não senta mais ao lado do juiz. Embora, sejam a mesma carreira, o mesmo concurso e até possam mudar do cargo de magistrado Judicial para magistrado do MP, mas desde que em comarca diferente.
Dessa forma, o MP apenas precisa de autorização judicial para escuta telefônica, quebra de sigilo telemático e infiltração. Nos demais casos, inclusive em sigilo bancário, requisita diretamente. Pode até expedir mandado de prisão por alguns dias, mas tem que pedir validação judicial posteriormente.
No cotidiano usam três ritos processuais mais comumente:: diretíssimo, o rito abreviado e o comum.
No rito diretíssimo o Ministério Público (magistrado do Ministério Público ou procurador da República) pede julgamento antecipado quando o autor do ato criminoso é preso em flagrante. Neste caso, o Ministério Público dispensa a investigação e pede instrução oral e já oferece a acusação. No Brasil, a criatividade da defesa quer a audiência de custódia, mas depois tudo que se produziu é jogado fora e inicia tudo novamente.
Já no rito abreviado é a defesa que o pede, e consiste na situação de o réu confessar no início do processo pedir ao magistrado Judicial a dispensa de provas e que seja julgado com redução da pena em 1/3. O juiz pode rejeitar o pedido e, neste caso, despreza a confissão. O objetivo é agilizar o processo, logo não é direito subjetivo do acusado.
Já no rito comum como peculiaridade podemos citar que o interrogatório do acusado é feito no meio da instrução, entre a oitiva das testemunhas da acusação e da defesa. O promotor pode fazer propostas de acordo conhecidas como “pattegiamento”. Em geral, prevalece a oralidade e os processos são mais rápidos que no Brasil.
Em recente palestra para brasileiros, em outubro de 2015, Ferrajoli, na Universidade Tor Vergata, em Roma, lecionou, em apertada síntese, que:
“….Deve prevalecer a obrigatoriedade da ação penal e processar todos; que os acordos penais violam a garantia do acusado ao processo; que a prescrição é natural; que escreveu sobre Ministério Público da Defesa (Defensoria), mas não aprofundou sobre o tema e não o conhece bem, pois na Europa não adotarão tal modelo tão cedo; Que as penas devem ser pequenas, mas cumpridas em sua integralidade; Que na execução penal o apenado já não é inocente mais, logo as regras processuais são outras e mais rígidas. Também é contra o princípio da insignificância”
Ferrajoli ainda é uma referência na Itália jurídica, mas não tanto como no Brasil. Com a demanda da sociedade por um direito penal que combata máfia, terrorismo e outros crimes com maior rigor, os seus ensinamentos de garantismo (fortemente alicerçados em uma visão de esquerda e de que crime é predominantemente por causa da desigualdade social), têm perdido força na Itália, embora ainda seja forte na América Latina, em razão de países e juristas com ideologia de esquerda.
Por trás do discurso de “garantias constitucionais” e dos dez axiomas, o que é todos nós defendemos, logo não é novidade, há um discurso de esquerda que coloca o criminoso como vítima da sociedade, a qual é considerada pela esquerda como responsável pelo Fato criminoso. Esta posição é melhor esclarecida pelo Gilberto Callado, na obra A Barbárie e a Face Oculta do Garantismo”. O professor Ferrajoli é um juiz aposentado, sempre foi de esquerda, e leciona na Universidade Estadual de Roma 3.
A proposta do Ferrajoli provoca regozijo no mercado da defesa, ou seja, processar todo mundo, sem acordos penais, e com alto índice de prescrições. Ou seja, processo penal sem efetividade, mas movimentando o mercado. Também não explicou bem na palestra como o Estado opressor, o qual oprime os acusados na sua concepção, também pode controlar a acusação e a defesa estatal.
Na execução penal italiana não vigora a frouxidão como no Brasil, pois aqui isto desmoraliza o direito penal e aumenta o número de prisões. Lá, não existe direito de visita intima sexual (em nenhum país europeu existe). E quanto às visitas de familiares são apenas feitas com separação de vidro e contato por interfone, ou seja, não fazem piqueniques como Brasil (aqui familiares passam todo um dia inteiro no final de semana bebendo, e comendo com o preso, bem como brincando e conversando).
Já com relação às presas gestantes adotaram um sistema bem mais inteligente e mais barato que o brasileiro, ou seja, simplesmente suspendem a execução penal durante o período de aleitamento e depois a presa retorna para a prisão. No Brasil, querem criar um sistema de hospital maternidade dentro do presídio.
Presos que recebem salário têm parte do mesmo descontada para pagar despesas no presídio.
O modelo de investigação é bem mais avançado que no Brasil e todos os órgãos investigativos criticam, educadamente, a falta de integração de dados no Brasil.
Na Itália ainda prevalece a visão esquerdista de achar que crime é fato jurídico (criminoso cometeu o crime por pressão externa), em vez de considerar como ato jurídico (livre arbítrio).
Na Itália, e na Europa em geral, já abandonaram os juizados de instrução e criaram as Procuradorias de Instrução. Aqui no Brasil, queremos criar os Juizados de Instrução, o que já foi abandonado nos países mais desenvolvidos.
Um dado importante é que visitando uma comarca perto de Roma e com aproximadamente 600 mil habitantes foi dito que um juiz tem apenas 800 processos no acervo, e isto já leva alguns a concluírem erradamente de que temos poucos juízes no Brasil. Mas, isto decorre do desejo de se criar mais cargos públicos no Brasil.
Nesta comarca italiana há apenas 17 juízes de carreira para 600 mil habitantes e lá julgam crimes, civil e trabalhistas, tudo em um único prédio e um único tribunal para recurso.
Para comprovar o absurdo do excesso de gastos com sistema jurídico no Brasil cito que em uma cidade mineira há 28 juízes estaduais, 10 federais e 8 trabalhistas, em prédios diferentes e com quatro tribunais diferentes (incluindo o Militar). E cada vara tem uma média de 4 mil processos. Além disso, tem despesas com os prédios do Ministério Público e com a estrutura administrativa.
Na Itália não há nem discussão sobre processo eletrônico, apenas os andamentos processuais estão na internet.
Na Itália o Ministério Público fica em um prédio separado, mas é apenas um MP único, e a administração do MP e do Judiciário é conjunta. Os concursos são realizados a cada três anos e há necessidade de frequentar uma escola de magistratura, sendo possível até mudar da função Judicial para a ministerial ( e vice-versa), desde que não seja na mesma comarca, o que tem sido restringido nos últimos tempos, mas ainda é possível. Apenas existe sistema jurídico federal, apesar de haver províncias.
Os magistrados italianos aposentam com 40 anos de serviço, mas o computam o tempo de faculdade (cinco anos). E não há diferença de idade entre magistrados e magistradas para aposentar. Aliás, o Brasil é o único país do mundo com este diferenciação, além de dois países árabes.
Na comarca italiana há também 7 juízes leigos que trabalham com os 17 juízes togados nos julgamentos, além dos juízes de paz que são os responsáveis pelos juizados especiais, os quais julgam até furtos.
Além disso, em alguns casos o próprio Ministério Público pode fazer a citação do acusado.
Outro dado importante é que a justiça gratuita não é banalizada como é no Brasil.
Em suma, na Itália há filtros para evitar o excesso de processos. No Brasil o lobby é para aumentar o número de processos e de cargos, e assim aumentar o mercado jurídico.
Ressalta-se ainda que enquanto, no Brasil ocorreram 53 mil assassinatos em 2014 para uma população de 200 milhões de habitantes, lá ocorreram 550 homicídios para uma população de 80 milhões de habitantes. Na Itália o réu aguarda o trânsito em julgado em liberdade, mas não são 40 recursos como é no Brasil.
Na Itália, ainda prevalece o sistema vicariante, ou seja, o Juiz pode aplicar a pena e cumular com medida de segurança, estas muitas vezes são mais eficientes que a pena em si.
Pelo que pude observar, copiamos o a legislação penal italiana da década de 40, Código de Rocco, mas não fizemos a atualização, ou seja, ficamos com o que havia de ruim no sistema italiano, mas não copiamos o que há atualmente de bom, e isto parece que é intencional.
Autor: André Luis Melo é promotor de Justiça, mestre em Direito Público pela Unifran e doutorando pela PUC-SP