Teóricos do direito costumam relacionar o constitucional princípio da segurança jurídica a outros princípios como o da irretroatividade da lei, coisa julgada, respeito aos direitos adquiridos e ao ato jurídico perfeito, outorga de ampla defesa e contraditório aos acusados em geral, ficção do conhecimento obrigatório da lei, prévia lei para a configuração de crimes, transgressões e cominação de penas, declarações de direitos e garantias individuais, justiça social, devido processo legal, independência do Poder Judiciário, vedação de tribunais de exceção, de julgamentos parciais e demais prescrições de cunho estritamente legal.
No entanto, se de um lado é certo que o país vem caminhando, ainda que tardiamente, rumo às instituições de direito e democracia sólidas, flagrante é que a atual conjuntura brasileira não nos permite afirmar que o princípio da segurança jurídica seja aplicado em sua plenitude. Diversas são as falhas estruturais que nos levam a tal afirmativa. Sobre elas passaremos a discorrer, sucintamente, nos parágrafos seguintes.
Iniciemos pelos excessos existentes na legislação processual. Em um sistema lógico e equilibrado, o rito processual, como o nome está a nos indicar, nada mais deveria ser senão um caminho, um instrumento acessório que levaria qualquer cidadão à defesa de seus direitos.
Contudo, todo aquele que necessitar do Judiciário logo constatará que o processo e seus recursos intermináveis por vezes transmutam-se em questão central da lide, afastando do prisma do magistrado o principal, a pretensão da parte. Há que se admitir que caminhos decisivos estão sendo tomados para minimizar os efeitos da letargia processual.
Entretanto, nossa legislação ainda terá de atentar para estreita ligação entre a celeridade processual e a efetiva consagração da justiça. Não se pode tolerar, por exemplo, que o poder público tenha de recorrer, ainda que evidente sua derrota, por imposição da lei.
Se a Constituição consagra como dever da administração pública a eficiência e impõe ao Estado julgamentos céleres, infelizmente não prevê a regulamentação de mecanismos realmente capazes de coibir o descumprimento de tais preceitos.
Ademais, após anos de omissão e relativa relutância de setores do Judiciário no emprego da arbitragem, finalmente ela começa a integrar a cultura jurídica nacional. Tal instrumento, além de permitir julgamentos realizados por árbitros especializados em questões específicas, muitas vezes ignoradas pelo juiz de primeira instância, verdadeiro generalista, permite maior celeridade e afasta a publicidade da lide, virtudes raras vezes encontradas na esfera judicial.
Porém resta constatar que a cultura da arbitragem ainda encontra-se longe da verificada em países europeus e asiáticos, sendo isto fator decisivo para o clima de insegurança jurídica.
Se analisado o trabalho desenvolvido no Legislativo, constataremos a clara ausência de metas, de planejamento capaz de estruturar o país para um desenvolvimento perene. Isto afirmamos, pois padecemos de marcos regulatórios indispensáveis para o efetivo investimento em diversas frentes, dentre elas a infra-estrutura. A lentidão e o desgaste decorrentes da regulamentação dos transgênicos são outros contundentes exemplos da omissão legislativa.
Se por vezes o Congresso peca pela omissão, em outras peca pelo excesso. No louvável intuito de preservar o meio ambiente e garantir um desenvolvimento sustentável para as gerações futuras foram criadas leis burocráticas que outorgam competência fiscalizadora para os mais diversos órgãos, fato que trava importantes investimentos em áreas estratégicas.
A Justiça do Trabalho, por vezes limitada a espectadora de acordos, ainda é mantida prisioneira de uma legislação paternalista que corriqueiramente inviabiliza a manutenção de qualquer relação de emprego.
Contribui, ainda, para a insegurança jurídica, a notória corrupção instalada nas mais diversas searas e a não menos constante impunidade dos corruptores.
Já a burocracia, enquanto instrumento de desvio da natureza de atos normais, não precisa de lógica e necessidade para existir. Ao inverso, ela prescinde de inteligência. Por meio dela, cada ato se justifica por si mesmo, independentemente da finalidade do processo.
Daí os inesgotáveis reconhecimentos de firma, as autenticações de documentos, as comprovações de pagamentos de custas e de depósitos recursais, os famosos carimbos colocados nas folhas com expressões as mais desnecessárias.
São esses alguns exemplos das muitas inutilidades que emperram o regular desenvolvimento dos processos, impedindo, quase sempre, a realização da justiça.
Sobre o tema burocracia, o Código Civil esforça-se timidamente para reduzir o número de autenticações e reconhecimentos de firma, fonte de renda de tantos setores adaptados a ela. A Justiça Federal, em sentido nitidamente inverso, exige um sem fim de carimbos e atestações que podem até mesmo inviabilizar o acesso à Justiça em tempo hábil.
Aludidos entraves ao princípio da segurança jurídica são flagrantes obstáculos ao crescimento, ao empreendedorismo e, sobretudo, ao indispensável acesso à Justiça. Vale frisar, mais que anseio dos cidadãos e também do empresariado, a segurança jurídica é um dos pilares da democracia e da paz social.
Por fim, para minimizar os riscos acima transcritos e otimizar oportunidades, é dever da advocacia atuar sobretudo com medidas de cunho preventivo, indicando sempre estratégias menos temerosas e buscando afastar de modo eficiente a insegurança jurídica que ainda perdura neste país.
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Leandro Pesoti Netto é advogado e especialista em direito internacional privado pela Université Paris II
Marcela Massari é advogada, graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie