Assim como a Alemanha e a França tiveram papel fundamental no processo de integração européia, o Brasil é líder nato no processo de integração latino-americana, bem como no Mercosul. Tanto é assim, que a nossa Constituição Federal, no parágrafo único do art. 4º, prevê que o Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
Por outro lado, é de conhecimento comum que os Estados Unidos há anos pressionam os países latino-americanos, principalmente, os que compõem Mercosul (criado em 1991 através do Tratado de Assunção) para a formação de um bloco econômico único que integraria todo o continente americano, a chamada ALCA.
Embora as tentativas diplomáticas, nas várias reuniões de cúpula das Américas já ocorridas, até o presente momento não tenham avançado positivamente para a criação de um bloco econômico de integração do continente americano, frustrando assim as perspectivas Norte-Americanas, não podemos nos furtar ao fato de que o processo de integração econômica, política, social e cultural das nações latino-americanas e o próprio sucesso do Mercosul são realidades cada vez mais distantes.
Prova inequívoca do distanciamento da viabilidade de uma integração latino-americana e, mais precisamente, sul-americana, foi a decisão tomada pelo governo boliviano de Evo Moralles, de nacionalizar as reservas de gás e petróleo bolivianos e romper todos os contratos firmados com as empresas petrolíferas estrangeiras, incluindo-se aqui a nossa Petrobras.
A decisão do governo de La Paz, além de trazer prejuízos de milhões de reais à Petrobrás, criou um clima de apreensão na economia brasileira, principalmente, na área das indústrias de transformação. Não nos esqueçamos, contudo, que a decisão de nacionalizar as reservas de gás e petróleo da Bolívia é o segundo incidente em menos de um mês envolvendo Brasil e Bolívia, visto que há algumas semanas o governo boliviano suspendeu as obras e confiscou bens de uma siderúrgica brasileira que seria instalada na cidade boliviana de Porto Quijarro, localizada nas proximidades da fronteira brasileira de Corumbá. É de se lembrar também que além das decisões do Presidente Evo Moralles afetarem a economia brasileira, repercutem negativamente em nosso Estado, para completar a onda de “azar econômico” que estamos a atravessar com as crises da Aftosa e com o preço internacional dos grãos em geral e da soja em particular; isso porque o gasoduto vindo da Bolívia atravessa Mato Grosso do Sul e a siderúrgica implantada na Bolívia junto à fronteira geraria empregos para cidadãos brasileiros e fomentaria a economia do Estado.
O impasse estabelecido entre Brasília e La Paz sofreu outro golpe, quando na última quarta-feira (03.05) o Presidente Venezuelano Hugo Chávez, num ato totalmente populista, externou apoio incondicional à decisão boliviana de nacionalizar as reservas de gás e petróleo daquele país, produzindo a imagem de que o inconformismo brasileiro com o ato de Evo Moralles deve ser visto como um ato de imperialismo do governo brasileiro, devido a sua posição econômica e política na América do Sul.
Se por um lado, aos tomarem medidas populistas, tanto os Presidentes Boliviano Evo Moralles quanto o Venezuelano Hugo Chávez causam prejuízos à economia brasileira, estremecendo as relações internacionais entre esses países, por outro o governo Norte-Americano, aproveitando-se do impasse sul-americano, declarou que o governo brasileiro tem o dever de tomar medidas austeras contra o governo boliviano para o que classificou com ato de totalitarismo.
Embora o Presidente Lula tenha declarado que foi um erro estratégico não ter previsto que o Governo Boliviano iria nacionalizar as suas reservas de gás e petróleo é indiscutível que o governo brasileiro deve procurar diplomaticamente resolver a crise internacional instaurada com o país vizinho, nos expressos termos do que determina nossa Constituição (art. 4º, inciso VII), evitando assim ao máximo tomar qualquer medida austera contra a Bolívia, como sugerido pela Casa Branca; isso porque, ao nos espelharmos no exemplo dos Estados Unidos podemos perceber que as medidas austeras tomadas nos últimos anos pelo Governo de Washington acarretaram a perda de milhares de vidas de cidadãos norte-americanos e prejuízos de bilhões de dólares, com ações militares, para além de fomentar o ódio incontestado de fundamentalistas religiosos e uma certa antipatia pela Comunidade Internacional, restando como último refúgio ao governo Norte-Americano ser a maior potência econômica mundial.
A pergunta reflexiva que se faz é quem seria privilegiado com o agravamento de uma crise internacional entre os países da América do Sul? É sabido que alguns governos populistas sul-americanos querem um lugar de destaque no processo de integração latino-americana, mais principalmente sul-americana, o que obrigatoriamente excluiria o Brasil de ocupar o lugar de maior destaque nesses processos, mas é preciso que nos lembremos também que quanto mais nos afastamos de um efetivo processo de integração econômica, política, social e cultural latino-americano, mais nos aproximamos das pretenções Norte-Americanas da ALCA.
O impasse Brasil-Bolívia não deve gerar um ambiente fértil para que interesses econômicos de outros países se sobreponham aos reais problemas que estão em jogo e devem ser solucionados.
OMAR KADRI, Advogado, mestre e doutorando em direito constitucional pela Universidade de Coimbra