Interesse público justifica divulgação não-autorizada

De: Carlos Alberto Bittar Filho*

O desenvolvimento da mídia, na esteira do avanço das tecnologias de informação, é um dos fenômenos mais típicos de nossa realidade atual. E uma das mais características manifestações da mídia é aquilo que se convencionou denominar “indústria da fama”. Ela é baseada na utilização econômica dos mais variados produtos e serviços vinculados às celebridades.

Estima-se que, no Brasil, apenas o comércio de produtos com a imagem de celebridades ou personagens movimenta 1 bilhão de reais por ano. Por outro lado, o valor da celebridade é diretamente proporcional aos seus índices de audiência (a respeito do assunto, a reportagem A Indústria da Fama, por Sérgio Teixeira Jr., em revista Exame – Negócios, São Paulo, Ed. Abril, edição 8, ano 2, nº 5, maio/2001, págs. 18, 19 e 24).

O campo jurídico em que caracteristicamente se podem vislumbrar os desdobramentos da denominada “indústria da fama” é o dos direitos da personalidade.

Central para a temática da fama é o direito à imagem, consistente no direito que a pessoa tem sobre sua forma plástica e respectivos componentes distintivos (rosto, perfil, busto, etc.), que a individualizam no meio social (CARLOS ALBERTO BITTAR, Curso de Direito Civi, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1994, v. 1, p. 262). Esse direito tem expressa proteção na Constituição Federal vigente (art. 5º, X).

Com efeito, o avanço dos meios de comunicação de massa e da publicidade tornou disponível, para o uso no mercado, esse direito da personalidade, de modo que é hoje comuníssima a participação, em anúncios publicitários, de pessoas famosas (artistas, desportistas, etc.).

A flexibilização desse direito da personalidade permite ao seu titular o pleno gozo econômico respectivo. Nesse contexto, é decisiva a utilização do instrumento contratual adequado. É ele o de concessão de uso de imagem, devendo-se explicitar, necessariamente, todos os elementos integrantes do ajuste de vontades, evitando-se dúvidas posteriores, quando da execução do contrato: fim, prazo, condições várias, remuneração, etc. (CARLOS ALBERTO BITTAR, ob. cit., págs. 262 e 263). É importante que se frise que os limites contratuais devem ser plenamente respeitados, não se tolerando usos que não hajam sido expressamente definidos, nem utilizações que extrapolem as previsões do contrato.

Aqui, observe-se que mesmo as pessoas consideradas famosas devem ter respeitados seus dotes físicos integralmente, não se podendo defender a tese de que a notoriedade impede que se reconheça a existência do direito à imagem relativamente a elas. Aliás, muito pelo contrário, as violações ao direito à imagem de pessoa notória acabam por apresentar um espectro muito maior, sendo proporcionais à publicidade de que ela desfruta no meio social. Destarte, maior há de ser a indenização quanto às pessoas famosas, de tal sorte que, com a fixação do respectivo valor, não só seja indenizada a vítima do ilícito, mas também se puna o lesante, desencorajando-se futuras violações ao direito à imagem (CARLOS ALBERTO BITTAR, ob. cit., págs. 265 e 266).

Mas o direito à imagem de pessoas famosas não é ilimitado, havendo algumas restrições decorrentes da própria coletividade de que fazem parte: por exemplo, a repercussão de determinados fatos de interesse público, justificada pelo direito de informação (o que exclui a divulgação não-autorizada de elementos da vida estritamente íntima) (CARLOS ALBERTO BITTAR, ob. cit., pág. 265).

Desdobramento do direito à imagem é o direito à voz, que também merece tutela constitucional específica (CF, art. 5º, XXVIII, a). A voz é outro importante elemento individualizador da pessoa, sendo fundamental em alguns campos da mídia (no rádio, nas dublagens, nas gravações, na locução esportiva, em anúncios publicitários, etc.). A circulação desse direito no comércio jurídico é feita também através de contrato de concessão (CARLOS ALBERTO BITTAR, ob. cit., págs. 268 e 269).

Outro direito da personalidade nodal relativamente à fama é a intimidade, cujo objetivo é o resguardo da privacidade da pessoa. Em se tratando de pessoa famosa, mais restrito se mostra o direito à intimidade, dado o contato maior existente entre ela e a sociedade, permitindo-se, dessa maneira, a revelação de fatos de interesse público independentemente de autorização.

Mas isso não significa que os famosos são totalmente destituídos de privacidade; com relação aos fatos íntimos, à vida familiar e à reserva no domicílio e na correspondência, vale a regra geral: há a necessidade de prévia consulta ao interessado (CARLOS ALBERTO BITTAR, ob. cit., págs. 273 e 274).

Outro direito que está vinculado ao contexto da fama é o direito ao nome, que representa a própria identidade da pessoa. Aqui, o que se tem observado é a utilização comercial dos nomes dos famosos, os quais são vinculados, por exemplo, a determinadas linhas de produtos, constituindo verdadeiras grife. Nesse particular, são igualmente decisivos os instrumentos contratuais tendentes ao licenciamento da grife, os quais envolvem, necessariamente, a autorização expressa do uso do nome por parte da pessoa famosa (CARLOS ALBERTO BITTAR, ob. cit., págs. 285 – 288).

Em havendo violação a qualquer desses direitos da personalidade, além dos eventuais prejuízos materiais suportados pela pessoa famosa, tem ela direito, igualmente, à reparação do dano moral ocorrido (CF, art. 5º, V e X). Aliás, dependendo do contexto fático, ambas as violações (a patrimonial e a moral) podem conviver, ensejando a reparação conjunta (Súmula 37 do STJ; CARLOS ALBERTO BITTAR, Reparação Civil por Danos Morais, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 3ª ed., págs. 276 e 277).

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