Introdução
No mundo, podemos notar a influência da informática em todas as atividades humanas, que atua como método que facilita a comunicação humana e dá celeridade no fluxo das informações.
O direito não pode ficar alheio às transformações cibernéticas que ocorrem diariamente, para tal, deve acompanhar os passos da evolução dos bits, com vistas a conseguir regular as condutas e dar celeridade aos procedimentos.
Em sede de direito processual, há sério embate doutrinário para se permitir a realização de interrogatórios virtuais, ou seja, sem a presença física do magistrado, da promotoria de Justiça, do querelante e do advogado do querelado.
Alguns consideram esse passo do direito processual penal, com face cibernética importante, revelando celeridade e forma de evitar o constrangimento de comparecer em juízo face a face com o magistrado. Outros, entendem que o contato do juiz da causa com o réu importante, pois, as circunstâncias judiciais da pena (artigo 59, Código Penal) ficam mais evidentes no contato pessoal entre as partes, e da mesma forma, a verdade real pode ser esclarecida e evidente por causa da presença física do juiz.
A razão de ser do interrogatório
O interrogatório advém de um processo penal muito rústico que era pautado pelo método inquisitivo, com vistas somente a formular provas para consubstanciar a acusação com armas para fundamentar um édito condenatório.
Com a evolução política, a democracia ganhou vida e assim floresceu a República, sedimentando o devido processo legal e a ampla defesa, como corolários angulares do processo penal. Ainda, ganhou força o princípio da paridade das armas entre acusação e defesa, o que concedeu um impulso forte na produção bilateral dos conteúdos probatórios desvinculando o processo de ser uma mera formalidade condenatória, com tribunais declinados a condenar, para a um novo processo onde se busca a verdade real.
O interrogatório hoje é um meio de prova/defesa, que serve para o réu fazer sua defesa pessoal e ir tentando consolidar no magistrado a inocência da imputação que lhe pesa ou argumentando com vistas a facilitar sua defesa técnica a ser realizada no tríduo legal.
Este interrogatório é um ato exclusivo do Estado-juiz, onde ele irá seguir as orientações do artigo 188 e parágrafos, Código de Processo Penal, ato este, que representa o marco inicial da instrução probatória, com vistas a apuração da veracidade dos termos apresentados ao magistrado por via da inicial penal.
As perguntas do juiz recairão sobre os fatos narrados na denúncia/queixa, com o fito de esclarecer os pontos ali aduzidos, bem como serve para o réu apresentar sua versão do ocorrido e a razão da imputação penal recair sobre ele.
O embate doutrinário recai sobre ele ser um meio de prova ou de defesa, que ao nosso ver não leva a ponto algum, justamente por nítido ser ele uma fusão, pois, funciona como demonstração da defesa da imputação, bem como funciona como forma de prova da imputação realizada na exordial, como lembra Heráclito Antônio Mossin:
“Que o interrogatório protege o acusado enquanto apresenta sua defesa, mas ao mesmo tempo oferece elementos ao juiz para que esse decida o processo, principalmente nos casos de confissão, portanto, esse embate ao nosso ver é desnecessário e não merece ser objeto de maior esclarecimento neste trabalho” (MOSSIN, Heráclito Antônio, Curso de Processo Penal, Atlas, São Paulo, 1998).
O procedimento virtual
Acerca de sua realização, o ideal formulado diz respeito ao magistrado ficar no Fórum defronte a tela do computador que estará ligado via Internet com o presídio, casa de detenção provisória, ou um outro local que ficará conectado com o magistrado, pondo o réu face a um outro computador, afastando o contato direto entre o réu e o juiz da causa.
Essa conexão se dará no mesmo instante em que seria a audiência somente afastando o contato físico entre o julgador e o imputado.
Os prós e contras do interrogatório on-line
Iniciemos pelos prós, pois, são mais fáceis de serem explicados. A desburocratização da Justiça criminal pode ser alcançada com o procedimento via Internet, isso porque, muito papel é gasto na realização dos termos de interrogatório, fora ainda, o principal que é o gasto e o risco com o transporte de presos até a presença do magistrado.
Durante esse ínterim, podem ocorrer tentativas de resgate de presos, furto de armas de policiais que fazem a escolta e sem contar no despendido com combustível, tempo e efetivo da corporação policial para fazer a guarda e transporte destes para serem ouvidos em sede judicial.
Luís Flávio Borges D’Urso em interessante texto diz:
“Segundo o próprio magistrado Luiz Flávio Gomes, a iniciativa teve por móvel a situação desumana do sistema penal que protela burocraticamente o ato do interrogatório, até, por vezes, para apreciar pedido de liberdade provisória, mantendo no cárcere quem poderia estar em liberdade. Dessa forma, com apoio da empresa Taisei-Consultoria e Informática, realizou-se a experiência, bem sucedida pelo enfoque tecnológico. Essa empresa já anuncia que no futuro próximo terá condições de realizar o ato do interrogatório judicial, valendo-se dos recursos da tele-conferência, trazendo imagem e som para esse ato, advogando inclusive prolongar o alcance da medida para oitiva de testemunhas e vítima” (D’URSO, Luís Flávio Borges, O Interrogatório On-line: Uma Desagradável Justiça Virtual)
Os que não partilham dessa idéia sustentam que o contato físico entre o réu e o juiz pode ser revelador, isso porque, o jeito, a entonação de voz, os trejeitos do réu podem revelar mais intensamente se este está mentindo ou falando a verdade, sendo importante fase para o magistrado captar a personalidade do réu, além de outras circunstâncias judiciais (artigo 59, Código Penal), que irão influir para o cálculo da pena, captando o psicológico do agente no caso de condenação.
Em uma opinião lúcida Ana Sophia de Oliveira, esclarece que durante o interrogatório, “há troca de algo além de palavras. Os gestos, a entonação da voz, a postura do corpo, a emoção do olhar, dizem por vezes mais que palavras. Mensagens subliminares são transmitidas e recebidas. Importa o olhar. Imposta olhar para a pessoa e não para o papel. Os muros das prisões são frios demais e não é bom que estejam entre quem julga e quem é julgado” (OLIVEIRA, Ana Sophia de, Apud, D’URSO, Luís Flávio Borges, O Interrogatório On-line: Uma Desagradável Justiça Virtual).
Mas também para absolver esse contato é importante, uma vez que a percepção da verdade, da realidade, torna-se mais apta no contato, pois verifica pela movimentação do imputado no seu interrogatório se ele falta com a verdade ou não.
Isso ainda facilitaria a fraude a lei penal, pois a tela do computador abrange um determinado espaço, deixando margem a uma coação que poderá alterar substancialmente a verdade real dos fatos, dando azo a crimes como coação no curso do processo, fraude processual, ameaça, constrangimento ilegal, dentre outros.
Conclusão
A idéia do interrogatório exploratório on-line, ao nosso ver, é uma experiência que está fadada ao insucesso porque peca por ignorar a malícia humana que se apresenta das mais diversas formas, visando sempre obter as vantagens e escusas para suas condutas erradas, que por estarem sem a presença física do juiz, abertas estarão as oportunidades a deturpação da verdade.
Entendemos, ainda, que facilmente poderá ser burlada a ampla defesa e o contraditório, com a violação da Constituição pela insegurança na transmissão dos dados que poderão ser alterados por crackers hábeis na arte de destruir e manipular a realidade virtual.
Pelo menos, por ora, entendemos inviável a criação dos interrogatórios virtuais, pela insegurança jurídica que revestiria o ato, pela falta de proteção eficaz nas transmissões de dados on-line.
Referências bibliográficas
D’URSO, Luís Flávio Borges, O Interrogatório On-line: Uma Desagradável Justiça Virtual
MOSSIN, Heráclito Antônio, Curso de Processo Penal, Atlas, São Paulo, 1998.
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Flávio Augusto Maretti Siqueira é advogado, especialista em direito e processo penal pela UEL e mestrando em direito penal pela UEM Rafael Damaceno de Assis
Rafael Damaceno de Assis é formado em direito e trabalhou no TJ-PR (Tribunal de Justiça do Estado do Paraná) e na Vara de Execuções Penais e Corregedoria dos Presídios da Comarca de Londrina