Trata-se de uma novidade, é o interrogatório explorativo “on line”, experiência que está sendo levada a efeito em São Paulo
Luiz Flávio Borges D’Urso
Embora o novo interrogatório, que seria realizado por computador, estando de um lado, no Fórum, o magistrado e de outro lado da linha numa teleconferência, no presídio, o acusado, sem contudo um contato pessoal entre ambos, para o idealizador, é maneira de agilizar, desburocratizar, trazendo economia para a Justiça, e evitando-se dessa forma as escoltas arriscadas e custosas.
Vozes de todos os cantos do país levantam-se contra essa experiência, pois sob o manto da modernidade e da economia, revela-se perversa e desumana, afastando o acusado da única oportunidade que tem para falar ao seu julgador, trazendo frieza e impessoalidade a um interrogatório.
A ausência da voz viva, do corpo e do “olho no olho”, redunda em prejuízo para a defesa e para a própria Justiça, que terá de confiar em terceiros, que farão a ponte tecnológica com o julgador.
A informática tem prestado relevantes serviços à Justiça, notadamente à Justiça Criminal, todavia, há carência que a tecnologia avançada até hoje não foi capaz de sanar, como por exemplo, um controle nacional sobre todos os presos no país, trazendo a agilização pretendida, sem que seja necessário afastar o homem acusado dos Tribunais.
Tudo isso pode ser um enorme sucesso tecnológico, mas é um flagrante desastre humanitário!
Para invocar o eminente Professor, René Ariel Dotti, estamos diante de uma “cerimônia degradante”, e o ilustre paranaense prossegue, dizendo que a coisa não pára por aí, pois existe uma conspiração de circunstâncias a ampliar o projeto da teleaudiência, levando a uma verdadeira justiça virtual, distante, ficta, fria, gélida até.
Na doutrina o momento do interrogatório é sempre visto como um momento muito importante, pois além de meio de prova, mais que isso, é meio de defesa, conforme se verifica.
O interrogatório é ato público e realizado dentro de um estabelecimento penitenciário, por mais que se diga contrariamente, jamais será público.
Por último, há quem diga que hoje o juiz não vê o rosto – tampouco as expressões corporais – do acusado, quando o interrogatório é realizado por carta precatória. Não é bem assim, pois no caso das cartas precatórias, embora o contato do acusado não seja com o juiz da causa, certamente terá oportunidade de contato com um magistrado, o que lhe garante ser ouvido, inclusive sobre fatos que, dentro das paredes das prisões, a lei do silêncio o impediria.
Assim, não há porque advogar-se a tese dessa forma de interrogatório “on-line”.
O ato tem importância, não só para exame de eventual liberdade provisória que se possa conceder, mas também e até para uma pena que se irá impor.
É pelo interrogatório que o Juiz mantém contato com a pessoa acusada e propicia ao julgador o conhecimento da personalidade do acusado e lhe permite, também, ouvindo-o, cientificar-se dos motivos e circunstâncias do crime. É personalíssimo. Não admite representação. Interrogado tem que ser o próprio réu e ninguém por ele.
O interrogatório é a grande oportunidade que tem o juiz para formar juízo a respeito do acusado, de sua personalidade, da sinceridade, de suas desculpas ou de sua confissão.
Por tudo isso, não se admite qualquer retrocesso em termos humanitários, de forma que o réu tem direito de ter sua voz ouvida e não lida, sua imagem presente e não transmitida.
Além disso, pensamos que a tese não resiste há uma análise de constitucionalidade, porquanto nossa Carta Magna consagra a ampla defesa (art. 5º, LV, CF), bem como o Brasil subscreveu pactos internacionais, nos quais, entende-se que não há devido processo legal, se não houver apresentação do acusado ao juiz (Convenção Americana sobre Direitos Humanos).
Por tudo isso, acreditamos que não estamos – e talvez nunca estaremos, preparados para isso. Há de se aperfeiçoar as garantias legais e humanas e o sagrado direito do acusado de estar diante, pessoalmente e falando com seu julgador, mesmo que num único ato.
Mesmo que a imagem transmitida pela tela do computador, seja em tempo real, ausente estaria o calor do olhar, pois ausente o réu, que muito embora “plugado” à máquina, ainda estará dentro da penitenciária e sobre todos os influxos desta.
Por fim, se ainda resta o argumento do risco e do custo da escolta do preso, tal pode ser resolvido com a presença do juiz na unidade prisional para o ato, com toda segurança para ambos.
* Prof. Luíz Flávio Borges D’Urso é Advogado Criminalista, Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRAC, Presidente da Academia Brasileira de Direito Criminal – ABDCRIM, Conselheiro e Diretor Cultural da OAB/SP, Mestre e Doutorando em Direito Penal pela USP, é Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça.