Intimação é nula se foi publicada com número errado da OAB

Autor: Ravi Peixoto (*)

 

Em 2010, o STJ fixou, no julgamento do recurso especial 1.131.805/SC, a tese n. 286, segundo a qual “A ausência ou o equívoco quanto ao número da inscrição do advogado na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB não gera nulidade da intimação da sentença, máxime quando corretamente publicados os nomes das partes e respectivos patronos, informações suficientes para a identificação da demanda. Nada obstante, é certo que a existência de homonímia torna relevante o equívoco quanto ao número da inscrição na OAB, uma vez que a parte é induzida em erro, sofrendo prejuízo imputável aos serviços judiciários”. Destaque-se, por óbvio, que o julgamento foi realizado sob a égide do CPC de 1973.

Esse caso concreto foi gerado a partir de recurso interposto pela Fundição Ícaro LTDA em face de acórdão do TJ-SC, que apontou ausência de invalidade no acórdão pela incorreção no número de registro da OAB, sem que houvesse confusão entre nomes distintos, na publicação, eis que seria possível a identificação. A argumentação do recurso foi no sentido da violação dos arts. 236 e 244 do CPC de 1973 (respectivamente arts. 272 e 277 do CPC de 2015) alegando que houve erro na OAB indicada na publicação e que além disso, haveria outro advogado no Rio Grande do Sul, cujo nome é Édison Tadeu Freitas de Siqueira, quando o advogado da causa é Édison Freitas de Siqueira, ou seja, a simples inversão do número da OAB pode acarretar o descumprimento de norma vigente.

A argumentação do acórdão é no sentido de que, em regra, a ausência ou o equívoco quanto ao número da inscrição do advogado na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB não gera nulidade da intimação da sentença, máxime quando corretamente publicados os nomes das partes e respectivos patronos, informações suficientes para a identificação da demanda.

Esse entendimento não seria aplicável, no entanto, no caso de homonímia, que tornaria relevante o equívoco quanto ao número da inscrição na OAB, uma vez que a parte é induzida em erro, sofrendo prejuízo imputável aos serviços judiciários. No caso concreto, entendeu-se que não haveria homonímia, sendo o recurso improvido.

No recurso de embargos de declaração, o recorrente reforçou sua argumentação, no sentido de que não teria havido adequada análise dos requisitos constantes dos arts. 236 e 244 do CPC de 1973 (respectivamente arts. 272 e 277 do CPC/2015), mas a decisão foi no sentido de que não havia omissão, sendo os embargos de declaração rejeitados. Esse entendimento continua em vigor no tribunal, não constando nenhuma análise da temática sob a égide do CPC de 2015.

Este texto não tem por objetivo analisar a correção do entendimento do STJ, mas tão somente o de verificar se há alguma incompatibilidade entre ele o e novo regime normativo proposto pelo CPC/2015.

Seguindo essa lógica, o problema é que parece haver certa incompatibilidade entre esse entendimento do STJ e o CPC/2015, especialmente pela alteração do texto normativo, que será apresentado abaixo, com destaque para as alterações. Será feita citação apenas de parte do art. 272 relevante ao caso concreto.

Art. 272. Quando não realizadas por meio eletrônico, consideram-se feitas as intimações pela publicação dos atos no órgão oficial.

(…)

§ 2o Sob pena de nulidade, é indispensável que da publicação constem os nomes das partes e de seus advogados, com o respectivo número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, ou, se assim requerido, da sociedade de advogados.

§ 3o A grafia dos nomes das partes não deve conter abreviaturas.

§ 4o A grafia dos nomes dos advogados deve corresponder ao nome completo e ser a mesma que constar da procuração ou que estiver registrada na Ordem dos Advogados do Brasil.

§ 5o Constando dos autos pedido expresso para que as comunicações dos atos processuais sejam feitas em nome dos advogados indicados, o seu desatendimento implicará nulidade.(…)

Art. 236. No Distrito Federal e nas Capitais dos Estados e dos Territórios, consideram-se feitas as intimações pela só publicação dos atos no órgão oficial.

§ 1o É indispensável, sob pena de nulidade, que da publicação constem os nomes das partes e de seus advogados, suficientes para sua identificação.

§ 2o A intimação do Ministério Público, em qualquer caso será feita pessoalmente.

Há de se perceber que, ao contrário do CPC de 1973, há exigência expressa que, da publicação, conste o número da OAB. Esse é um dado normativo novo que deveria gerar a alteração automática do entendimento do STJ. Note-se que, além disso foram inseridas diversas novas exigências para a identificação do representante da parte, não se admitindo mais abreviaturas e que a grafia do nome deva corresponder ao nome completo e ser a mesma que constar da procuração ou que estiver registrada na Ordem dos Advogados do Brasil.

A legislação parece ter ido em sentido contrário ao posicionamento da Corte superior que, baseando-se no texto normativo do CPC de 1973, firmou entendimento de que bastaria que constasse da publicação o nome da parte e dos advogados, permitindo sua identificação, não havendo salvo caso de homonímia, exigência do número da OAB (que não era exigido pelo art. 236, §1º, do CPC de 1973). Como é evidente, essa escolha não foi repetida pelo CPC de 2015, ao inserir, expressamente, como requisito da publicação o número da OAB do advogado. A exigência de que conste o número da OAB impede que a publicação seja considerada como ausente de defeitos seja quando haja omissão específica da numeração, tanto quando ela venha inserida de forma incorreta.

O princípio da presunção da validade dos atos processuais requer que o representante da parte indique as razões pelas quais não tinha aptidão de ter conhecimento dessa intimação, em face da omissão ou equívoco em sua OAB, ou por alguma outra espécie de equívoco, a diferença é que o defeito na OAB deixa de poder ser alegado apenas quando houver homonímia. Por exemplo, alguns sistemas de processamento de dados podem focar tão somente na busca pela OAB dos advogados justamente como forma de evitar a homonímia, situação que não ocorre com o número de inscrição da ordem dos advogados por este ser único e individualizado.

Para que a parte contrária venha a alegar a incidência do art. 277 do CPC de 2015, segundo o qual “Quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade”, ela deve ser capaz de comprovar que, a despeito do defeito no ato, a parte tinha plenas condições de ter conhecimento da intimação.

Na sistemática do CPC de 2015, caberia à parte contrária demonstrar por exemplo, que, desde o início do processo, havia omissão do número da OAB, mas o representante da parte respondeu normalmente a todos os atos. E este, apenas em uma determinada situação, em que perdeu o prazo, veio a alegar que havia omissão no número da OAB. Isso porque, em tal situação, incidiria o caput art. 278 do CPC de 2015, que exige que a parte alegue eventual nulidade dos atos na primeira oportunidade. Inclusive, o próprio STJ aponta que a alegação de defeitos na intimação preclui caso não alegados na primeira oportunidade.

Mesmo que se entendesse tratar-se de uma nulidade que o juiz devesse decretar de ofício, permitindo que não houvesse preclusão (art. 278, parágrafo único, CPC de 2015), seria possível a utilização do artigo 277 do CPC de 2015, segundo o qual não há a decretação de nulidade se o ato alcançar a sua finalidade, eis que o objetivo da publicação – comunicação do advogado de determinada decisão – vinha sendo atingido desde o início do processo. E, por isso, não haveria motivos para a decretação de nulidade.

Em face do apontado anteriormente, parece inegável que o CPC de 2015 revogou o entendimento firmado pelo STJ no recurso especial 1.131.805/SC. A partir da entrada em vigor do CPC de 2015, devido a incompatibilidade dos temas 285 e 286 com o art. 272, §2º, as publicações que omitam ou se equivoquem quanto ao número da OAB são defeituosas e servem como fundamento para a decretação da invalidade da intimação, independentemente da existência de homonímia.

 

 

 

 

Autor: Ravi Peixoto é advogado e procurador do município de João Pessoa, mestre em Direito pela UFPE e doutorando em Direito Processual pela Uerj.


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