IRDR é modelo processual necessário para garantir segurança a pessoas e ao Estado

Autores: Renato Caumo, Marcelo Marques Roncaglia e Mariana Monfrinatti Affonso de André (*)

 

Os trâmites para redirecionamento de Execuções Fiscais para fins de responsabilizar pessoalmente sócios, administradores e gestores de empresas por dívidas tributárias sempre foi um tema polêmico, sobretudo em razão da necessidade de se comprovar, nos termos do artigo 135 do Código Tributário Nacional (“CTN”), que essas pessoas físicas, à época dos fatos geradores em discussão, atuaram com excesso de poder ou infringiram a lei ou contrato social.

Essa discussão tornou-se ainda mais polêmica com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil (“NCPC”) que, entre seus artigos 133 a 137, criou o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (“IRDR”) para hipóteses em que se pretende alcançar as pessoas físicas por trás da pessoa jurídica cuja personalidade se deseja desconsiderar e, basicamente, exige um procedimento prévio e apartado[1] antes que se chegue às pessoas físicas em questão.

Isso porque, parte da doutrina e jurisprudência entende que esse IRDR seria aplicável somente a hipóteses do direito civil, não podendo ser utilizado para redirecionamento de Execuções Fiscais a sócios, administradores e gestores, dado que a cobrança judicial das dívidas públicas possui um regramento próprio que não prevê esse instituto. Por sua vez, outros entendem que o IRDR é plenamente cabível no Direito Tributário, devendo ser utilizando sempre que a Fazenda pretender afastar a ação executiva do devedor originário e buscar sua satisfação diretamente de pessoas físicas relacionadas à empresa contribuinte.

Considerando a existência de decisões em ambos os sentidos, e a fim de pacificar sua jurisprudência, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (“TRF-3”) instaurou o IRDR nº 4.03.1.000001 para definir, dentro de sua Região (Estados de SP e MS), se o redirecionamento de Execução Fiscal a sócios e administradores deve ocorrer na própria ação executiva ou se em sede de IRDR.

A Jurisprudência Atual do TRF-3 acerca da discussão
Existem diversos precedentes no TRF-3 a respeito da possibilidade ou até necessidade de, a partir do NCPC, instaurar-se o IRDR para viabilizar o redirecionamento de Execuções Fiscais, de forma que se pode afirmar que não há consenso dentro do Tribunal acerca da discussão, razão pela qual foi instaurado o IRDR para sua uniformização.

Contudo, pode-se verificar certo consenso dentro das Turmas do Tribunal. A Primeira Turma, por exemplo, admite a utilização do IRDR em matéria tributária, entendendo, inclusive, ser este instituto necessário para prévia análise de eventual pretensão de redirecionamento de Execução Fiscal a sócios. De acordo com o posicionamento firmado pela Primeira Turma do TRF-3, o IRDR estende-se à Fazenda Pública por expressa disposição do artigo 4º, §2º da própria Lei de Execuções Fiscais, que estabelece que “à Dívida Ativa da Fazenda Pública, de qualquer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e comercial”.

Por outro lado, as Segunda, Terceira e Sexta Turmas do TRF-3 possuem posicionamento diverso, de que o redirecionamento de Execução Fiscal é regulado por lei especial e, portanto, não está submetido a institutos do NCPC, tais como o IRDR. Essas Turmas, inclusive, possuem diversos precedentes reformando decisões de primeira instância que determinaram a instauração do IRDR por, basicamente, entenderem pela desnecessidade de qualquer procedimento prévio para o redirecionamento da ação executiva, a qual pode ocorrer nos próprios autos da Execução Fiscal.

Finalmente, a Quarta Turma do Tribunal até o momento não possui posicionamento firmado acerca da discussão, havendo precedentes em ambos os sentidos, a depender da composição do julgamento. Os argumentos adotados pela Turma favoráveis ou contrários à utilização do IRDR em casos tributários são os mesmos previamente descritos.

Percebe-se, portanto, a divergência jurisprudencial existente dentro do TRF-3 e, em determinados casos, dentro da mesma Turma do Tribunal, de forma que a uniformização de matéria de tamanha relevância se faz necessária para garantir segurança jurídica aos contribuintes e até mesmo à Fazenda Pública, fixando-se os trâmites considerados corretos, dentro da 3ª Região, para redirecionamento de ação executiva para pessoas físicas relacionadas ao devedor originário.

Esse será o objetivo do IRDR já instaurado que, em nosso entendimento, considerando o cenário jurisprudencial retratado acima, faz-se necessário e, nos termos do NCPC, poderá ser objeto de decisão vinculante a todos os órgãos judiciais da 3ª Região.

Possibilidade de utilização do IRDR em matéria tributária
A despeito do resultado do IRDR pelo TRF-3, cujo julgamento ainda não foi iniciado, em nosso entendimento, existem argumentos que justificam a aplicação do IRDR em casos tributários.

Desta forma, entendemos que possui respaldo legal a utilização do IRDR, previsto no NCPC, em hipóteses em que a Fazenda pretende redirecionar uma Execução Fiscal.  Inicialmente, e nos termos do posicionamento da Primeira Turma do TRF-3, somos da opinião que não há qualquer impedimento de natureza legal para utilização do instituto em ações executivas, visto que o §2º do artigo 4º da própria Lei de Execuções Fiscais permite a aplicação de normas do Direito Civil à questões relacionadas à Dívida Ativa, tais como o seu redirecionamento.

Além disso, ao disciplinar o IRDR, o NCPC não faz qualquer ressalva, como poderia, sobre sua não aplicação à Execução Fiscal, fazendo inclusive referência ao termo “sócio” ao listar a pessoa física instaurante do IRDR, situação que se adequa perfeitamente à hipótese de responsabilização tributária pessoal prevista no art. 135 do CTN.

Em nossa visão, o NCPC apenas disciplina um procedimento por meio do qual, antes de que seja diretamente atribuída responsabilidade a uma pessoa física, seja garantida a possibilidade de esta defender-se adequadamente, o que, até então, não existia no direito processual, com grave prejuízo às próprias pessoas físicas, em casos tributários ou não, que eram surpreendidas com realização de penhoras online ou outras constrições patrimoniais, tais como a prestação de garantias em valores exorbitantes para poderem se defender pela via de Embargos à Execução Fiscal.

Dessa forma, somos da opinião que o IRDR poderia ser perfeitamente aplicado aos casos em que a Fazenda Pública pretende redirecionar Execução Fiscal, garantindo mais segurança às pessoas físicas relacionadas ao devedor originário.

Conclusão
Conforme exposto acima, não há consenso jurisprudencial acerca da possibilidade de aplicação do IRDR em casos tributários, existindo decisões em ambos os sentidos no TRF-3, o que justifica a instauração do IRDR para uniformização da matéria dentro da 3ª Região, garantindo segurança jurídica a todos os envolvidos (contribuintes e Fazenda Pública).

Nesse sentido, entendemos que existem bons argumentos para defender a utilização do IRDR para redirecionamento de ação executiva, visto que (i) há amparo legal para a sua aplicação na Lei de Execuções Fiscais; (ii) o NCPC não excepcionou a aplicação do instituto para casos tributários; e (iii) o IRDR adequa-se perfeitamente, em nossa visão, como modelo processual necessário para garantir mais segurança às pessoas físicas às quais as Execuções Fiscais são redirecionadas.

Por fim, é importante destacar que uma decisão de mérito no IRDR nº 4.03.1.000001 será vinculante para toda a Justiça Federal da 3ª Região.

 

 

 

 

 

Autores: Renato Caumo, Marcelo Marques Roncaglia e Mariana Monfrinatti Affonso de André   é advogado, associado da área tributária de Pinheiro Neto Advogados, e membro do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas.


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