ISS não incide em serviço prestado no Brasil com resultado no exterior

Autor: Gustavo Perez Tavares (*)

 

O Parecer Normativo SF 02/2016 de 26/04/2016, publicado no dia 27 de abril de 2016 no Diário Oficial do Município de São Paulo, presta verdadeiro desserviço às relações entre fisco e contribuintes, já sabidamente conturbadas, ao adotar posição retrógrada e extremada com relação às hipóteses de isenção do ISS sobre a chamada “exportação de serviços”.

Referido Parecer, ao interpretar o artigo 2º da Lei Complementar 16/2003, e seu correspondente municipal (artigo 2º da Lei 13.701/03), dispõe o seguinte:

Art. 1º Considera-se “resultado”, para fins do disposto no parágrafo único do artigo 2º da Lei nº 13.701 , de 24 de dezembro de 2003, a própria realização da atividade descrita na lista de serviços do artigo 1º da Lei nº 13.701 , de 24 de dezembro de 2003, sendo irrelevante que eventuais benefícios ou decorrências oriundas dessa atividade sejam fruídos ou verificados no exterior ou por residente no exterior.

§ 1º O resultado aqui se verifica quando a atividade descrita na referida Lista de Serviços se realiza no Brasil.

§ 2º Não se considera exportação de serviço a mera entrega do produto dele decorrente, tais como relatórios ou comunicações, bem como procedimentos isolados realizados no exterior que não configurem efetiva prestação dos serviços no território estrangeiro.

§ 3º No caso de serviços de duração continuada, considera-se proporcionalmente realizada a prestação dos serviços com o cumprimento da sua etapa mensal.

Conforme se observa, o Parecer Normativo praticamente esvazia o significado do vocábulo “resultado”, ao equipará-lo à própria realização do serviço, ainda que o tomador e beneficiário do serviço localizem-se no exterior, em adoção à ultrapassada e já rechaçada tese do resultado físico (“resultado-consumação”) dos serviços prestados.

Entretanto, diferentemente do que veicula o referido Parecer, a exportação de serviços não se caracteriza nos termos por ele veiculados, mas se encontram bem definidos pelo artigo 2º da Lei Complementar 116/2003.

Nesse sentido, cumpre relembrar que, seguindo uma orientação política de desoneração das exportações e tributação das importações (critério de destino), o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional 3 de 1993, a qual inseriu o inciso II no § 3º do artigo 156 da Constituição, determinando a edição de Lei Complementar que excluísse do campo de incidência do ISSQN a exportação de serviços. Confira-se a dicção do dispositivo constitucional:

“§ 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar
I – fixar as suas alíquotas máximas e mínimas.
II – excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior.
III – regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.”

Em cumprimento ao comando constitucional, o Congresso Nacional editou a Lei Complementar 116/2003, a qual, em seu artigo 2º, I e parágrafo único, criou a figura da “exportação de serviços”, nos seguintes termos:

“Art. 2º O imposto não incide sobre:
I – as exportações de serviços para o exterior do País;
(…)
Parágrafo único. Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique,ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.”

Conforme se observa, ao criar a figura da “exportação de serviços”, a Lei Complementar 116/2003 vinculou a caracterização de “exportação” aos serviços cujos resultados não se verificassem no território nacional. É dizer, a um só tempo, houve a criação da figura de “exportação de serviços” e a sua delimitação para fins de fruição: que o resultado do serviço não se verifique no Brasil.

Com efeito, pela análise das disposições da Lei Complementar, conclui-se que a regra geral é a de não tributação dos “serviços exportados”, ressalvada a hipótese contida no parágrafo único do artigo 2º. Assim se desenvolveu a doutrina sobre o assunto:

“Por ter como objetivo o incentivo às exportações brasileiras, é plenamente coerente que o legislador de plano desconsidere exportação aquilo que exportação de fato não é. Por essa razão é que a Lei Complementar 116/03 estabelece como condição para que haja exportação de serviço desenvolvidos no Brasil para o exterior que o resultado da atividade contratada não se verifique no País.”[1]

Equivale afirmar que a Lei Complementar — em que pese ter criado a figura da “exportação de serviço” — não definiu expressamente o que esta viria a ser, limitando-se a detalhar o que não estaria sob o seu campo de isenção (a hipótese do parágrafo único do artigo 2º da Lei Complementar 116/2003), forçando o interprete a construir a definição de “exportação de serviço” por uma interpretação a contrario sensu.

Assim sendo, ao se interpretar (a contrario sensu) a delimitação contida na Lei Complementar, chega-se a duas hipóteses iniciais de não incidência do ISS:

(I) serviços prestados fora do território nacional; e

(II) serviços prestados dentro do território nacional, cujos resultados, contudo, se verifiquem fora do país.

A primeira hipótese não apresenta qualquer dificuldade, uma vez que se resolve pelo princípio da territorialidade (serviço prestado fora do território nacional). No entanto, a segunda hipótese necessita de delimitação do que viria a ser o “resultado” a que alude a legislação.

Em sua acepção etimológica, “resultado” equivale a consequência, efeito ou seguimento[2]. A que se refere, então, a legislação, ao estabelecer esse “resultado do serviço” como elemento de caracterização da exportação de serviço?

Imediatamente, ao se voltar ao texto da Lei Complementar 116/03, exclui-se qualquer equiparação de “resultado do serviço” com o local de seu desenvolvimento (como equivocadamente tentou fazer o referido Parecer Normativo), tendo em vista a clara distinção feita pelo próprio parágrafo único do artigo 2º da LC 116/03 (“serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique”).

Essa distinção se reforça pelo simples fato de que, caso se equiparasse o “resultado” do serviço ao seu “desenvolvimento”, esvaziar-se-ia a norma de isenção, pois se estaria diante de prestação internacional de serviço (e não exportação), hipótese, como já destacado, solucionada simplesmente pelo princípio da territorialidade.

É verdade que o Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a questão, em 2006, não se atentou às distinções acima expostas, entendendo, em famoso caso de reparo em turbinas de avião, a cliente estrangeiro, que o resultado se verificava em território nacional[3], onde o serviço havia sido prestado. Referido julgamento, realizado há quase dez anos, no âmbito da 1ª Turma daquela Corte Superior, não encontrou eco na melhor doutrina. Certamente o STJ voltará a analisar a matéria, agora já com as discussões amadurecidas.

Conforme destacamos, a linha de entendimento acerca da caracterização da exportação de serviços pelo resultado efetivo, independentemente do local de sua prestação, foi bem consolidada pela doutrina e, em maior ou menor grau, assimilada pelos fiscos municipais. Em São Paulo, muito contribuiu para isso as lições de Alberto Macedo, Auditor Fiscal e ex-presidente do Conselho Municipal de Tributos do Município de São Paulo:

“Posto isso, questão de grande indagação tem sido a de definição do conteúdo semântico da expressão ‘resultado do serviço’, particularmente do local de sua ocorrência, para fins de determinação de existência ou não de exportação e de importação de serviços. Seria o local em que se dá o resultado do serviço aquele em que se finda fisicamente a ação em si do prestador? Ou seria o local onde se encontra aquele que usufrui do serviço?

(…)

No conceito de importação de serviço trazido pela Lei nº 10.865/2004, nota-se claramente uma distinção entre o local em que o serviço é executado (‘executados no exterior’) e o local em que se dá o resultado do serviço (‘cujo resultado se verifique no país’).

Na Lei Complementar nº 116/2003, apesar de ela não ser tão expressa quando trata de definir o conceito de importação de serviço, o é quando define a negativa de exportação de serviço, deixando clara a distinção entre o local do desenvolvimento do serviço (‘serviços desenvolvidos no Brasil’) e aquele onde o resultado se verifica (‘cujo resultado aqui se verifique’).”

(…)

“De pronto, como já exposto acima, não se pode conceber que o local do resultado do serviço se confunda com aquele em que se encontra o prestador (resultado-consumação), pois interpretação nesse sentido ensejaria a quase não existência de exportação de serviço, prevista na Lei Complementar nº 116/2003, sobrando apenas, como exportação de serviço, aquelas hipóteses em que o próprio prestador fosse fisicamente ao exterior prestar serviço a clientes la localizados. Reforça esse entendimento a distinção clara no ordenamento entre o local em que se desenvolve (ou é executado) e o local onde se verifica o seu resultado (resultado-utilidade)”.[4]

Assim, ao contrário do que afirma o Parecer Normativo, o “resultado” a que se refere a legislação deve ser interpretado em sua acepção de utilidade, fruição ou benefício efetivo, e nunca de local físico de execução dos serviços.

Também nesse sentido, José Eduardo Soares de Melo ensina que, na exportação de serviços, “a desoneração tributária (que se qualifica como isenção) decorre da adequada aplicação dos seguintes componentes: a) exportação de serviços; b) efetiva destinação dos serviços ao exterior; c) resultado no exterior; e d) pagamento a não-residente do território nacional.”[5]. E prossegue o renomado autor afirmando que:

“compreende-se que dois elementos são vitais para a caracterização do ‘resultado’ (e o respectivo local da ocorrência): i) o beneficiário efetivo do serviço (quem está consumindo) – que deve estar fixado no exterior para que haja exportação – e, ii) a delimitação dos efeitos imediatos diretos da prestação do serviço, descartando-se quaisquer efeitos secundários”

Quanto à questão do “beneficiário” do serviço exportado, cumpre esclarecer que a Lei Complementar 116/03 não diferencia o “tomador do serviço” daquele que realiza o “pagamento pelo serviço”, diferentemente do que ocorre com a legislação do PIS e da Cofins (na modalidade importação), não cabendo ao interprete destingi-los (ubi lex non distinguir nec nos distinguere debemus).

Assim, pelo estrito cumprimento da Lei Complementar 116/2003, o beneficiário do serviço se equipara ao tomador, devendo este ser domiciliado no exterior para fins de caracterização de exportação de serviço. Nesse sentido, oportuna, uma vez mais, a lição de Alberto Macedo, especificamente quanto à exportação de serviços para pessoas jurídicas: “Já no caso de pessoa jurídica lá fora domiciliada, não há como essa pessoa jurídica vir fisicamente ao Brasil tomar serviços, caracterizando-se facilmente a exportação do serviço, ocorrendo o resultado onde ela esteja domiciliada”.[6]

Isso porque, o “resultado do serviço” que se deve analisar, na exportação de serviços, diz respeito àquele benefício/fruição/consequência imediato, que deverá ocorrer fora do território nacional.

A análise da consequência imediata se faz necessária para que não ocorram digressões ad infinitum sobre o resultado do serviço. É dizer, afastar-se do resultado imediato equivale a abstrair completamente a definição da ocorrência do resultado, podendo-se assim fixá-la ao bel-prazer do intérprete (reflexos do serviço prestado, como decisões tomadas após uma consulta realizada, investimentos, contratações etc), o que não se coaduna com o ordenamento jurídico[7].

Assim, o resultado a que se refere a lei deve restringir-se ao objeto do contrato firmado entre as partes (tomador e prestador do serviço), como, por exemplo, a pesquisa encomendada, a análise sobre determinado mercado, a consultoria realizada etc, e não os eventuais reflexos deles advindos.

Conforme destacado acima, os fiscos municipais, em maior ou menor grau, vinham se alinhando à doutrina sobre o tema, inclusive a jurisprudência administrativa do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo. Confira-se:

“A celeuma toda em relação à caracterização de uma exportação de serviços para fins de não incidência do ISS se refere à expressão ‘cujo resultado aqui se verifique’, contida no parágrafo único do art. 2º da Lei Complementar nº 116/2003.

A grande indagação que cerca o tema refere-se ao conteúdo semântico da expressão ‘resultado do serviço’, particularmente no que tange ao local de sua ocorrência, porque é a definição desse local, no caso concreto, que vai determinar a existência ou não de exportação de serviços.

Há que se ressaltar que o local do resultado não se confunde com o local da realização do serviço. E a Lei Complementar nº 116/2003 deixa isso bem claro quando se utiliza da expressão ‘serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique’ para dizer da não exportação de serviço. Ou seja, uma coisa é o local onde o serviço é desenvolvido, e outra é o local onde o resultado do serviço se dá.”[8]

Em excelente artigo publicado pela ConJur no ano passado, Murilo Galeote e Roberta Boareto bem demonstraram os critérios utilizados pelo CMT de São Paulo para caracterizar a exportação, demonstrando a muitas vezes oscilante jurisprudência daquele órgão administrativo de julgamento[9].

No âmbito judicial o Tribunal de Justiça de São Paulo, também reconhece a existência de exportação de serviços quando os resultados se verifiquem no exterior (não importando o seu desenvolvimento em território nacional). Confira-se dois julgados nesse sentido:

“APELAÇÃO Ação declaratória de inexistência de relação jurídica tributária Autora/apelante exporta serviços de assessoria e consultoria financeira e de gestão de carteira de investimentos a clientes domiciliados no exterior Assim, tal atividade se enquadra no disposto previsto inciso I do art. 2º da Lei Complementar nº 116/03 Deram provimento ao recurso, com inversão dos ônus da sucumbência.”[10]

“Apelação. Repetição de Indébito Tributário. Empresa química e farmacêutica. Exportação de serviços de pesquisa para empresas do mesmo grupo econômico localizadas no exterior. Cláusula de exclusividade na fruição do serviço pela TOMADORA. Inteligência dos art. 156, §3º, II da CF e art. 2º, I e par. único da LC 116/03. Dúvida sobre o conceito de ‘resultado’. Aplicação de métodos jurídicos de interpretação. Resultado que deve ser entendido como “fruição”, com o aproveitamento ou efeito do serviço (proveito econômico) exclusivamente no exterior, tomando-se por base o objeto do contrato e a finalidade do serviço para o tomador (aspecto subjetivo). Hipótese de isenção configurada. Declarada nulidade do lançamento tributário. Indébito caracterizado. Repetição do Indébito devido. Decisão reformada. Recurso provido[11].

Esse, portanto, o motivo de dizermos que o referido Parecer Normativo 02/2016 presta um desserviço à relação entre contribuintes e fisco paulistanos, uma vez que, em pleno ano de 2016, adota posicionamento absolutamente ultrapassado e contrário à melhor doutrina, sendo ainda contrário à jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, o que deve ensejar um grande número de contestações judiciais, caso as autoridades fiscais passem a utilizar essa interpretação nas fiscalizações.

 

 

 

Autor: Gustavo Perez Tavares é advogado do Peixoto & Cury Advogados.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Atendimento