Judicialização da saúde requer informação qualificada para impedir abusos

Autor: Arnaldo Hossepian (*)

 

O trabalho que o Conselho Nacional de Justiça vem desenvolvendo para que o Brasil tenha magistrados com embasamento e apoio técnico para atuar em decisões relacionadas à saúde será tema de debate da Brazil Conference at Harvard & MIT, que acontece entre os dias 7 e 8 de abril, na Harvard University e no Massachussets Institute of Technology.

Nesse encontro, será importante demonstrar que é urgente a conscientização de todos os personagens dos sistemas de Justiça e Saúde, ainda, que o Judiciário precisa de informação qualificada para deliberar sobre questões que afetam o sistema de saúde, em especial na área pública.

A criação de um banco de dados, com pareceres e notas técnicas, para auxiliar os magistrados no acolhimento das demandas judiciais legítimas, e rejeição dos pedidos temerários, desprovidos de qualquer embasamento científico, é uma das formas que o Fórum da Saúde projetou para auxiliar a resolver esse problema.

Os esforços do CNJ, por meio do Comitê Executivo Nacional do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde, visam, portanto, evitar demandas judiciais abusivas, impedindo que haja uma desestruturação do sistema público de saúde que, se preservado, trará consequências positivas também para a saúde suplementar.

A título de comparação, só em 2017, a previsão de gastos com o cumprimento de decisões para atendimentos à saúde, determinados pela Justiça, alcança R$ 7 bilhões, o equivalente ao orçamento da cidade de Fortaleza para o mesmo ano.

Um importante avanço nesse sentido foi conquistado recentemente, na segunda quinzena de março. Foi quando o CNJ, por meio do Comitê Executivo Nacional do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde — em cumprimento ao termo de cooperação assinado, em agosto de 2016, com o Ministério da Saúde, e implementado por ordem da presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ, ministra Cármen Lúcia —, realizou uma segunda bateria de oficinas para capacitação dos profissionais técnicos da área de saúde, indicados pelos tribunais de Justiça e tribunais regionais federais que atuarão nos Núcleos de Apoio Técnico de cada tribunal (NATs-JUS), treinamento este, realizado por três dias no Centro de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo.

São eles, os técnicos integrantes dos NATs-JUS, que abastecerão o banco de dados de pareceres e notas técnicas projetado para subsidiar os magistrados de todo o país, quando tiverem de emitir decisões relacionadas à saúde, em especial quando a demanda envolver aquilo que ainda não se encontra incorporado pelo Sistema Único de Saúde.

Mais do que um treinamento, trata-se de colocar em prática um projeto que pode se tornar um importante aliado para a economia da União, dos Estados e dos Municípios. Economia que possibilitará, cada vez mais, investir no sistema de saúde ordinário, sempre carecedor de recursos, que não podem ser desperdiçados com demandas temerárias e muitas vezes patrocinadas de forma inescrupulosa, ludibriando a boa-fé do usuário do sistema, dos gestores da coisa pública e, como já destacado, do próprio julgador.

Criado em 2010, o Fórum do CNJ tem se empenhado no monitoramento, bem como na busca de soluções para as demandas judiciais que envolvem a assistência à saúde. Com esse propósito, o Fórum já realizou duas jornadas de Direito da Saúde que consagraram alguns enunciados na área das demandas judiciais, que também servem como subsídios técnicos para auxiliar os magistrados em suas tomadas de decisões.

Em complemento ao já realizado, o Fórum entende ser necessária a realização de um mapeamento do Poder Judiciário em cada unidade da federação, com o objetivo de traçar um perfil regional das demandas judiciais vinculadas à saúde. E, para tanto, os comitês estaduais do Fórum da Saúde possuem os atributos adequados para a consecução deste objetivo. O protagonismo dos coordenadores estaduais do Fórum da Saúde possibilitará a identificação dos problemas regionais, assim como a adoção de inovações na busca de soluções para os problemas da área, como, por exemplo, a via extrajudicial para a composição dos conflitos.

Tudo isso é resultado de outro importante passo dado pelo Conselho Nacional de Justiça que, em setembro de 2016, editou a Resolução 238, consagrando a necessidade de implementação e instalação dos Comitês Estaduais de Saúde e dos próprios Núcleos de Apoio Técnico ao Poder Judiciário (NATs-JUS). São estruturas com a participação de magistrados de diferentes esferas: primeiro e segundo grau, estadual e federal, além de gestores de saúde e demais participantes do sistema. Esses comitês serão importantes aliados dos NATs-JUS para a elaboração de pareceres que justifiquem o atendimento médico legítimo.

Seja no exterior ou no Brasil, é crucial deixar claro que a judicialização da saúde é uma realidade, mas que seu propósito deve ser dar ao cidadão a efetiva possibilidade de resgatar e manter a sua saúde, sem perder de vista a saúde preventiva. De forma alguma pode servir como instrumento para a obtenção de ganhos ilícitos, ou mesmo como fonte de patrocínio de medicamentos ainda em teste em outros países. Enfim, há que se afastar a utilização predatória do Poder Judiciário em tema tão caro para a população brasileira, o acesso à saúde, direito social garantido de forma expressa na Constituição da República.

 

 

 

 

 

Autor: Arnaldo Hossepian  é procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo, conselheiro nacional de Justiça e supervisor do Fórum Nacional da Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).


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