por Luís Nassif
Fui a Ribeirão Preto na sexta-feira dar aula magna inaugural da Faculdade de Economia e Administração da USP. A rapaziada do Centro Acadêmico me pegou no aeroporto, almoçamos e deixaram-me no hotel às 14:30. Pouco antes das cinco da tarde o telefone da recepção tocou informando que meus dois visitantes tinham chegado. Era o Carlos Liboni, empresário de tecnologia da região, e a filha Lara.
Há pouco mais de um ano, Liboni foi exposto à execração pública. Com mais três sócios têm uma empresa de tecnologia de ponta, capaz de exportar para o Pentágono, mas incapaz de ter as contas em ordem. Passou por dificuldades, ficou três períodos não seqüenciais sem recolher a contribuição dos empregados. Dois promotores raivosos abriram três processos distintos, mas igualmente cruéis, e um juiz justiceiro ordenou sua prisão.
De possível candidato a presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, primeiro caso da história de empresário médio e do interior, Liboni tornou-se um foragido. De cidadão respeitado de Sertãozinho e Ribeirão, tornou-se um proscrito.
Algum tempo antes do episódio, eu havia montado um Conselho Temático de Tecnologia para o Projeto Brasil, um site onde se discutem políticas públicas (www.projetobr.com.br). Consegui atrair os melhores nomes da academia e do governo. Na hora de definir o representante do setor privado, a indicação foi unânime: o Liboni, por sua seriedade em investir em desenvolvimento de forma continuada.
No inquérito aberto contra ele, não encontraram ativos em nome da empresa. Acusaram-no, sem provas, de desvio de bens. Mas se ele investia parte relevante do faturamento em desenvolvimento tecnológico continuado, alguma coisa não estava batendo. O que Liboni queria era manter viva a empresa, apesar de todos os problemas enfrentados. Mas o juiz e os promotores não quiseram saber de diferenciar o homem sério em dificuldade do golpista. Só a crueldade permite conquistar manchetes dos jornais.
Nesse tiroteio, recebi uma carta desesperada de sua filha Lara. Nela, contava da seriedade do pai, reconhecia sua falta de experiência administrativa, o fato de se encantar mais com o desenvolvimento das tecnologias do que em ganhar dinheiro. Publiquei a carta. Simplesmente abri aspas e dei a palavra à filha.
Agora vejo os dois na minha frente. Liboni está de cabeça erguida, me agradece a demonstração de amizade. Faço-lhe ver que, pelo menos até ali, não éramos amigos. O que fiz foi defender um homem de bem. Aproveito para elogiar seu aspecto, sofrido porém feliz, de quem amadureceu com a crise, e elogiá-lo como pai, por ter criado uma filha tão valente e solidária. Ele me fala da importância da família. Tem três filhas, conto que tenho quatro. A filha Lara, linda como minhas mais velhas, diz que agora entendeu minha sensibilidade para acatar sua carta.
Ficamos ali o resto da tarde tecendo considerações sobre a natureza humana, sobre a força da família e dos amigos, mesmo nesse mundo imenso, virtual. Conto-lhe de inovações que estamos fazendo na Dinheiro Vivo e seus olhos brilham. Me conta os avanços que a empresa obteve no ano passado, com todos os problemas que enfrentou. Sua sensibilidade de artista-tecnológico continua plena.
Quando saíram, me lembrei do juiz de São Paulo, membro de uma enorme família de procuradores e juízes, todos com fama de duríssimos no julgamento das mazelas alheias. No início do ano passado, ele condenou à prisão e a uma doação ao Fome Zero um empresário em dificuldades. Conseguiu enorme cobertura da mídia. Critiquei-o no ar, na TV Cultura, chamando a atenção para sua falta de sensibilidade.
Seis meses depois estava ele próprio enrolado, envolvido na Operação Anaconda, sem nenhum elemento mais consistente que o incriminasse. No final do ano, convidei-o para um almoço e escrevi uma coluna em sua defesa. Por todas as informações de que dispunha, era um homem sério. Agora, depois do duro aprendizado que passara, tornara-se um homem sábio.
E me dei conta como a vida é rica com esses processos de aprendizado, com esses cataclismas que reviram as pessoas pelo avesso, para permitir aos que sobrevivem o legado da sabedoria e o aprendizado da generosidade.
* Artigo publicado na Agência Dinheiro Vivo
Revista Consultor Jurídico, 7 de Março de 2005