Juizado Especial Criminal – Complexidade e circunstâncias do fato – Conflito de Atribuições.

Na persecução a uma infração penal de menor potencial ofensivo pode suceder que, ao tomar conhecimento desta, o membro do Ministério Público que atue junto ao Juizado Especial Criminal, ante a não ocorrência da transação penal, também não possa, de imediato, deflagrar a respectiva ação penal dada a complexidade ou circunstâncias do fato. Nessa hipótese, a lei assinala que o membro do Parquet poderá requerer a remessa das peças existentes ao juízo comum para a adoção do procedimento previsto em lei (art. 77, § 2º da Lei nº 9.099/95).

Uma conclusão simples que se poderia extrair da dicção deste dispositivo legal é a de que, se não existiam condições ao membro do Ministério Público, com atribuição junto ao juizado, para o oferecimento da denúncia, tais condições também não existiriam para o outro órgão do Parquet, que atuasse no juízo comum, de modo a iniciar a respectiva ação penal. Todavia, esta é uma premissa falsa, posto que, em verdade, duas são as situações que podem se apresentar a este Promotor de Justiça: a) a requisição de instauração de inquérito policial para uma melhor investigação; b) discordar da declinatória de atribuição por entender não ser o fato complexo.

No primeiro caso, como dito, a concordância entre os órgãos do Ministério Público envolvidos importará na requisição pelo membro do Parquet, junto ao juízo comum, de instauração de inquérito policial para uma investigação mais minuciosa.

Já no segundo caso, pode ressurgir antiga discussão, se a hipótese será de conflito negativo de atribuição ou de competência.

Conforme disposição legal, ocorrendo uma infração de menor potencial ofensivo, a autoridade policial deverá fazer o encaminhamento do termo de ocorrência circunstanciado ao juizado, pelo que poderia sustentar-se que, por ter havido uma distribuição, esta fixou, inicialmente, a competência daquele órgão jurisdicional.

Diante disto, ressaltamos, desde logo, que na hipótese de complexidade ou circunstâncias do fato, que não possibilite a imediata propositura da ação penal, necessário será ao membro do Ministério Público, que atue junto ao juizado, afirmar apenas a sua falta de atribuição em razão deste fato merecer uma maior investigação, pelo que a atribuição passará a ser do Promotor de Justiça junto ao juízo comum.

Com certeza não faltarão autores para sustentar a tese de que se houve uma distribuição ao juizado a hipótese será de discutir-se a competência, ou seja, o conflito negativo de competência entre o juizado e o juízo comum.

Ressuscitado o tema, plena aplicação terá o ensinamento do professor Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, em sua obra “Conflito de Atribuições entre Membros do Ministério Público de Estados Diversos” (Liber Juris, 1986), onde aduz que “o conflito de atribuições se identifica pelo conteúdo da atividade a ser desenvolvida e ocorrerá sempre que o ato a ser praticado tiver natureza não jurisdicional, pouco importando as autoridades em conflito, a forma ou o momento de sua prática.”

Sem dúvida, quando do encaminhamento do termo circunstanciado pela autoridade policial ao juizado, houve uma distribuição, ou, pelo menos, uma anotação no cartório distribuidor.

Contudo, quando o Promotor de Justiça atuante junto ao juizado tomou conhecimento destas peças, apenas verificou que as circunstâncias ali apresentadas eram complexas e não lhe permitiam o oferecimento da exordial acusatória, e sendo assim, não se pode falar em conflito de competência, posto que não chegou a existir uma ação, aliás, foi a complexidade da hipótese que impediu a instância penal.

Aqui, apenas o que difere do procedimento pré-processual adotado para as infrações penais que não sejam de menor potencial ofensivo, é que não existe a figura formal do inquérito policial, porém não se pode olvidar que o termo de ocorrência circunstanciado na verdade se constitui numa nova espécie do gênero investigatório, de natureza administrativa, a cargo do Estado / administração.

Nem se diga que a hipótese será de conflito de competência em razão de o Ministério Público ter requerido ao juízo o encaminhamento das peças investigatórias a uma vara criminal comum, isto porque ainda assim estar-se-á atuando no campo do procedimento administrativo, pois mesmo que o juiz tenha acolhido o requerimento ministerial, dirigindo o feito ao juízo comum, não se poderá classificar este ato como jurisdicional, visto que não há ainda processo, não se podendo extrair deste ato judicial, que guarda natureza administrativa, que o órgão jurisdicional negou a sua competência .

No Estado do Rio de Janeiro, por força da criação das Centrais de Inquérito, onde os investigatórios não são mais distribuídos às Varas Criminais, indo diretamente ao Promotor de Justiça encarregado da investigação penal (desde que não haja providência de cautela ou contracautela a ser apreciada pelo Poder Judiciário), entendemos que na hipótese de complexidade ou circunstância do fato, quando uma destas for reconhecida no Juizado Especial Criminal, da mesma forma deverá ser determinada a baixa na distribuição e encaminhadas as peças à Central de Inquéritos, aonde haverá um Promotor de Investigação Penal com atribuição para apreciar a questão.

Aqui também poderá acontecer que o Promotor de Investigação Penal venha a entender que não existe qualquer complexidade no fato e que a denúncia oral poderia ter sido oferecida no juizado, razão pela qual deverá suscitar o conflito negativo de atribuição a ser dirimido pelo Procurador-Geral de Justiça.

Finalmente, questão que pode vir a causar polêmica é aquela relativa ao fato complexo ou circunstância que impediu a denúncia oral, por isso deslocada a sua apreciação para a atribuição do Promotor de Justiça junto ao juízo comum, ou ao Promotor de Investigação Penal, e que com a realização de algumas diligências, concluídas as investigações, apontaram, como inicialmente vislumbrado pela autoridade policial, para uma infração de menor potencial ofensivo. De quem será a atribuição para atuar no feito ?

Sem prejuízo de refazer-se este posicionamento no futuro, entendemos que a solução a ser adotada deverá ser aquela prevista no parágrafo único do art. 66, vale dizer, a atribuição será do Promotor de Justiça em exercício junto ao juízo comum, ou do Promotor de Investigação Penal, isto porque o dispositivo legal aqui mencionado estabelece que encaminhadas as peças ao juízo comum este deverá adotar o procedimento previsto em lei.

Estabelecida esta regra geral, o que se pode concluir é que a referência a “procedimento previsto em lei”, constante do texto legal, excluiu o procedimento sumaríssimo que é próprio do juizado e, por via de conseqüência, a competência deste, pelo que então restará, se for o caso de propositura de ação penal, seguir-se o rito próprio conforme a infração penal praticada, o que se fará no juízo comum e pelo Promotor de Justiça que lá goze de atribuição, ou, no caso do Estado do Rio de Janeiro, a opinio a ser emitida será a do Promotor de Investigação Penal.

Autor : Walberto Fernandes de Lima
Promotor de Justiça e Professor de Direito Processual Penal
do Curso Preparatório da AMPERJ

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