Julgamento da ADPF 190 pode afetar leis de outros municípios

Autores: Luiz Roberto Peroba Barbosa, Saul Tourinho Leal, Renato Caumo e Ana Carolina Carpinetti (*)

 

Em 29 de setembro de 2016, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 190, ajuizada, pelo governador do Distrito Federal, em face de dispositivos da legislação do município de Poá que permitiam a exclusão de tributos federais da base de cálculo do Imposto sobre Serviços (ISS).1

O referido julgamento fixou a seguinte tese: “É inconstitucional lei municipal que veicule exclusão de valores da base de cálculo do ISSQN fora das hipóteses previstas em lei complementar nacional. Também é incompatível com o Texto Constitucional medida fiscal que resulte indiretamente na redução da alíquota mínima estabelecida pelo artigo 88 do ADCT, a partir da redução da carga tributária incidente sobre a prestação de serviço na territorialidade do ente tributante.”

Mesmo sem a publicação do respectivo acórdão, cabe ponderar sobre os possíveis impactos que essa decisão já pode ocasionar aos demais contribuintes, tendo em vista que a tese foi fixada pelo STF em termos amplos, a sugerir sua aplicação a outras situações além daquela específica de Poá, bem como que o §3º do artigo 10 da Lei 9.882/99 dispõe que a decisão em ADPF “terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público.”

Nesse contexto, muito embora seja possível defender que os efeitos da decisão tida na ADPF 190 se aplicam apenas ao caso concreto do município de Poá, existe o risco de o STF considerar que leis e medidas fiscais (por exemplo, regulamentos, regimes especiais etc.) editados por outros municípios se tornaram inconstitucionais desde 15/12/2015, data estabelecida para fins da modulação de efeitos da decisão na ADPF 190. Isso, claro, na hipótese dessas leis e medidas terem o efeito prático de reduzir a carga tributária do ISS abaixo do limite mínimo de 2% fixado no artigo 88 do ADCT.

Sendo esse o caso, vale analisar qual será a consequência dessa decisão para as empresas, bem como se as autoridades fiscais municipais poderão/deverão (i) continuar a aplicar as leis e regimes contrários ao que foi estabelecido pelo STF, ou (ii) exigir o recolhimento do ISS supostamente não recolhido desde 15/12/2015 em razão de incentivos fiscais municipais tidos por inconstitucionais, especialmente se em vista da possível responsabilização das autoridades públicas (prefeitos, fiscais municipais etc.) por improbidade administrativa, descumprimento de regras orçamentárias etc.

Além disso, não se pode deixar de considerar que (i) o artigo 13 da Lei 9.882/99, combinado com o artigo 156 do Regimento Interno do STF, autoriza qualquer interessado (outros contribuintes, prefeituras municipais, Ministério Público etc.) a ingressar com Reclamações, diretamente no STF, para questionar medidas em desacordo com o que for decidido em uma ADPF; e (ii) que o STF considera que a Reclamações não constituem recurso, ação ou incidente processual e, portanto, não visam declarar, homologar ou constituir direito específico de parte alguma (ADI 2.212).

Como consequência, eventual decisão que reconheça a inconstitucionalidade de lei ou medida fiscal municipal em desacordo com a tese fixada pelo STF possivelmente terá efeitos retroativos, pois tal inconstitucionalidade é pressuposto da própria Reclamação.

Ademais, vale destacar que o STF já decidiu, no julgamento da Reclamação 24.686/RJ, que esse tipo de medida só seria cabível depois de esgotados todos os recursos cabíveis nas instâncias antecedentes, o que poderia representar um obstáculo relevante para o uso de Reclamações em disputas concretas envolvendo leis e medidas fiscais que estejam em desacordo com a tese fixada na ADPF 190.

Mesmo que tal obstáculo seja superado, o proponente de uma Reclamação teria ainda que demonstrar que a situação concreta levada até o STF por meio desse tipo de medida seria, de fato, idêntica àquela formadora do precedente da ADPF 190, o que não é tarefa simples, tendo em vista que (i)as regras de cada município possuem peculiaridades próprias, que podem dissociá-las do caso concreto julgado na ADPF 190, e (ii) nem sempre os atos administrativos instituidores de incentivos fiscais são disponíveis ao público em geral, como seria o caso de regimes especiais estabelecidos diretamente entre as prefeituras e contribuintes.

Não obstante o exposto acima, é importante que os contribuintes fiquem atentos para essa questão, bem como tenham o cuidado de analisar se eventual declaração de inconstitucionalidade de regras fiscais do ISS que tenham o efeito prático de reduzir a carga tributária efetiva abaixo do piso de 2% poderão afetar seu plano de negócios, ou impactar seus resultados de maneira determinante.

 

 

 

 

 

 

 

 

Autores: Luiz Roberto Peroba Barbosa é advogado, sócio da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados.

Saul Tourinho Leal é professor de Direito Constitucional. Doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP.

Renato Caumo é advogado, associado da área tributária de Pinheiro Neto Advogados, e membro do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas.

 Ana Carolina Carpinetti é associada sênior da área tributário do escritório Pinheiro Neto Advogados.


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