Autor: Francisco Fragata Júnior (*)
Qualquer medida que vise reduzir os juros pagos pelos consumidores é sempre bem-vinda. Todos torcem para que a remuneração do capital emprestado seja reduzida. O esforço do governo em promover a redução dos juros rotativos do cartão de crédito deve ser acolhido com esperança. Porém, o pouco que se viu a respeito do tema traz inúmeras dúvidas.
Antes de maiores considerações, é preciso ressaltar que os juros de cartão de crédito são, por sua natureza, os mais altos do mercado. E isto tem uma razão: o maior risco assumido pelas administradoras.
Não é difícil entender: O cadastro do portador do cartão junto às administradoras não é atualizado. As informações são fornecidas quando o interessado ingressa no sistema e assim se mantêm ao longo de anos. É evidente que o comportamento do consumidor no uso e pagamento de suas compras mensais ajuda as administradoras a avaliar seus riscos. Mas até certa medida.
Um contratempo grave, que altere rapidamente essa situação, não será percebido facilmente pelas administradoras. Além disso, não há certeza de que, uma vez inadimplente o consumidor, será fácil cobrá-lo. Seu patrimônio é desconhecido. Isto também ocorre, com um pouco menos de risco, no cheque especial, onde o cadastro é mais atualizado. Por isso, os cheques especiais estão em segundo lugar na lista dos juros mais altos. Em outras modalidades de empréstimos, há garantias pessoais ou patrimoniais.
Por ser o mais elevado da escala de juros, não parece ser aí o local ideal para iniciar esse combate. Seria uma grave distorção os cartões oferecerem juros mais baixos, como, digamos, 100% ao ano, enquanto alguns financiamentos de melhor qualidade têm juros maiores.
Isto posto, vamos analisar os tais juros de 475,8% ao ano mencionados pelo governo e repetidos pela imprensa. Eles decorrem de uma taxa mensal de 17,25% ao mês, aplicada exponencialmente (juros sobre juros), como se nada fosse pago ao longo do ano. Porém, não é isto que ocorre.
O portador é obrigado a pagar um valor mínimo de sua fatura, em geral o equivalente a 20% do saldo devedor. O valor mínimo é maior que o dos juros mensais cobrados, portanto. Assim, se for um pagador regular, o valor irá diminuindo mês a mês e os juros serão menores, já que serão aplicados sobre um saldo devedor menor.
Aplicada essa regra, o percentual dos juros pagos em um ano, calculados sobre o valor inicial, é de 178,40%. E se considerarmos os primeiros “30” dias sem juros — prazo entre a compra e o primeiro vencimento da fatura — estes caem para 165,70%, ou seja: menos do que a metade divulgada pelo governo.
Sem dúvida que ainda é muito. Para uma inflação anual de menos de 10%, é difícil entender que haja motivos para juros tão altos, ainda que se acrescentem os impostos e o lucro das operadoras. A não ser que se leve em conta que há um percentual de inadimplentes elevado a justificar a taxa cobrada.
Nunca é demais lembrar também que a anuidade paga pelo portador e a taxa cobrada do estabelecimento deveriam bastar para sustentar os custos operacionais envolvidos.
Mas vamos ao remédio. A proposta do governo é de, 30 dias após o pagamento da primeira parcela do rotativo, transformar o saldo devedor em empréstimo com parcelas fixas. Isto decerto reduz os juros. Mas não muito, pois a administradora tem as mesmas incertezas de sempre: cadastro desatualizado e falta de garantias.
Cogita-se um prazo de até 24 meses para esse empréstimo. Ou seja: um portador de cartão poderá ter 24 empréstimos consecutivos apenas com uma administradora. Parece um pouco complicado.
Por outro lado, é interessante o que se viu nas propostas sobre o cadastro positivo, que deve ajudar na administração do crédito. Isso, sim, pode reduzir um pouco os juros.
O que se pode dizer é que a intenção de reduzir as despesas do consumidor é louvável. Mas ainda teremos muita conversa até atingirmos um patamar decente e desejável de juros rotativos no cartão de crédito e demais financiamentos disponíveis. Mesmo assim, o rotativo do cartão deverá continuar sendo o maior do mercado.
Autor: Francisco Fragata Júnior é sócio de Fragata e Antunes Advogados, escritório especializado em relações de consumo.