Justiça brasileira precisa de estratégia de marketing

O símbolo da Justiça é uma mulher segurando uma balança, com os olhos vendados. Ela não enxerga porque a lei é igual para todos e o direito será dado a quem o tem, independentemente do status social da pessoa que o pleiteia. Isso não significa que a Justiça seja cega, mas que tratará a todos igualmente. Depois de realizado o julgamento, é possível retirar a venda dos olhos…

Em decorrência dessa constante preocupação de manter a imparcialidade, os membros do Poder Judiciário acabaram se distanciando da população. Ao não emitir opinião acerca de assuntos polêmicos, não se pronunciar fora dos autos, não participar de discussões de temas de interesse da sociedade e até restringir os amigos, tornaram-se desconhecidos e, por isso, temidos. Até o presidente da República, pessoa informada e esclarecida, chegou a dizer que o Judiciário teria uma “caixa preta”, dando a entender que há mistérios nas atividades dos julgadores que precisam ser esclarecidos. Foi um engano.

Não existem tais obscuridades, mas situações fáceis de ser compreendidas. Os processos se multiplicam assustadoramente e, por mais que os profissionais da área se esforcem, os atrasos são inevitáveis. A Justiça padece dos mesmos problemas dos demais serviços prestados pelo Estado, ou seja, é deficitária e pouco eficiente.

É claro que a receita para resolver o problema existe e deve ser urgentemente aplicada. É preciso simplificar os procedimentos e diminuir o número de recursos; aproveitar melhor os quadros qualificados, como, por exemplo, os membros do Ministério Público de segunda instância, que hoje são sub-utilizados em suas atuações. Além disso, seria importante regionalizar os Tribunais, levando-os para as cidades grandes do interior e evitando a concentração dos recursos nas Capitais. Acima de tudo, seria indispensável racionalizar o serviço dos Tribunais Superiores, isto é, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, onde há poucos juizes e as demandas costumam levar muito tempo para serem julgadas.

O ideal é que nenhum processo se alongue por mais de dois anos para ser definitivamente resolvido. Ninguém merece esperar mais do que isso para obter a prestação jurisdicional que requereu. Ainda assim, mesmo que seja resolvido o problema da morosidade, será preciso que a Justiça faça o investimento necessário para se comunicar com a destinatária dos seus serviços, a sociedade.

Em palestra no 18º Congresso Brasileiro de Magistrados, o publicitário Duda Mendonça afirmou que os juízes deveriam estar presentes nos meios de comunicação, falando no rádio, na televisão, nos jornais, pois “o fato da Justiça ser cega não significa que ela precise ser muda” (Folha, 25/10/2003). Nem muda, nem surda, podemos acrescentar.

A Justiça só tem uma saída, que é se aproximar do povo. Deixar o isolamento, que talvez fosse justificável em outros tempos, mas hoje não mais. O Brasil cresceu, tem 170 milhões de habitantes, e é impossível conversar com os jurisdicionados sem que seja através dos veículos de comunicação de massa. Se o povo não entende, não conhece e está insatisfeito com o trabalho do Judiciário qualquer campanha deletéria contra seus membros encontrará campo fértil na opinião pública.

Como se viu durante a reforma da previdência, bastou que pessoas mal informadas ou mal intencionadas alardeassem que os vencimentos dos magistrados e membros do Ministério Público alcançavam cifras enormes para que o povo acreditasse e passasse a odiar justamente quem sempre lutou para bem servi-lo.

Por essa razão, o silêncio terá de terminar. Os meios de comunicação precisarão ser usados pelos aplicadores da Justiça, assim como são constantemente usados pelos Poderes Executivo e Legislativo. Ainda conforme declarações de Duda Mendonça, os demais poderes da República “aparecem mais na imprensa porque souberam se profissionalizar; será que os juízes têm uma boa assessoria de imprensa?”.

Na verdade, será preciso ir além da assessoria de imprensa, buscando-se uma estratégia de marketing que consiga mostrar à população o que realmente acontece nos meandros da Justiça. A discussão que virá com a reforma do Judiciário, atualmente em estudo no Ministério da Justiça, no Congresso Nacional e no próprio Poder Judiciário, somente será bem sucedida, no sentido de atacar e reformar os pontos que realmente melhorem a tramitação dos processos, se a sociedade puder acompanhar as propostas com total transparência. Espera-se que a reforma do Judiciário venha para atender aos anseios da cidadania, não para trazer mais economia ao Poder Executivo.

Ao mesmo tempo, com os canais abertos aos reclamos da população, será possível ao Judiciário ouvir o povo e atender melhor as demandas. Os caminhos da democracia exigem um esforço de comunicação inédito para a Justiça, mas extremamente benéfico. Desde os tempos do Chacrinha que tudo mundo sabe — Quem não se comunica se estrumbica

Luiza Nagib Eluf é procuradora de Justiça de São Paulo e autora do livro A paixão no banco dos réus, entre outras obras

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