Justiça do Trabalho e sua competência penal

Após vários anos de acirradas discussões jurídicas, no final do ano pretérito foi promulgada pelo Congresso Nacional a Emenda Constitucional n.º 45 que tratou a respeito da Reforma do Poder Judiciário. Novas regras foram introduzidas envolvendo os diversos segmentos que compõem a estrutura deste Poder. Dentre elas, encontramos a alteração do artigo 114 da Constituição Federal, modificando a competência da Justiça do Trabalho. Muito se debate a respeito das novas atribuições da justiça especializada, como por exemplo a competência ou não para julgamento de lide envolvendo acidente de trabalho, servidores estatutários, dentre outras. Entretanto, pouco se fala a respeito de sua competência para julgar lides penais.

A anterior redação do artigo 114 da Constituição Federal disciplinava o alcance da Justiça do Trabalho para solução de dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores. Porém, a partir da promulgação da Emenda Constitucional 45, o novo artigo 114 da legislação em comento, em seu inciso I, disciplina ser agora competência da Justiça do Trabalho “…as ações oriundas da relação de trabalho,…”. Com efeito, analisando ambas as disposições, notamos que a nova redação ampliou indubitavelmente a competência da Justiça Especializada, deixando de solucionar apenas dissídios entre empregado e empregador, passando a decidir lides envolvendo ações oriundas da relação de trabalho. Ora, a competência abrange agora qualquer tipo de ação envolvendo relação de trabalho, incluindo-se a ação penal.

Não há em nossa Constituição Federal qualquer dispositivo que afaste a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento de ações penais envolvendo relação de trabalho, exceto o disposto no artigo 109, I, que estendia à Justiça Federal a competência para julgar casos provenientes da Justiça do Trabalho. Ainda, o próprio artigo 114, em sua nova redação, apresenta o inciso IV dispondo expressamente a cerca da competência da Justiça do Trabalho no julgamento de habeas corpus. Sabemos que este remédio constitucional não se projeta exclusivamente no campo penal ou processual penal, sendo cabível também em outros ramos do direito. Todavia, é o habeas corpus utilizado para “tutelar o direito de liberdade corpórea do indivíduo quando estiver sendo lesado ou ameaçado de sê-lo abusivamente por qualquer pessoa, aqui se incluindo o particular, embora a matéria não seja pacificada.” (1) Apesar desta conclusão, não se pode olvidar que a possibilidade do juiz do trabalho decidir a respeito de habeas corpus tornou-o apto a conhecer as causas penais decorrentes.

Várias lides criminais são decorrentes de relação de trabalho. Ademais, além das normas gerais que poderão ser invocadas na adequação típica de fatos penais envolvendo questões trabalhistas, encontramos no Código Penal o Título IV dispondo sobre os crimes cometidos contra a Organização do Trabalho, artigos 197 a 207, a saber, atentado contra a liberdade de trabalho; contra a liberdade de contrato de trabalho e boicotagem violenta; contra a liberdade de associação; paralisação de trabalho, seguida de violência ou perturbação da ordem; paralisação de trabalho de interesse coletivo; invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola, sabotagem; frustração de direito assegurado por lei trabalhista; frustração de lei sobre a nacionalização do trabalho; exercício de atividade com infração de decisão administrativa; aliciamento para o fim de emigração e aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional.

Para delimitarmos o poder jurisdicional, encontramos como primeiro plano a competência ditada pela Constituição Federal. Conforme salientou o saudoso Professor Júlio Fabbrini Mirabette, “…distribuindo o poder de julgar entre os vários órgãos jurisdicionais, levando em conta a natureza da lide, a Carta Magna prevê, de um lado, as chamadas “jurisdições especiais” ou “justiças especiais” (2). Neste caso, qualquer delito envolvendo relação de trabalho, ficará afastada a competência da Justiça Comum, não ocorrendo a aplicação do artigo 109, I da Constituição Federal, uma vez que a jurisdição especial prevalece sobre a jurisdição comum, e a ação penal deverá ser proposta pelo Ministério Público ou querelante, nos casos de ação penal privada ou subsidiária, na Justiça do Trabalho. Deve-se aqui ressaltar que a Lei Complementar 75/93 não delimita expressamente poderes ao Ministério Público do Trabalho em propor ação penal, todavia, tal lacuna ficou suprimida pela nova regra constitucional.

O assunto é polêmico e deve ser analisado com propriedade. Em sentido contrário ao que foi aqui defendido encontramos posicionamento do Juiz do Trabalho do Mato Grosso do Sul Francisco das Chagas Lima Filho que defende a não ampliação da competência da Justiça do Trabalho para ações penais, citando como exemplo a Espanha, onde este tema passou por tal discussão e a doutrina pontifica que a competência continuou sendo da Justiça Criminal. (3)

Na lição do Magistrado Antonio José Miguel Feu Rosa encontramos a expressão “nemo judex neque ultra, neque supra fines jurisdictionis suae” – nenhum juiz pode julgar fora dos limites de sua competência.” (4) Em que pese opiniões em contrário, interpretando o atual artigo 114, inciso I de nossa Constituição Federal é possível concluir que as lides criminais envolvendo relações de trabalho devem ser propostas e julgadas na Justiça do Trabalho, enquanto que a competência investigativa continua afeta à polícia judiciária, através da Polícia Civil e Polícia Federal.

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Notas

1 MOSSIN, Heráclito Antônio. Curso de processo penal. v. 4. Ed. Atlas, 1998, p. 20

2 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. Ed. Atlas, 2001, 11. ed. p. 170

3 LIMA FILHO, Francisco das Chagas. A nova competência da Justiça do Trabalho. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 560, 18/01/2005. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6177. Acesso em 18/01/2005.

4 ROSA, Antonio José Miguel Feu. Processo Penal. Ed. Consulex, p. 187

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De Paulo Henrique de Godoy Sumariva
delegado de Polícia, professor universitário, especialista em Direito pela UNIRP

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