Márcio Cozatti
O princípio da isonomia (igualdade) é o princípio constitucional informador da concessão, pelo Estado, do benefício da Justiça Gratuita, permitindo a todos, pobres ou ricos, o acesso ao Poder Judiciário. Assim, o princípio de que “todos são iguais perante a lei”, é a gênese do benefício da Justiça Gratuita.
As normas estabelecidas no direito positivo brasileiro, que concedem os benefícios da Justiça Gratuita aos necessitados, estão, em sua maior parte, contidas na Lei Federal nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950. Tal diploma legal foi recepcionado pela Constituição Federal promulgada em 05/10/1988, vindo a regulamentar seu art. 5º, inciso LXXIV (“o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”).
Invocando-se o princípio isonômico, conclui-se que, qualquer pessoa, física ou jurídica, brasileira ou não, residente no Brasil ou não, é beneficiária da Justiça Gratuita, nos termos da Lei Federal nº 1.050/60, mais especificamente em seu art. 2º.: “Gozarão dos benefícios desta Lei os nacionais ou estrangeiros residentes no País, que necessitarem recorrer à justiça penal, civil, militar ou do trabalho. Parágrafo único. Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família”.
Através da presente Lei Federal, estabelece-se a isenção ao necessitado, de custas, despesas processuais, bem como de honorários advocatícios. Desta forma, permite o Estado que qualquer do povo, por mais necessitado que seja, tenha acesso ao Poder Judiciário, podendo, desta forma, exercer direitos conceituados como fundamentais, permitindo, pois, a construção de uma sociedade mais justa e solidária.
Necessitado, nos termos da lei é “todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família”. Portanto, o necessitado poderá ser tanto a pessoa física como jurídica que se encontre em dificuldade financeira.
O instituto da gratuidade de acesso à Justiça, numa interpretação teleológica, invocando-se o princípio da isonomia, pode ser aplicado à pessoa jurídica sem ferir seus objetivos. Ao contrário, interpretando-se a Lei Federal nº 1.050/60 desta forma, extrai-se dela, salvo melhor entendimento, suas reais finalidades. Portanto, o acesso à Justiça gratuita é extensível as pessoas jurídicas. Neste sentido já decidiu, em 10/03/1999, a Colenda 15ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no Agravo de Instrumento nº 599076718, tendo como Relator o Desembargador Manoel Martinez Lucas: “É cabível a concessão do benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica, mormente quando se trata de microempresa – cabe a parte contrária a impugnação – agravo provido.” O mesmo Desembargador, em 02/09/1998, já houvera decidido no mesmo sentido: “É cabível a concessão do benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica, mormente quando se trata de microempresa e não houve prova da parte adversa a demonstrar ter o pretendendo boa situação financeira. Agravo desprovido.” (TJRS – AI 598126753 – RS – 15ª C.Cív. – Rel. Des. Manuel Martinez Lucas – J. 02.09.1998). No mesmo sentido é o entendimento da Colenda 16ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, através do Ínclito Relator Desembargador Jayro Ferreira, em 30/04/1999, decidiu : “Justiça gratuita. Pessoa jurídica. Microempresa. Não há qualquer óbice de ordem legal para que a pessoa jurídica em dificuldade financeira também seja beneficiária da gratuidade de justiça. Agravo provido”. (LCR) (TJRJ – AI 65/99 – (Reg. 110.599) – 16ª C.Cív. – Rel. Des. Jayro S. Ferreira – J. 30.04.1999)
Ressalte-se que, no caso específico da “microempresa individual” (comerciante individual, vale dizer, “comerciante que não tiver sócio”, nos termos do art. 3º, do Decreto nº 916, de 24/10/1890), recai, além dos regramentos de pessoa jurídica, os próprios de pessoa física. Acresça-se à tal entendimento que a “microempresa individual” tem seu patrimônio confundido com o da pessoa física que a exerce, sendo uma ficção legal a distinção entre empresa e empresário. A noção de empresa individual corresponde à de empresário individual, confundindo-se, pois, a figura do necessitado.
Destarte, o direito constitucional à Justiça Gratuita é extensível à pessoa jurídica, e, com mais razão, à pessoa física titular de empresa individual, em situação financeira que não o permita demandar ou ser demandado sem prejuízo do sustento próprio, ou da família.
Diante do exposto, não se afasta da pessoa jurídica, e, com mais razão da “microempresa individual”, que se encontre em dificuldade financeira, a possibilidade de ser contemplada com o benefício da Justiça Gratuita, atendido, por óbvio, os requisitos da Lei Federal nº 1.060/50. Se assim não o fosse, estar-se-ia negando o alcance da garantia constitucional da isonomia.
MÁRCIO COZATTI – OAB/SP 121.829 – Advogado em Jundiaí/SP. Ex-Procurador Judicial do Município de Várzea Paulista/SP. Pós-graduado “sentido lato” em Direito Empresarial pela Escola Superior de Advocacia – São Paulo – OAB/SP. E-mail: marcio@nadalecozatti.com.br / marcio.cozatti@aasp.org.br