Marcelo Batlouni Mendroni
Século 17. Pirataria era uma proposta cara. Havia um alto custo manter um navio pirata, posto que muitas coisas eram obtidas através de hostilidade assumida. Uma vez admitida a pirataria, a tripulação necessitava ser alimentada e paga; o navio tinha que ser mantido, armas deviam ser estocadas com pólvora e munição.
Muitas coisas eram obtidas através de roubos, mas muitas outras através dos portos amigos. Aí mercadores providenciavam coisas para o navio, roupas, cerveja, vinho, munição, enquanto oficiais corruptos fechavam os olhos para a presença de saqueadores no seu setor de vigilância. Mas então os piratas, após saquearem e roubarem não enterravam as “arcas dos tesouros”, como se possa imaginar. Isto é apenas folclore. O Navio pirata necessitava de “dinheiro” para funcionar. Na verdade eles mantinham um esquema de lavagem de dinheiro a exemplo do que se observa nos dias atuais. Eles depositavam – entregavam, ou “colocavam” (placement) o lote e mercadorias (ouro, moedas espanholas, peças caras de ouro e prata) com mercadores americanos de reputação; que as trocavam por várias quantias menores ou por moedas mais caras.
As cargas dos navios capturados eram muito procuradas pelos mercadores americanos. Não havia real necessidade de acomodação (layering), já que os piratas operavam abertamente e as mercadorias eram facilmente aceitas e trocadas. Integração (integration) dos fundos lavados se tornava importante somente quando o pirata resolvia se aposentar, e todos o faziam na então alegre velha Inglaterra. Lá, aportando a gama de valores amealhadas, pela falta de documentação um pirata aposentado podia tranqüilamente trazer consigo uma verdadeira fortuna ganha aparentemente nas colônias sob a aparência de realização de negócios legítimos.
Qual a lição que se depreende após estes 300 anos?
1- Em primeiro lugar que lavagem de dinheiro é uma proposta facilmente executada se houver a cooperação e assistência de pessoas do governo, dos bancos e dos negócios.
2- Sem um efetivo processo para a lavagem do dinheiro, os piratas não conseguiriam facilmente lavá-lo. Em lugares como na Inglaterra os piratas não teriam conseguido facilmente lavar o seu dinheiro, não como o conseguiam em qualquer outro lugar.
Não por acaso ou coincidência os atuais lavadores de dinheiro buscam os chamados paraísos fiscais – países em que as legislações e o comércio são mais frouxos e, portanto, mais facilmente utilizados.
A investigação dos crimes de lavagem de dinheiro passa, quase sempre, por obtenção de dados do dinheiro depositado no exterior. Se a transferência dos fundos é atualmente extremamente fácil e ligeira, já a obtenção dos dados é demorada, cansativa e burocrática, na maioria dos casos. É possível transferir muito dinheiro em pouco tempo, através de transações eletrônicas, mas conseguir os dados dos extratos exige cooperação dos países onde os valores foram depositados, e muitos deles não são muito colaboradores.
É preciso, portanto, que sejam montadas fortes estruturas para a investigação destes crimes, com o objetivo de investigá-los e conseguir, com menos tempo possível, fazer retornar os valores para o país de origem. Isso exigiria a formação de equipes especializadas no âmbito das Promotorias de Justiça, com treinamentos específicos (na maioria dos casos conseguidos somente no exterior) que contassem com corpo de policiais próprios, e experts de todas as áreas financeiras – bancária, acionária, contábeis etc.
É um passo firme e inevitável ao sério combate ao crime de lavagem de dinheiro, sabidamente globalizado, e que exige, inevitavelmente, alto investimento, mas que viabiliza excelente retorno no combate à criminalidade econômica
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