Paulo Lavenère Machado Neto*
Enfim é posto termo as controvérsias na doutrina brasileira, no que se refere a obrigatoriedade de apresentação de comprovante de matrícula no Instituto Nacional do Seguro Social(INSS), no caso de obra de construção civil, quando do fornecimento do alvará, bem como de comprovante de inexistência de débito para com a seguridade social, quando da concessão do habite-se, por parte das Prefeituras Municipais. É o fim também para as pesadas multas que vinham sendo aplicadas a prefeitos e servidores, pela não exigência desses documentos.
A questão, nos parece que tem como tema central a Autonomia Municipal, envolvendo também noções Poder de Polícia, inconstitucionalidade e expedição de alvará ou habite-se condicionada a exibição de certidão negativa de débito junto ao INSS.
Inicialmente, cumpre destacar e até transcrever, o dispositivo legal gerador de toda a celeuma instaurada na doutrina e na jurisprudência do País. Foi justamente o artigo 50, da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991 o causador de tamanha polêmica jurídica, e tem a seguinte redação:
“É obrigatória a apresentação de comprovante de matrícula no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no caso de obra de construção civil, quando do fornecimento do alvará, bem como de comprovante de inexistência de débito para com a seguridade social, quando da concessão do habite-se, por parte das Prefeituras Municipais.”
Debruçados sobre esse dispositivo da Lei, expoentes da cultura jurídica nacional dividiram-se, e duas principais correntes de entendimento se formaram. Há os que apontam a flagrante inconstitucionalidade do dispositivo, que segundo esse segmento doutrinário fere de morte a Autonomia Constitucional dos Municípios. Dessa forma, somente através de convênio, a administração municipal poderia assumir o compromisso de ser agente fiscalizador ou arrecadador de tributos ou contribuições federais para multi referida Autarquia.
Outros, não menos expressivos, porém minoritários, interpretando o dispositivo legal, chegaram até a entender que não haveria violação do Texto Constitucional, justamente porque em momento algum foi condicionado o fornecimento de alvará e habite-se à apresentação daqueles documentos alencados no mesmo artigo 50 da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991. Para esses pensadores, em apertada síntese, não teria havido violação da Autonomia Municipal concedida pela Constituição Federal de 1988 e justamente por isso não haveria inconstitucionalidade.
Sem dúvida, a questão ensejava grande controvérsia doutrinária e jurisprudencial, principalmente pelas reflexões acerca da inconstitucionalidade, que inexoravelmente suscitam temas como Poder de Polícia, multas, soberania, competência e autonomia municipal.
Nossa história evidencia que não raro, os Municípios, são submetidos pelo INSS a todo tipo equívoco como se fossem cobaias de laboratório. Veja-se que, legalmente (pela redação inicial do art. 50 da Lei 8.212 e do Decreto 612, de 21 de julho de 1992), o Município foi submetido a todo tipo de absurdo, chegando-se até ao extremo de estabelecer penalidade para os agentes políticos e dirigentes de órgãos públicos. Evidente que o próprio Governo Federal tem participação decisiva em todo esse processo, porque é justamente quem cria esses mecanismos que obrigam os Municípios a se submetem incondicionalmente a essas barbaridades.
Como dissemos, e gostaríamos de sublinhar, até multas foram aplicadas pela Autarquia à pessoa física de prefeitos e servidores municipais, por não darem cumprimento aos abusos e absurdos. Ao mais rústico dos acadêmicos de Direito é perceptível o grosseiro equívoco cometido pela Lei. Tanto o prefeito como os servidores são agentes do poder da administração sendo descabida qualquer medida que ataque a pessoa física do prefeito ou do servidor.
Demais disso, para solidificar ainda mais o grave equívoco, até então a situação era prevista no Decreto n.º 612, de 21 de julho de 1992, que continha no seu âmago o mais grosseiro erro jurídicos, qual seja, a penalidade pecuniária ao servidor que deixasse de exigir os documentos de inexistência de débito junto ao INSS, quando da liberação de alvará e habite-se, e incrivelmente até a própria pessoa física do prefeito.
A Lei Federal n.º 9.476, de 23 de julho de 1997, emerge como um feixe de luz num universo de trevas criados pelos diplomas legais até então vigentes, pondo termo as discussões travadas na doutrina e na jurisprudência. Ela vem justamente para oferecer nova redação ao artigo 50, da Lei 8.212, e expressamente, no artigo terceiro anistiar a pessoa física do prefeito e servidores municipais (agentes políticos e dirigentes de órgãos públicos).
Pela redação do art. 50 no novo diploma legal, o Município deverá fornecer a fiscalização do INSS, por intermédio do órgão competente a relação contendo os alvarás de construção civil e documentos de habite-se concedidos.
Pelo exposto, fica amplamente evidenciado, e não resta a menor dúvida quanto ao descabimento total da imposição de multas aos agentes políticos e dirigentes de órgãos públicos, e também quanto a necessidade de se exigir os documentos de inexistência de débito junto ao INSS. Resta também esclarecida a questão da inconstitucionalidade contida no art. 50, após a redação fornecida pela Lei 9.476/97.
Finalmente cumpre-nos lembrar, e fazer a ressalva de que, poderá o Município, através de convênio, firmar compromisso de, com a multicitada Autarquia Federal, exercer a fiscalização no sentido de cobrar os documentos de regularidade junto ao INSS, quando da liberação dos pedidos de licença para construir ou por ocasião da concessão do habite-se.
Referências Bibliográficas:
1. Direito Municipal Brasileiro – Hely Lopes Meirelles (9ª Edição)
2. Fundamentos de Direito Público – Carlos Ari Sundfeld (3ª Edição)
3. O Controle dos Ato Administrativos e os Princípios Fundamentais – Juarez Freitas
4. Estudos e Pareceres de Direito Administrativo – Toshio Mukai (vol. 01)
5. Parcerias na Administração Pública – Maria Sylvia Zanella Di Pietro – 1996
Paulo Lavenère Machado Neto – advogado e consultor jurídico