Eduardo Carvalho
Lei da União Estável – a questão do prazo
Autor: *Eduardo Carvalho
Gostaria de propor, como tema de discussão, a Lei no. 9278/96, que passou a regular a união estável.
Em particular, tenho uma teoria que gostaria de expor, acerca da questão do prazo necessário para verificar-se a união estável.
Tem-se entendido que a Lei no. 9.278, por quedar-se silente, teria abolido a exigência prevista na Lei no. 8971/94, de 5 anos ou de um filho para caracterização da relação de companheirismo. Então as pessoas ficam perplexas, perguntando-se se com um mês de namoro já se pode caracterizar uma relação de concubinato, com direito a alimentos, sucessão, etc. etc.
Para resolver tal perplexidade, surgem soluções, a meu ver, “de lege ferenda”), como a que sugere a adoção do prazo de dois anos, por analogia com o requisito para concessão do divorcio.
Gostaria de colocar a questão sob outra perspectiva.
O intuito da Lei no. 9.278/96, a meu ver, é a de transformar o concubinato em uma figura contratual. Tal se depreende, em particular, do exame dos artigos vetados da lei (como o art. 3o, que previa o acordo escrito entre companheiros, e o art. 4o, que previa o seu registro). Por isso não cuidou a Lei no. 9.276 de estabelecer um “prazo” para o concubinato. O companheirismo não é mais uma situação jurídica decorrente de um “fato jurídico” (o decurso do prazo de 5 anos ou o nascimento de um filho), mas é um “acordo de vontades” que produz, desde logo, os seus efeitos. Assim como o casamento produz efeitos desde sua celebração, o concubinato produz efeitos (teoricamente) desde o acordo e vontades das partes, no sentido de manter uma convivência nos termos do art. 1o da Lei no. 9278.
Por isso, não cabe falar em equiparação do namoro ou do romance eventual ao companheirismo: somente o acordo de vontades no sentido de uma convivência “duradoura, publica e continua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”.
A meu ver, a despeito de o veto presidencial ter exatamente se proposto a impedir a “introdução da união estável contratual”, como se verifica nas razões do Presidente da Republica, entendo que restou ineficaz em seu propósito. Com efeito, depreende-se do contexto legal que, atualmente, a união estável é um contrato (senão, de que decorreriam os direitos e deveres previstos no art. 2o? E como poder-se-ia falar de “rescisão” no art. 7o?).
Posta a questão nestes termos, entendo que se aclara a questão da prova da união estável: a união estável se prova da mesma forma como se prova um contrato, ou seja, por declaração de vontade escrita.
Ora, se o Código Civil (art. 141) e o Código de Processo Civil (art. 401) reputam insuficiente a prova exclusivamente testemunhal de contrato cujo valor for superior a 10 salários mínimos, como se haveria de admitir a prova exclusivamente testemunhal de um contrato de alcance tão abrangente quanto o de união estável?
Como exemplos de declaração escrita, poder-se-ia apontar: a “estipulação em contrato escrito” a que se refere o art. 5o da Lei no 9.278/96; a declaração de dependência econômica perante entidade previdenciaria, em que se qualifique o companheiro como tal; e até mesmo o contrato de concubinato (que, embora não regulado pelo art. 3o, que foi vetado, não é vedado em lei, podendo ser celebrado como contrato inominado).
Desta forma se provaria o acordo de vontades no sentido de estabelecimento de uma união estável, independentemente de qualquer consideração acerca de prazo ou de existência de filhos. Não há exigência de prazo, mas sim necessidade de provas.
E nos casos em que não houver prova do acordo de vontades?
Simples. Nestes casos não se aplica a Lei no. 9.278, mas sim a Lei no. 8.971/94, que não cogita de prova do acordo de vontades, mas sim de prova dos fatos jurídicos de decurso de 5 anos de convivência, ou superveniência de prole. Portanto, a Lei no 9.278 não teria abrogado a Lei no. 8971, mas somente a derrogado, passando a regular os casos em que haja expressa declaração de vontade das partes no sentido de constituição de união estável.
Esta solução parece-me razoável, ao delimitar o âmbito de incidência de cada uma das leis e evitar as perplexidades decorrentes dos termos amplos da Lei no. 9278.
Será que alguém já pensou em alguma solução semelhante? Ou será que em algum momento a minha argumentação se afastou da lógica ou do bom senso?
Gostaria que os colegas da área jurídica colaborassem criticando a tese aqui proposta, e posicionando-se acerca do tema.
* O autor é Promotor de Justiça na 6a Vara de Fazenda Publica do Rio de Janeiro – Capital