Lei de SP que exige notificação antes de “sujar o nome” é constitucional

Autor: Tiago de Lima Almeida (*)

 

As maiores empresas que exploram os serviços de cadastros de consumidores no país têm se posicionado contra os consumidores ao atacarem de forma veemente, através dos mais variados veículos de comunicação, a importante Lei de São Paulo 15.659/15 que estabelece, em especial, a exigência de comprovação da entrega, mediante Aviso de Recebimento, da prévia comunicação ao consumidor da inadimplência a ele imputada, sendo tal requisito essencial para a ocorrência da deletéria publicidade de seus dados nas chamadas “listas negras”.

De acordo com a lei estadual, os órgãos de proteção ao crédito possuem a obrigação de comunicar previamente os consumidores antes da inclusão dos dados em bancos e cadastros de negativação, mediante Aviso de Recebimento, salvo se as dívidas já tiverem sido cobradas judicialmente ou tiverem sido protestadas, protesto este que, no Estado de São Paulo, não possui qualquer custo para sua apresentação, recaindo os emolumentos cartorários tão somente ao real devedor ou ao apresentante, quando da retirada do apontamento promovido.

Tais órgãos devem, também, exigir dos credores os documentos que atestam a exigibilidade da suposta dívida e a prova do suposto inadimplemento do Consumidor. Tais exigências conferem transparência e lisura ao processo de “negativação” do cidadão Paulista, e, a bem da verdade, vão ao encontro do que já estabelece o Código de Defesa do Consumidor a respeito.

Segundo os opositores da lei paulista que defendem a inserção do nome dos consumidores nos bancos de restrição ao crédito sem qualquer controle da realização de comunicação prévia, tal norma estadual seria inconstitucional por desrespeitar o limite de competência para legislar previsto no artigo 1º da Constituição Estado de São Paulo, que reflete os artigos 22, I, e 24, V, §1º e 3º, da Constituição Federal, tendo o Estado de São Paulo supostamente inovado e alterado os direitos e obrigações contidos no Código de Defesa do Consumidor.

Contudo, melhor razão não assiste, pois, a quem ataca a lei paulista, já que, ao editar a Lei 15.659/2015, o Estado de São Paulo nada mais fez do que se utilizar da competência legislativa concorrente, prevista no artigo 24 da Constituição Federal, que permite aos Estados a complementação de normas gerais editadas pela União atinentes ao consumo.

Oportunas são as palavras do renomado jurista doutor José Geraldo Brito Filomeno, um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, sobre a competência legislativa concorrente do Estado, no que diz respeito à produção e consumo:

“O CDC não disciplina com detalhes de que maneira o envio dos nomes de devedores inadimplentes deva ser feito, cabendo ao legislativo estadual fazê-lo. Até porque, no que diz respeito a produção e consumo, a competência legislativa é concorrente entre Estados, o Distrito Federal e a União, com as ressalvas previstas nos parágrafos do art. 24 da Constituição Federal.” (Artigo: Bancos de dados de devedores: lei paulista impõe justa salvaguarda)

No caso da lei paulista, a imposição aos órgãos de proteção ao crédito de comunicar previamente os consumidores antes da inclusão dos dados no SCPC e Serasa, mediante Aviso de Recebimento, salvo se as dívidas já tiverem sido protestadas ou tenham sido objeto de cobrança judicial, consagra o caráter protecionista do Código de Defesa do Consumidor, permitindo que o consumidor, parte hipossuficiente da relação de consumo, tenha a oportunidade de conhecer as minúcias da dívida antes de ter o seu nome negativado.

Ainda, a referida lei, sem modificar as diretrizes gerais estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor, complementou o quanto já previsto nos parágrafos primeiro e quarto do artigo 43 ao determinar que, para efetivar a inscrição, as empresas que mantêm os cadastros de consumidores residentes no Estado de São Paulo devem exigir dos credores os documentos que possam atestar a natureza da dívida, sua exigibilidade e também a inadimplência por parte do consumidor.

Não alheio a tal discussão, o doutor José Geraldo Brito Filomeno novamente pontua:

“Dentre as chamadas práticas comerciais tratadas pelo CDC, figuram os bancos de dados e cadastros de consumidores como uma das suas principais preocupações, com vistas a evitar os abusos praticados por seus gestores e fornecedores de produtos e serviços em face dos consumidores, ainda que inadimplentes. E essas preocupações começam com a própria inscrição e manutenção do nome do consumidor-devedor nesses bancos, em razão do que fica totalmente impedido de adquirir bens ou contratar serviços quando a concessão de crédito está envolvida.” (Artigo: Bancos de dados de devedores: lei paulista impõe justa salvaguarda)

Muito importante ressaltar que é inverídica a argumentação de que a lei é prejudicial aos consumidores, por causar um suposto abalo ao sistema creditício, tendo em vista que esta assegura que somente sejam incluídas informações verdadeiras de inadimplência nos cadastros negativos, aumentando, desta forma, a confiabilidade das informações ali prestadas, hoje sujeitas a inúmeros questionamentos, pois não são poucos os casos em que os consumidores adimplentes se deparam com seus nomes equivocadamente incluídos nas deletérias listas de proteção ao crédito.

Vale destacar que a discussão sobre a constitucionalidade da lei já alcançou o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de Justiça de São Paulo.

Em Brasília, o questionamento de constitucionalidade da lei paulista 15.659/2015 foi primeiramente feito pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), na ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 5.224. Após, a  Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e o governador de São Paulo, que vetou a lei, mas teve o seu veto derrubado pelo legislativo, ajuizaram respectivamente as ações 5.252 e 5.273, também no STF, igualmente visando a declaração de inconstitucionalidade da lei.

No Supremo Tribunal Federal, além de diversos partidos políticos e associações de defesa do consumidor, o Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil (IEPTB_, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Sindicato dos Advogados de São Paulo ingressaram como “amigos da corte” para defender a constitucionalidade da lei paulista. Nesse mesmo sentido foi o parecer da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República, que atestaram a constitucionalidade da exigência de Aviso de Recebimento na comunicação prévia feita ao consumidor que está na iminência de ter seu nome negativado.

Quanto ao Tribunal de Justiça de São Paulo, o seu Órgão Especial enfrentou pontualmente a discussão sobre a constitucionalidade da lei, através da ação direta de inconstitucionalidade 2044447-20.2015.8.26.0000 ajuizada pela Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp), e, por maioria de votos, decidiu pela validade dos efeitos do diploma legal sob o seguinte fundamento: “(…) a referida lei tratou sobre matéria típica de Direito do Consumidor, de competência legislativa concorrente entre União e Estados (artigo 24, inciso V, parágrafo 2º, da Constituição Federal), e, fazendo-o, apenas suplementou ao menos em juízo sumário as disposições gerais contidas na Seção I do Capítulo V do Título I do Código de Defesa do Consumidor, disciplinando em âmbito estadual os procedimentos a serem adotados pelos bancos de dados e cadastros de consumidores disciplinados por aquela lei federal”.

Do exposto, competente o Estado para legislar concorrentemente com a União sobre o direito do consumidor, percebe-se que o CDC prevê o direito da comunicação prévia, que deverá ocorrer antes de qualquer publicidade dos dados dos consumidores, e a lei paulista somente garantiu a efetividade da proteção do direito de informação ao consumidor, sendo que a comunicação prévia com aviso de recebimento, por parte dos órgãos de proteção ao crédito (Serasa, etc), garante ao consumidor o direito de pagar ou questionar a procedência do mesmo, evitando, com tal procedimento, o apontamento e negativação indevidos, que notadamente dão causa a inúmeras demandas judiciais.

 

 

 

 

Autor:  é sócio do Celso Cordeiro e Marco Aurélio de Carvalho Advogados.


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