Lei “Maria da Penha”

Lei “Maria da Penha”

O Brasil não é estranho ao problema da violência doméstica, ao contrário, somos líder mundial neste campo. Fatores como o alto índice de criminalidade de nossas cidades, baixo nível de educação da população em geral, má distribuição de renda e falta de planejamento familiar podem ser elencadas entre as causas deste problema, embora seja notório que não se trata de questão exclusiva entre pessoas de mais baixa renda e nível de instrução, pois é sabido que acontece também nos lares abastados.

Para tentar reduzir esta cruel realidade, muitas medidas foram adotadas ao longo dos anos, tanto para mudar a legislação pertinente à matéria, como também através da criação das delegacias da mulher e do desenvolvimento de programas sociais que buscam não só auxiliar a mulher agredida como também conscientizar a população.

Nenhuma delas, entretanto, foi recebida com tamanho grau de otimismo como o que vem sendo depositado a Lei 11.340, sancionada em 7 de agosto de 2006.

A referida lei representa, provavelmente, o maior avanço já atingido em nosso país para se erradicar definitivamente a violência doméstica de nossos lares, pois torna todo o processo de punição do agressor mais fácil, ágil e eficiente, alterando dispositivos do Código Penal Brasileiro, entre outras providências.

A lei prevê a prisão preventiva e prisão em flagrante do agressor; a modificação da pena máxima, que antes era de seis meses a um ano, para até três anos, com a possibilidade de ser aumentada em até um terço, caso a mulher agredida seja portadora de deficiência; proíbe a aplicação de penas alternativas pecuniárias como pagamento de multa ou cesta básica pelo agressor; além de tipificar e estabelecer as formas de violência doméstica como física, moral, psicológica, patrimonial e sexual.

Também dispõe que a vítima deve estar sempre acompanhada de advogado durante todas as fases do processo e lhe retira a obrigação de entregar a intimação pessoalmente ao agressor, além de estabelecer que a ela deve ser comunicada caso o ofensor seja preso ou solto.

A lei também inova ao retirar dos juizados especiais a competência para julgar tais crimes, prevendo a criação de Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar, ampliando os poderes do julgador para permitir que ele adote as medidas que julgar necessárias e urgentes para resguardar a integridade física e psicológica da vítima, como o afastamento do agressor do lar comum ou o encaminhamento da vítima a local seguro.

Esta modificação de competência é muito importante e representa grande evolução na busca por uma Justiça mais célere e eficiente, porquanto a vítima, até agora, era obrigada a ingressar com a ação criminal no Juizado Especial Criminal e, se pretendesse também pôr fim à relação marital com o agressor, teria que ingressar com outro procedimento perante o Juizado Cível.

Este novo modelo de juizado especial previsto na lei, ao contrário, terá competência para resolver todas as questões, podendo a vítima pedir separação juntamente com o processo pela agressão sofrida.

Embora a lei tenha a intenção de proteger a mulher, as modificações trazidas beneficiam a família e a sociedade como um todo, pois a cultura da violência pode ser inserida na mente das crianças desde a mais tenra idade quando presenciam dentro de seus lares, como bem refere a desembargadora gaúcha Maria Berenice Dias em artigo recentemente publicado na Internet, “…a violência doméstica é o germe da violência que está a assustar a todos”.

É sabido que o exemplo que vem de casa vai moldar a personalidade da criança, sendo provável que o menor que cresce em um ambiente de agressividade, aprenda que a violência é algo normal e comum e que o mais forte deve se impor sobre o mais fraco por meio da força física, vindo a se tornar um futuro adulto violento ou até mesmo marginal.

Ainda que razões não faltem para se comemorar e ter otimismo quanto à eficiência da nova lei em nosso país, para que ela surta o esperado efeito é necessário, primeiro, que sejam implantados com a máxima urgência os referidos Juizados Especiais de Violência Doméstica e, segundo, que venha acompanhada de devida divulgação na mídia, seguida de programas sociais específicos e direcionados para informar e orientar as vítimas.

Isto porque o grande obstante à realização da justiça nos casos de violência doméstica é a inércia das mulheres agredidas, as quais, muitas vezes, se sentem constrangidas, seja por valores morais ou por medo de novas agressões, e acabam por não denunciar a violência sofrida.

Esperamos, portanto, que junto com a nova lei, se crie uma nova imagem da justiça, que se desperte o sentimento de confiança no Poder Judiciário em cada vítima, para que procurem então os seus direitos, pois a Justiça, embora bem intencionada, não pode andar sozinha.

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Rafael Nogueira da Gama é formado em direito pela PUC-RS, especializado em direito processual civil e direito do seguro, membro do Instituto Brasileiro do Direito de Família e atua em Curitiba no escritório Geraldo Nogueira da Gama Advocacia e Consultoria

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