Autor: Francisco Fragata Júnior (*)
O Legislativo paulista promulgou recentemente a Lei 15.854, por inércia do governador em fazê-lo. A lei determina que “os fornecedores de serviços prestados de forma contínua ficam obrigados a conceder a seus clientes preexistentes os mesmos benefícios de promoções posteriormente realizadas”.
Essa determinação diz especial respeito a promoções para angariar novos clientes para a prestadora de serviços. O legislador exemplificou algumas das atividades, incluindo TVs por assinatura, provedores de internet, serviço telefônico e outras mais. Mas todas as prestadoras de serviço continuados, em relação de consumo, estão abrangidas pela regra estadual. Assinatura de periódicos, por exemplo.
A legislação de defesa do consumidor tem sua competência concorrente, como regulado no artigo 24 da Constituição Federal. Ou seja, tanto a União quanto os Estados e Municípios podem legislar sobre alguns assuntos, entre os quais se inclui responsabilidade por dano ao consumidor. Porém, devem os Estados se abster de legislar sobre o assunto, se a União já o fez por normas gerais. Do mesmo modo, se a União vier a legislar sobre o tema, a legislação estadual tem sua eficácia suspensa.
Assim, de plano, fica a questão de se averiguar se o legislador nacional, ao falar de práticas comerciais e de publicidade, não estabeleceu as normas gerais necessárias a respeito do assunto. Além disso, tudo indica que a referida norma invade a liberdade comercial e concorrencial dos fornecedores, o que não é prerrogativa dos Estados, mas exclusiva da União.
Tudo indica, portanto, que tal lei é inconstitucional e que algum ente legitimado a propor a ação de declaração de inconstitucionalidade deverá agir para resolver este assunto. Mas este estudo está buscando entender um pouco o que a lei determinou, já que ela traz alguma confusão.
Explica-se: Vamos supor que uma operadora de TV por assinatura ofereça três meses de graça para quem aderir a um plano ainda não existente. Deverá ela estender a oferta aos demais assinantes? Tudo indica que não. E se ela repetir uma promoção: Os que já se beneficiaram dela para entrar poderão ter direito novamente às vantagens oferecidas? Também parece que não.
E se a vantagem oferecida for alterada? Aqueles que entraram com uma promoção melhor terão direito a esta nova? Não. E se a nova promoção for pior? Será possível apenas completar a anterior?
Poderemos ficar imaginando inúmeras outras possibilidades em que a lei não dispôs, trazendo larga confusão às empresas fornecedoras.
A Lei paulista 15.854 é uma norma sem muito sentido lógico. Ofertas são oportunidades onde a empresa, por qualquer motivo, está tentando ampliar o número dos consumidores de seus produtos/serviços. Não tem a ver com os usuários já existentes. Apesar disso, é certo que quando vemos o que compramos ser oferecido com vantagens, apenas poucos dias depois da nossa aquisição, a frustração é grande. O correto seria o próprio fornecedor oferecer alguma vantagem quando a compra foi feita pouco tempo antes de a promoção entrar em vigor.
Isto não é novidade! Nos Estados Unidos, onde a livre concorrência é mais acirrada e respeitada, é costume, em lojas que entram em liquidação, ampliar-se a oferta para compras até um período anterior (em geral duas semanas). Mas não há norma alguma determinando isto. É apenas o bom senso comercial que assim o estabelece.
Há muito pouco de defesa do consumidor nesta lei, pois o que comprou sem oferta não foi prejudicado em função dos que compraram depois. Na prática, a nova regra poderá inviabilizar algumas promoções ou reduzir as vantagens que o comprador teria. Afinal, o custo se elevará muito. Sem contar que quanto mais consumidores se utilizam de um mesmo serviço, menor é o valor que se pode cobrar por ele — ao menos em tese. Ou seja, não há vantagens no dispositivo legal.
Não é uma lei interessante e sequer deveria ter sido proposta. Agora que o foi e promulgada, resta combatê-la — ou por ação ou por exceção em defesa da aplicação de penalidades ou outros tipos de ações que possam surgir.
Autor: Francisco Fragata Júnior é sócio de Fragata e Antunes Advogados, escritório especializado em relações de consumo.