Por Daniella de Almeida e Silva
No último dia 26 de agosto o presidente Lula sancionou a Lei 12.318/2010, que dispõe sobre a alienação parental e altera o artigo 236 do Estatuto da Criança e do Adolescente. A nova lei representa significativo avanço no reconhecimento dos direitos das crianças e dos adolescentes, pois além de estabelecer o que é a alienação parental, prevê punições para o genitor que realizar a alienação em face do outro genitor. Com a ruptura da vida conjugal, a criança é muitas vezes motivo de disputa entre os pais e usada como moeda de troca nas provocações, vinganças e agressões entre seus genitores, tornando-se, portanto, a maior prejudicada.
A Síndrome da Alienação Parental (SAP) ou “implantação de falsas memórias”, como a chamam alguns, é a interferência psicológica sofrida pela criança e promovida por um dos genitores, pelos avós ou por aquele que a detenha em sua companhia, para que repudie o outro genitor. Isto é feito por meio de campanha de desqualificação da conduta do outro genitor, dificultando-se o contato do filho ou a convivência familiar, omitindo-se informações relevantes sobre a criança como as escolares, médicas ou alterações de endereço ou, ainda, apresentando-se falsa denúncia contra o pai ou mãe a fim de dificultar a sua convivência com o menor.
Para evitar tal cenário, à parte caberá ajuizar esta ação — que poderá ser autônoma ou incidental e terá tramitação prioritária — a fim de preservar a integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com o genitor conforme previsto no artigo 4º da Lei. Declarado indício da prática de alienação parental, o juiz determinará perícia psicológica, fixando o prazo de 90 dias para apresentação do respectivo laudo.
Após a realização da perícia, se ficarem caracterizados atos típicos de alienação parental o juiz poderá cumulativamente ou não, conforme a gravidade do caso, advertir o alienador, ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado, aplicar multa, determinar acompanhamento psicológico, declarar a suspensão da autoridade parental ou, ainda, determinar a inversão da guarda ou a alteração da guarda para guarda compartilhada.
Contudo, a aplicação da guarda compartilhada só será possível quando existir consenso entre os genitores em querer exercer conjuntamente a autoridade parental partilhando as decisões importantes ao bem estar do filho. Na hipótese em que seja inviável a guarda compartilhada, a atribuição ou alteração da guarda será determinada ao genitor que viabilizar a convivência da criança com o outro genitor.
O projeto que deu origem à lei foi apresentado há dois anos e previa em sua redação original a possibilidade de que as partes, o juiz, o Ministério Público ou ainda o Conselho Tutelar poderiam resolver o litígio via mediação. A redação antiga previa também detenção de até dois anos para quem fizesse denúncia falsa de alienação a fim de prejudicar a convivência do filho com o pai ou com a mãe, como, por exemplo, denúncia de abuso sexual — prática muito comum utilizada infelizmente por muitas mães para afastar o pai do convívio do filho.
As duas hipóteses previstas pelo projeto de lei anterior foram vetadas pelo presidente Lula sob o acertado argumento de que a aplicação da pena traria prejuízos não só ao genitor alienado como à própria criança, indo de encontro ao objetivo da lei, que é proteger a criança e dar instrumentos hábeis ao Judiciário para reverter a situação.
A lei tem mais caráter pedagógico e educativo do que punitivo, pois a intenção é de conscientizar os pais e estabelecer o que é essa síndrome, haja vista que a inversão da guarda já é punição suficiente para o alienador.
Antes do advento da nova lei, a situação já era discutida em processos de guarda e regulamentação de visita. Não havia, porém, uma denominação específica para configurar o ato de desqualificar o genitor ou afastá-lo da convivência do filho, nem punição efetiva para tal ato.
Apesar de agora a alienação parental ter descrição legal, são necessárias mudanças não só por parte do Judiciário, mas sim de outras áreas que envolvam o menor, como a da saúde e a da educação que, muitas vezes, quando ocorre algum problema com a criança na escola ou no hospital, só chamam ou informam um dos genitores, deixando o outro sem informações relevantes sobre o filho.
O Estado deve combater o problema que é grave e sério, pois pode causar danos permanentes para a formação do menor que vive em um ambiente de mentiras e desequilíbrio. A criança vítima de alienação parental sofre distúrbios psicológicos, pois passa a ver o genitor alienado de forma distorcida, uma vez que sua imagem é desconstruída pelo alienador, fazendo com que se afaste do convívio do genitor por acreditar que a relação não será benéfica. Quando o pai ou a mãe tenta excluir da vida do filho o outro genitor, recorrendo a mentiras e acusações, ocasiona na criança, muitas vezes inconscientemente, a sensação de que ela precisa ser protegida de seu próprio pai ou mãe.
O juiz terá que ter muita cautela ao analisar os casos de indícios de alienação parental, já que é muito difícil saber onde está a verdade e sua comprovação. Ao determinar a medida extrema de inversão da guarda, por exemplo, o juiz deverá requerer a perícia psicológica como meio de garantir uma melhor convicção dos fatos para que possa julgar o feito de maneira concreta e justa.
Será necessário sempre analisar caso a caso para comprovar se realmente trata-se de alienação parental ou se é caso de preferência por parte da criança. Há casos em que a criança não quer conviver com o outro genitor para não magoar o que detém sua guarda, pois este manifesta seu sofrimento quando a criança visita o outro ou passa um final de semana em sua casa.
Os assuntos ligados à família em geral demandam do pesquisador um mergulho na intimidade dos sentimentos que somente é possível se pudermos ter um mínimo de identificação e empatia com a situação que ocorre com aqueles cujo problema estamos estudando.
Com o advento da nova lei muitos genitores irão repensar suas atitudes antes de desconstruir a imagem do alienado parental na cabeça do filho, uma vez que não poderão mais descumprir decisões judiciais que proíbem tal prática agora que a punição efetiva está prevista no nosso ordenamento jurídico. Finalmente as maldades efetuadas por pais com desejo de vingança que se utilizam de seus filhos como arma de ataque ao ex-cônjuge ganharam nome e previsão legal.
Daniella de Almeida e Silva é advogada do escritório Mesquita Pereira, Marcelino, Almeida, Esteves Advogados, especializada em Direito de Família e Cível.