Lei sobre uso de depósitos judiciais é prenúncio de inadimplência estatal

Autor: Frederico Ricardo de Almeida Neves (*)

 

Através do Decreto 42.227/2015, de 9 de outubro, o governador de Pernambuco determinou que as instituições financeiras oficiais (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal) providenciem a transferência, para a conta única do Tesouro do Estado, de 70% do valor atualizado dos depósitos referentes aos processos judiciais e administrativos nos quais o Estado seja parte, bem como os respectivos acessórios (Artigo 2º), sendo certo que esses recursos, segundo o decreto governamental, serão aplicados no pagamento de precatórios judiciais; de dívida pública fundada; de despesas de capital; da recomposição dos fluxos de pagamento e do equilíbrio atuarial da previdência dos servidores do Estado de Pernambuco, nas condições que especifica (Artigo 7º, incisos I a IV).

Mais estabelece que, parte dos valores transferidos, poderá, sem a observância de qualquer ordem de prioridade, ser utilizada para a constituição de Fundo Garantidor de PPPs ou de outros mecanismos de garantia previstos em lei, dedicados, exclusivamente, a investimentos de infraestrutura (Parágrafo único, do Artigo 7º).

Restou previsto, igualmente, que a parcela dos depósitos não repassada ao Tesouro Estadual — que não poderá ser inferior a 30% do total dos depósitos — constituirá, automaticamente, fundo de reserva, a ser mantido na instituição depositária para garantir a restituição, a quem de direito, da parcela transferida ao Tesouro Estadual (Artigo 3º).

Veem-se, nessa iniciativa, perigos incomportáveis para a segurança jurídica dos titulares dos valores depositados judicialmente. Isso porque, no caso de vitória do depositante no processo litigioso, em face do Estado, o valor do depósito não será disponibilizado imediatamente ao seu titular (Artigo 8º), como ocorre no regime atual.

Some-se a isso a circunstância de que está previsto no novel diploma, às expressas, a possibilidade de o Estado deixar de recompor o fundo de reserva e, com isso, não honrar o compromisso de pagar ao depositante o valor total que lhe é devido (Artigo 9º, parágrafo único), comportamento esse que fere sensibilidades primárias, no âmbito da Constituição da República, podendo provocar, demais disso, o efeito indesejável de exigir do interessado que ingresse na Justiça para receber o dinheiro do qual o Estado lançou mão.

É nessa órbita de total insegurança que se abrigam as normas que disciplinam o procedimento de transferência, para a conta única do Estado, de valores dos depósitos judiciais, sendo este artigo dirigido ao ponderar das sérias consequências advenientes desse proceder, já externadas na Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros, com vistas à obtenção de pronunciamento da Excelsa Corte que declare a inconstitucionalidade dos artigos 2º a 11 da Lei Complementar 151/2015, norma federal que embasa a edição do decreto local.

Tudo visto, cabe reter o essencial: O instrumento normativo que versa sobre a utilização dos depósitos judiciais, se bem se vir, ao tempo em que não garante o imediato pagamento ao depositante vencedor no processo litigioso, anuncia — o que é mais grave, na azáfama pouco refletida de levantar recursos — um comportamento prenunciador de inadimplência estatal.

 

 

 

 

Autor: Frederico Ricardo de Almeida Neves é desembargador presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, professor do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Católica de Pernambuco e mestre em Ciências jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa.


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