René Ariel Dotti*
Na última terça-feira (23/5), perante um auditório inteiramente lotado na Faculdade de Direito de São Paulo, o histórico Largo de São Francisco, foi apresentada a Carta de Princípios que sustenta que a lei mais severa não é a medida acertada para combater o surto da criminalidade violenta e devolver à população o sentimento de insegurança.
Na presença dos ex-ministros da Justiça José Carlos Dias e Miguel Reale Júnior, de professores e alunos e de centenas de operadores do Direito, foram expostas as razões determinantes do chamado Movimento Antiterror. Ele é formado por advogados, defensores públicos, magistrados, membros do Ministério Público e mestres de Direito Penal, de Direito Processual Penal, de diversas unidades federativas do País, comprometidos com a defesa do Estado Democrático de Direito e os princípios fundamentais da República, consagrados constitucionalmente, como o da cidadania e o da dignidade da pessoa humana.
O objetivo desses profissionais e estudiosos do sistema criminal, que se reúnem sob um ideal acima de interesses pessoais ou partidários é sensibilizar as instituições públicas e privadas e a sociedade para o equívoco representado por determinados projetos que tramitam no Congresso Nacional e que pretendem combater o aumento da violência, o crime organizado e o sentimento de insegurança com o recurso a uma legislação de pânico.
Há projetos visando o endurecimento da lei penal e a mutilação de garantias processuais que tramitam num cenário de propaganda como a que sustenta o aumento da reclusão para 40 anos. Alguns parlamentares, reagindo emocionalmente a tragédias recentes, que lamentavelmente ceifaram a vida de juízes, estimulam e direcionam o cenário do medo com a pretensão de aumentar o rol dos crimes hediondos quando a vítima for juiz, membro do Ministério Público ou delegado de Polícia.
Há um debate estéril sobre a aplicação das penas de morte e de prisão perpétua quando a Constituição as proíbe. Há um grave erro na tentativa de enfrentar a violência do crime com a violência da lei e de resolver a segurança dos estabelecimentos penais com a destruição física e mental de presidiários. Prega-se, aqui e ali, a “novidade” dos juízes sem rosto, uma débil contrafação de práticas em lugares dominados por turbulências revolucionárias e o triunfo da anarquia.
Montesquieu, no século XVIII, já deplorava “esse número infinito de coisas que um legislador ordena ou proíbe, tornando os povos mais infelizes e nada mais razoáveis”.
O crime organizado tem seus vasos comunicantes com a desorganização do Estado e com o processo desenfreado de corrupção dele resultante. Somente a lei não irá desmantelar esse estado paralelo que afronta a autoridade pública e intimida a população civil condenada a ficar no meio dos beligerantes (policiais e traficantes), desviando-se das “balas perdidas”, essa enganosa expressão, um eufemismo do cotidiano que mascara o anonimato e dilui a responsabilidade criminal.
A verdade elementar é que a violência e o crime devem ser enfrentados pela conjugação de esforços das instâncias formais (lei, Polícia, Ministério Público, Poder Judiciário, instituições, órgãos e estabelecimentos penais) e das instâncias materiais (família, escola, associações, universidade, etc) e para as quais devem convergir sentimentos e valores como a ética, a educação e a religião.
A proliferação de leis criminais não trará maior segurança à população. A propósito, vem à lembrança o pensamento de Lao Tse, Tao te King, citado pela criminóloga francesa, Mireille Delmas-Marty, em sua obra “A criação das leis e sua recepção pela sociedade”:
“Quanto mais interdições e proibições houver,
mais o povo empobrece,
mais se possuirão armas cortantes,
mais a desordem se alastra,
mais se multiplicam os regulamentos,
mais florescem os ladrões e os bandidos”.
René Ariel Dotti é advogado e professor universitário foi presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.