Lendas, mentiras e ficções sobre a regularização de ativos no exterior

Autores: Plinio J. Marafon e Carolina Sayuri Nagai Calaf (*)

 

Estamos chegando ao período crítico da decisão sobre a anistia de recursos no exterior e temos verificado a existência de repetidas questões formuladas por interessados que não querem calar, algumas das quais são lendas urbanas, mentiras e ficções sobre o tema:

1. Pessoa física declara no Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT — Lei 13.254/2016) que a origem do numerário veio de omissão de receitas da sua empresa. Isso protege a empresa dos tributos devidos?
Resposta — De forma alguma. Cada contribuinte é responsável por sua declaração. Isso está claro na resposta 49 dos esclarecimentos da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Quem declarar dessa forma está dando um tiro no pé da sua empresa. E está sujeito à perda da anistia: vide resposta da Receita Federal 32 e opinião do MPF a respeito.

2. Quem deixou de declarar a existência de offshore, sem ter tido dinheiro em conta corrente, cometeu crime de manutenção de depósitos sem informar ao Banco Central?
Resposta — Errado. Os criminalistas são unânimes em afirmar que só há esse crime quando se deixa de entregar a DCBE sobre depósitos em dinheiro. Só há previsão de multa administrativa, mas o BC aceita a entrega retroativa dos últimos cinco anos.

3. O prazo retroativo da verificação do maior saldo para o RERCT é de dez anos?
Resposta — Errado. O prazo é de cinco anos, o mesmo da decadência tributária. Veja-se resposta 45 da Secretaria da Receita Federal do Brasil.

4. Se após a RERCT a Receita Federal autuar o contribuinte por diferença de valor declarado e anistiado, a pessoa física pode sofrer processo criminal?
Resposta — Há controvérsias entre os criminalistas: alguns entendem que só a declaração integral como quer a Receita Federal imuniza dos crimes, enquanto outros afirmam que essa diferença só terá efeitos fiscais. A Secretaria da Receita Federal do Brasil embaçou na resposta 45.

Mas uma consequência é certa: essa autuação é disponível no Comunicação e Protocolo (Comprot) da Receita e os fiscos estaduais e municipais terão acesso a essa informação e poderão abrir fiscalização de seus tributos contra as empresas dessas pessoas físicas, que não estão protegidas da lei da anistia para esses tributos.

5. Uma herança recebida no exterior e não declarada deve ser anistiada?
Resposta — Não, evidentemente. É receita não tributada e o falecido não responde por crimes… a questão fica limitada aos ganhos financeiros posteriores, tão somente.

6. Baixar o CPF e dar saída fiscal do Brasil antes de 31.10.16 protege a pessoa física?
Resposta — Embora a Receita Federal diga que não (Resposta 42), a lei prevê que só residentes fiscais no Brasil estão sujeitos à anistia: logo, só eles podem ser incriminados e autuados.

7. Se a lei for considerada inconstitucional após o prazo da adesão, quais as consequências possíveis?
Resposta — Tributo e multa pagos devem ser devolvidos pela Receita Federal. Quanto à repercussão criminal o Senado vai ficar com um belo abacaxi: poderá regular os efeitos da lei revogada, mas se mantiver a anistia criminal estará criando uma casta privilegiada, porquanto legalmente a anistia inexistiu.

8. É certo que o prazo prescricional penal é de 16 anos?
Resposta — Errado. A prescrição é de 12 anos e, se a pessoa fizer 70 anos no meio do caminho, cai para 6 anos, ou seja, impossível de ser condenada. Uma pesquisa de 70 julgados dos tribunais regionais federais evidenciou uma pena média de doi anos de serviços comunitários para os réus primários. Sem perda de passaporte…

9. Os bancos estrangeiros onde está o dinheiro irão informar os dados completos dos titulares e beneficiários diretamente ao fisco brasileiro e a partir de quando?
Resposta — Outra ficção ou lenda urbana. Os bancos europeus e de outros não americanos, se tudo der certo e os países signatários do tratado multilateral da OCDE tiverem aderido unilateralmente, através de suas leis internas, deverão informar ao órgão respetivo da OCDE os saldos e titulares a partir de 2018. Isso foi confirmado pela própria Receita Federal.

Já os bancos americanos signatários da Fatca (Lei de Conformidade Tributária de Contas Estrangeiras dos EUA) bilaterais já informam os dados de retenção de IR ao fisco americano, como sucede na nossa Declaração do Imposto de Renda Retido na Fonte (Dirf). Para que a Receita Federal tenha acesso a essas informações terá que pedir individualmente: nome, banco, valor, etc.

10. Há um projeto de lei para novo Refis. Isso pode interessar para aqueles que querem regularizar?
Resposta — Se os fatos geradores de IR e outros tributos não decaíram, o Refis resolve o problema tributário, mas não isenta o risco do processo criminal. Todavia, o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela anistia criminal de uma pessoa física que entregou as cinco ultimas Declarações de Capitais Brasileiros no Exterior (DCBE) em atraso e pagou as multas respectivas.

Comentários finais
Como podem observar, há um verdadeiro terrorismo de bancos, consultores financeiros e legais para que alguns se amedrontem a se anistiarem, pagando fortunas de tributos, especialmente quando o maior valor possuído já foi consumido.

Essa conduta é reprovável sob vários aspectos:

(i) os bancos sempre souberam que esse numerário não estava declarado e assim mesmo aceitaram a situação por longos anos.

Há casos de saldos oriundos de antes da 2ª Guerra Mundial!! Porque só agora isso passou a incomodá-los?

(ii) A justificativa do compliance pode ser contornada com uma simples declaração da pessoa física que isente o banco de responsabilidade e justifique a origem licita do dinheiro. Aliás, vários bancos estrangeiros estão agindo dessa forma e aceitando transferências de saldos de bancos xiitas;

(iii) os consultores financeiros e legais infelizmente deixam de oferecer aos clientes várias alternativas existentes, e não magicas, para regularizar a situação sem pagar o tributo.

Ademais, essas opções sempre estiveram à disposição dos clientes, não foram adotadas por desconhecimento dos profissionais ou recusa dos interessados.

Pergunta — quem tem uma offshore ou um truste declarados há anos vai se anistiar agora?

Logicamente não!!! É um absurdo empurrar para anistia um herdeiro que deixou de declarar uma herança no exterior com medo de um governo esquerdista recente!

 

 

 

 

 

Autores: Plinio J. Marafon é advogado e contador, mestre em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo, especialista em Direito Tributário pela PUC-SP. Sócio do Marafon, Fragoso & Soares Advogados.

 Carolina Sayuri Nagai Calaf  é advogada, sócia do Marafon, Fragoso & Soares Advogados.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Atendimento