Ainda não conheço o Líbano. Do meu avô Assaf Trad, resta-me apenas uma lembrança infinita de seu afago à atmosfera densa e ao mesmo tempo aconchegante da sala de seu escritório onde buscava inspiração para a leitura, e principalmente para a redação fácil dos temas de sua época e de sua alma.
Em minha memória de menino ficou registrada, pois, a despeito de outros incidentes históricos, a idéia de um Líbano ladeado de paz e conciliação, sinônimo de tudo aquilo que meu avô Assaf resumiu em exemplo através da própria essência da função que exercia: Cônsul honorário do Líbano no Estado.
Assistindo, pois, às atrocidades que nos últimos dias vêm manchando as telas das televisões e as folhas dos jornais, ao tempo da sensação de estupor não pude escapar da encruzilhada consistente em fazer a mim mesmo a indagação se seria o Líbano e os libaneses tudo aquilo que meu avô apregoou em vida.
Sem necessidade de recorrer a maiores reflexões, a resposta que me veio em cheio foi que sim.
De fato, fui tomado instantaneamente pela convicção de que nem o Líbano enquanto pátria nem os libaneses autênticos que habitam a “Suíça do Oriente” fazem parte desta luta irracional e atroz marcada pela disputa enlouquecida entre os muçulmanos xiitas e o Governo de Israel.
Essa disputa periférica gerada pela ortodoxia de pensamento e de propósitos de ambos os rivais tem forçado, injustamente, o êxodo de centenas a milhares de libaneses e imigrantes de espírito limpo que habitam o seu país.
A Organização das Nações Unidas e os demais países de maior envergadura parecem não querer dar um passo à frente no sentido de contribuírem para o fim do fogo cruzado, senão para valer-se da ocasião como “moeda de troca”, por mais infamante que a idéia pareça.
Os Estados Unidos, a seu turno, através do seu presidente, cuja arrogância desafiou até a tecnologia de um microfone, já rotulou o conflito de “besteira” e dá conta de estar mais preocupado em acalmar o ego de Tony Blair verbalizando a este as qualidades do suéter que recebeu de presente do amigo.
Enquanto isso, parte do Líbano se esvai em cinzas, e mais do que isso, os libaneses, os verdadeiros libaneses, choram em luto pela morte cruel de alguns conterrâneos.
O Brasil, que acolheu milhares de imigrantes em outros tempos, certamente o fará mais uma vez, se for preciso, e se para todo mal existe um bem maior, em nossas plagas e para o progresso de nossa nação hão de se somar empreendedores, políticos, advogados, comerciantes, cada qual com um ou mais dos múltiplos dons que integram o próprio gene do povo libanês.
Quanto a mim e a minha família, posso dizer que aquilo que Assaf Trad dizia e fazia como cidadão libanês e brasileiro retrata com fidelidade a anatomia de um povo que, não obstante seus desafios, fez da coragem um estilo de vida, e que por isso mesmo jamais se curvará às loucuras ocasionais de xiitas e alguns judeus comprometidos apenas com seus interesses e a desordem mundial.
Ricardo Trad Filho, advogado