Limitações à autonomia da vontade na Lei do Inquilinato

Por Marcelo Rodrigues

Em razão do interesse social que visavam tutelar, as inúmeras leis de natureza locatícia que já vigeram no Brasil, pouca ou nenhuma preocupação demonstraram em garantir a autonomia da vontade de locadores e locatários quando da celebração do contrato.

Salvo num ou noutro detalhe, as inúmeras “Leis do Inquilinato” que já vigeram delimitaram de forma rígida as condições das locações, impondo prazos mínimos, limitando a retomada do imóvel e as condições de reajustamento do locativo, dentre outros tópicos que julgaram de interesse público (e social) resguardar.

No que se refere ao relacionamento entre empreendedores e lojistas de shopping centers, ao contrário, o legislador da atual “Lei do Inquilinato” (Lei 8.245/1991), mais precisamente no artigo 54, acabou por sucumbir à realidade econômica e às especificidades do negócio e delegou aos protagonistas dos centros de compras — lojistas e empreendedores — ainda que em parte, a tarefa de definir as cláusulas e condições que julgassem mais adequadas ao sucesso do empreendimento.

O artigo 54 da Lei 8.245/1991 estabelece o seguinte: “nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta Lei.”

Reconheceu o legislador, em suma, que a relação empresarial existente entre locador e locatários de shopping centers, em grande parte, não necessitava da rígida tutela legal que era dispensada aos demais destinatários da Lei do Inquilinato, por conta do diminuto interesse público nesses casos, evidentemente se comparado ao existente nas questões atinentes à moradia, também reguladas pela lei em questão.

A autonomia da vontade validada pelo artigo 54 da Lei 8.245/1991, vale ressaltar, não é irrestrita e ilimitada. Ao contrário, restringe-se às estipulações de natureza econômica voltadas a suprir as condições especialíssimas do negócio.

Assim, evidentemente, nula seria a disposição contratual que, por exemplo, impedisse a revisão do aluguel a cada triênio ou a renovação compulsória da locação. Igualmente nula, a cláusula que permitisse a retomada do imóvel locado independentemente de ação judicial, dentre outros tópicos. O ilustre magistrado e professor Sylvio Capanema de Souza[1], ao analisar o artigo 54 da Lei 8.245/91, destaca o seguinte:
“Poderíamos citar muitas outras disposições contratuais, que procuram preservar a filosofia de trabalho de produção em que se baseia um shopping center. Estas disposições não chegam a descaracterizar o contrato retirando-lhe a natureza jurídica de locação,mas criam diferenças significativas, que exigem tratamento legal também diverso.
São estas condições especiais de conteúdo puramente econômico, que o artigo 54 preserva, até para que o próprio empreendimento sobreviva.
É evidente que não poderia prevalecer uma cláusula que afrontasse os objetivos fundamentais da lei, especialmente o que permite a ação renovatória. O que a lei admite, ainda que fugindo ao sistema comum, são as disposições atípicas, mas de índole econômica, que as partes livremente pactuam de acordo com a realidade e a experiência do mercado.”

Contrariamente, são consideradas válidas as estipulações contratuais estabelecendo critérios atípicos de cálculo do aluguel mensal e das despesas comuns; as que permitem ao empreendedor auditar as vendas do lojista, dentre outras típicas das relações jurídicas presentes no interior dos centros de compras e que seriam questionáveis — ou até impossíveis — no âmbito das demais locações reguladas pela mesma lei.

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[1] – A Nova Lei do Inquilinato Comentada, 3ª Edição, Editora Forense, 1993, pág. 203, Destaques não originais.

Marcelo Rodrigues é advogado, especializado em shopping centers e operações comerciais de varejo.

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