Limitar a competência do CNJ pode ser dano irreversível

Por Adriana Lacombe

Está em debate no Supremo Tribunal Federal a competência do Conselho Nacional de Justiça. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.638, questiona resolução em que o CNJ busca uniformizar os procedimentos administrativos contra magistrados, procedimentos que até o momento eram estaduais.

Não é a primeira vez que a AMB questiona os poderes do Conselho. Em 2005, a mesma associação propôs a ADI 3367 em face do artigo da Emenda 45, de 2004, que inseria na Constituição o artigo 103-B, criando o CNJ. Na ocasião, dentre outros argumentos apresentados, a associação afirmava que “as competências atribuídas ao Conselho Nacional de Justiça são próprias dos próprios tribunais, de acordo com o figurino imposto pelo legislador constituinte originário”. Foi quando o relator (e atual presidente do CNJ), ministro Cezar Peluso, em decisão unânime pela constitucionalidade do Conselho, afirmou que “representa expressiva conquista do Estado democrático de direito, a consciência de que mecanismos de responsabilização dos juízes por inobservância das obrigações funcionais são também imprescindíveis à boa prestação jurisdiucional”.

Desde então o CNJ vem correspondendo aos anseios de seus idelizadores. Em sua competência normativa, para citar apenas algumas medidas, estabeleceu metas para a resolução de casos (ao coordenar o 2° Encontro Nacional do Judiciário, que estabeleceu a Meta 2), regramentos para a realização de interceptações telefônicas (Resolução 59 de 2008), para a realização de concursos públicos para a magistratura (Resolução 75 de 2009), e buscou uniformizar os horários de funcionamento da Justiça Federal (Resolução 130 de 2011). Foi o Conselho, também, responsável pela vedação do nepotismo no âmbito do Judiciário (Resolução 07 de 2005), dando origem à proibição que o STF posteriormente estenderia a toda a Administração Pública na ADC 12.

Já em procedimentos administrativos contra magistrados, o CNJ vem expandindo sua competência, interpretando expansivamente o conceito de “ato administrativo”. De acordo com o Conselho, a expressão refere-se não apenas a atos praticados fora de um processo judicial, mas também a todos os atos judiciais delegáveis. Dessa forma, até mesmo atos ordinatórios, que a princípio estariam fora da esfera de atuação do Conselho, poderiam ser controlados.

Ao longo de seus seis anos de existência, a expansão na atuação do órgão se deu, em larga escala, de acordo com sua composição, e especialmente em função da atuação de seus corregedores, que optam por dar ou não prosseguimento aos casos que chegam ao Conselho. Neste cenário, a corregedora Eliana Calmon vem representando papel central, chegando até mesmo a suspender, administrativamente, decisões judiciais proferidas no Pará. Foi também Eliana que, recentemente, ganhou destaque da mídia ao defender a Resolução 135 de 2011. Resolução esta que é agora desafiada perante o Supremo Tribunal Federal.

Em que pesem todos os debates em voga sobre o tema, a discussão jurídica do caso cinge-se a uma pergunta principal: a competência do CNJ para avaliar magistrados é concorrente ou subsidiária à competência dos tribunais locais? É o que discute a ADI.

O debate já provoca reações: em resposta à possível decisão do STF, foi apresentado, no Congresso Nacional, projeto de emenda constitucional (PEC 97 de 2011) reafirmando a competência do CNJ para investigar e aplicar punições aos magistrados independentemente dos tribunais locais.

Vale, por fim, lembrar que, caso o Supremo entenda pela competência do Conselho para que continue sua função de apurar irrgularidades praticadas por magistrados, isto não significa que eventuais problemas com a constitucionalidade de trechos específicos da Resolução, além de erros e excessos eventualmente cometidos pelo CNJ em casos individuais não possam ser combatidos e corrigidos. O caminho oposto, sim, é que trará danos irreparáveis: limitará a competência do Conselho como um todo, de agora em diante. O futuro do CNJ está nas mãos do STF.
Adriana Lacombe é pesquisadora em Direito da FGV

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