Vitor F. Kümpel
Vem em absoluta boa hora o art. 27 da Lei n. 10.741, de 1.º de outubro de 2003, ao estabelecer: “Na admissão do idoso em qualquer trabalho ou emprego, é vedada a discriminação e a fixação de limite máximo de idade, inclusive para concursos, ressalvados os casos em que a natureza do cargo o exigir”. A norma legal determina, portanto, que toda pessoa com idade igual ou superior a 60 anos tem direito de se inscrever e de concorrer em qualquer concurso público, desde que compatível com o critério etário, até o limite máximo de 70 anos (art. 40, § 1.º, II, da CF). O novo texto legal que ainda está em vacatio legis, por força do art. 118, equipara, para fins de concurso público, todos os cidadãos, segundo o critério de idade, até os 70 anos completos, ocasião em que a aposentadoria compulsória retira o poder de concorrer em concursos públicos. Por força do artigo transcrito, só nos concursos em que a natureza do cargo exigir, poderá o edital limitar a idade máxima, o que não ocorre fundamentalmente nos casos envolvendo carreiras jurídicas.
Grande já era a discussão sobre a limitação etária, em boa parte dos editais dos concursos públicos para carreiras jurídicas, tais como o da Magistratura e o do Ministério Público de muitos Estados, além dos concursos para várias Procuradorias Estaduais e Municipais, Defensorias Públicas, Delegados de Polícia de vários Estados, entre tantos outros incontáveis editais. É de simples aferição que os concursos da área jurídica, por envolver, de forma prevalente, atividade intelectiva, não deveriam conter limite máximo de idade, a não ser naquelas raras hipóteses em que o conhecimento jurídico deve estar aliado ao vigor físico, como para agentes policiais ou de fiscalização, que necessitam de força física para a realização de diligências, além do conhecimento jurídico. Nesses concursos, aliás, muitas vezes, exige-se a realização de atividade física como uma das etapas das provas.
Em âmbito de discussão jurisprudencial, havia muita divergência por parte dos Tribunais Superiores, conforme podemos verificar nas ementas colecionadas do Supremo Tribunal Federal: “Ementa: – Constitucional. Administrativo. Servidor Público. Concurso Público. Limite de idade. Ministério Público. CF, art. 7.º, XXX; art. 37, I; art. 39, § 2.º, I. Pode a lei, desde que o faça de modo razoável, estabelecer limites mínimo e máximo de idade para ingresso em funções, emprego e cargos públicos. Interpretação harmônica dos artigos 7.º, XXX; 37, I; 39, § 2.º, II – O limite de idade, no caso, para inscrição em concurso público e ingresso na carreira do Ministério Público do Estado do Mato Grosso – 25 anos a 45 anos – é razoável, portanto, não ofensivo à Constituição, art. 7.º, XXX, ex vi do art. 39, § 2.º, III – Precedentes do STF” (RTJ 135/958)[1]. Decisão exatamente em sentido oposto encontramos em: “Ementa: Concurso público para cargo de Delegado de Polícia do Estado do Rio de Janeiro. Acórdão que conclui pela ilegitimidade da exigência da idade máxima de 35 anos. Alegada violação às normas dos artigos 7.º, XXX, e 37, I, da Constituição Federal. A Constituição Federal, em face do princípio da igualdade, aplicável ao sistema de pessoa civil, veda diferença de critério de admissão em razão de idade, ressalvadas as hipóteses expressamente previstas na lei e aquela em que a referida limitação constitua requisito necessário em face da natureza das atribuições do cargo a preencher. Existência de disposição constitucional estadual que, a exemplo da federal, também veda o discrimen. Recurso Extraordinário não conhecido”[2].
A matéria restou pacificada por força da adoção da Súmula n. 683 do STF, aprovada pelo Tribunal Pleno, na sessão de 24 de setembro de 2003, nos seguintes termos: “O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7.º, XXX, da Constituição quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”. Dessa forma, mesmo antes do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/2003), já configura flagrante inconstitucionalidade o indeferimento de inscrição do candidato à carreira jurídica, por força de ter ultrapassado limite máximo de idade na data da inscrição, até porque o edital também é inconstitucional.
Além dos aspectos jurídicos, é imprescindível salientarmos que para a atividade profissional, quer na Magistratura, no Ministério Público, nas Procuradorias ou em todas as demais atividades da área jurídica, é salutar a mescla do noviciado, em que se verifica força para trabalhar com volumoso acervo unida à experiência que só a idade pode trazer, elementos tão saudáveis para que seja atingido um equilíbrio na prestação jurisdicional, na qual cada ator do mundo jurídico passa a encontrar seu verdadeiro papel, a fim de serem atingidas a segurança e a paz social.
Apesar de muitas críticas poderem ser apresentadas à Lei n. 10.741/2003, com certeza, deve ser festejada a norma do art. 27, não só por gerar efetividade ao art. 7.º, XXX, da Constituição Federal, mas também por arregimentar novos profissionais às carreiras jurídicas, trazendo uma necessária maturidade ao exercício da Justiça.
[1] Recurso Extraordinário n. 184635/MT, rel. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça da União, Seção I, de 4.5.2001, p. 35.
[2] 1.ª Turma, Recurso Extraordinário n. 140945, rel. Min. Ilmar Galvão, Diário da Justiça da União, Rio de Janeiro, de 22.9.1995, p. 30600.