Linguagem jurídica com expressões rebuscadas precisa ser repensada

por Hélide Maria dos Santos Campos

Ainda hoje, muitos operadores do Direito utilizam expressões arcaicas e rebuscadas. A população acaba não entendendo nada. Penso que isso ocorre porque o Direito é uma ciência que ainda mantém, por causa de suas tradições, muitas formalidades. Uma delas está relacionada com a linguagem. Alguns juristas ainda acreditam que falar e escrever difícil demonstra cultura.

Diante desse fato, insistem em utilizar termos arcaicos, rebuscados, a meu ver, desnecessários, quando deveria ser o contrário. O falar difícil é resultado de uma postura antiga dos advogados, que assim garantiam seu papel de “doutores” na sociedade. Além disso, o próprio “uniforme” do advogado já lhe garante um certo “status”; a formalidade de um terno já impõe um certo respeito e um distanciamento maior.

É inegável a idéia de que o mundo tem caminhado para uma comunicação rápida e eficaz. A Internet é prova disso. Então, a linguagem jurídica, para muitos, parou no tempo, esqueceram-se de que a língua é um código social, em uso, “vivo”, que está o tempo todo sofrendo alterações.

O que tenho questionado é: como, num mundo informatizado, imagético, rápido como este em que estamos vivendo, pode perdurar uma linguagem jurídica que poucos entendem? Muito temos lido sobre o acúmulo de processos existentes e o volume que muitos deles têm. Ora, se podemos expressar uma idéia com duas ou com cinco palavras, por que não expressamos com duas?

Convém salientar que escrever muito não significa escrever bem. A prolixidade é um defeito e não uma qualidade. Ser prolixo no mundo atual é estar desatualizado, é retroceder. Uma das minhas prioridades no ensino superior tem sido fazer com que meus alunos sejam capazes de escrever textos claros e objetivos, pois. a objetividade, é uma das principais características da comunicação eficiente, tanto oral, quanto escrita. “Uma grande história não precisa ser uma história grande”.

Não estou, com isso, fazendo apologia da vulgaridade ou da banalidade da linguagem jurídica, pois compreendo que, em alguns momentos, os termos técnicos não podem ser dispensados, afinal, versamos sobre uma ciência cujas palavras devem expressar conceitos precisos e definidos.

Em 1998, comecei a lecionar Linguagem Jurídica no curso de Direito da UNIP de Sorocaba, cidade em que moro. Passei, então, a observar que os livros de redação forense mencionavam como modelos de texto peças processuais cujo linguajar estava desatualizado. Exemplo: “O cônjuge varão deixou para a cônjuge varoa…”. Por encontrar dificuldade em trabalhar com esse tipo de material didático, passei a criar o meu próprio conteúdo, utilizando os modelos contidos nos livros, mas refazendo-os do começo ao fim.

Além disso, discutia com os alunos em aula. A essência permanecia, mas o conteúdo era modificado, muitas vezes, pelos alunos, sem a minha interferência. Tenho em meu “corpus” textos belíssimos que foram construídos em sala de aula. Nesse ínterim, eu estava cursando o mestrado, numa linha de pesquisa completamente distante desse tema. Ao concluir o mestrado, desenvolvi um projeto de pesquisa para o doutorado sobre o rebuscamento da linguagem jurídica, com base nesse trabalho todo que eu já estava desenvolvendo.

Só não passava pela minha cabeça que, ao divulgar minhas idéias, as pessoas manifestariam tanto interesse por elas. Tenho sido procurada, em especial, pelos próprios juristas (promotores, desembargadores, juizes, entre outros). Isso é estimulante, fundamental para que a minha pesquisa dê frutos. Quero salientar o papel do ministro Ruy Rosado Aguiar (ministro aposentado do STJ) como meu maior incentivador, pois, foi a partir de um e-mail que recebi dele que passei a desenvolver o meu projeto.

Como professora de Linguagem Jurídica procuro fazer com que meus alunos de Direito fiquem livres do rebuscamento exagerado, do arcaísmo e da prolixidade, comuns nos textos jurídicos. Para isso, em primeiro lugar, levo-os a ter consciência de que o ponto mais importante num processo comunicacional é se fazer entender.

Um dos ruídos existentes nesse processo é não falarmos a mesma língua. Apresento-lhes uma peça processual recheada de arcaísmos, de termos rebuscados e com abuso do latinismo e vou reconstruindo esse texto, juntamente com eles, trocando por sinônimos, por termos mais acessíveis e próximos da nossa época, sem que essas substituições interfiram no sentido jurídico do texto. Além disso, analiso parágrafo por parágrafo e tudo o que está a mais, que não acrescenta em nada à tese a ser defendida, é eliminado. Enfim, um texto prolixo torna-se um texto exato, conciso, mais enxuto. Essa técnica é simples e pode ser utilizada também pelos juristas, desde que estejam dispostos a repensar o uso da linguagem.

Revista Consultor Jurídico, 4 de Março de 2005

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