Por Arthur Zeger
O período de matrículas para o ano letivo de 2013 se aproxima e com isso pais de crianças que frequentam o ensino infantil (e as ingressantes no ensino fundamental) deparam com uma questão legal adversa: a impossibilidade de matricular seus filhos na etapa seguinte por terem nascido fora da “data-corte” definida pelo Ministério da Educação.
Essa “data corte” foi uma orientação do MEC segundo a qual as escolas somente poderão matricular no 1º ano do Ensino Fundamental e nas etapas da Educação Infantil as crianças que completarem a idade esperada para os respectivos níveis até “31 de março” ou “30 de junho” (a data varia de cidade para cidade e de estado para estado e em razão da natureza da escola ser pública ou particular).
Em que pese o esforço do MEC para implantar o sistema de “data-corte” aqui referido, advertimos que a legislação brasileira sobre educação (Constituição Federal e leis ordinárias), ao tratar das idades de ingresso no ensino, não determina o período do ano em que tal idade deva estar completa.
Diz a Constituição que o dever do estado com a educação será efetivado mediante a garantia de educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até cinco anos de idade. A Lei de Diretrizes Básicas da Educação Nacional defende que a educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.
Logo, há critérios etários. O que não há é a previsão de que tal idade esteja completa até uma época determinada do ano —é presumido, pelos usos e costumes praticados no Brasil, que a idade referida na legislação seja completada no decorrer do ano letivo.
Vale observar, neste ponto, que os normativos emitidos pelo MEC (por meio do Conselho Nacional de Educação) são atos administrativos, sem força de lei e que se subordinam à legislação ordinária e à Constituição Federal. Portanto, não se tratando de lei, não tem o poder de alterar as disposições previstas em lei e muito menos às normas previstas na Constituição Federal.
De acordo com o Parecer 39/2006, do Conselho Nacional de Educação, a fixação da idade cronológica de 6 anos completos para ingresso no Ensino Fundamental não é uma medida aleatória e está baseada na melhor doutrina pedagógica em relação à importância educativa e formativa no desenvolvimento integral das crianças pela oferta da educação infantil.
Entendemos, contudo, que a problemática não é sobre a fixação de uma idade, mas sim de se estabelecer que tal idade deva ser completada no meio do ano (1º trimestre ou semestre) de ingresso da criança na etapa escolar que requer idade mínima.
A lei que alterou a Lei de Diretrizes Básicas da educação para ampliar o ensino fundamental para nove anos (Lei 11.274/2006) estabeleceu que os municípios, os estados e o Distrito Federal teriam até o ano de 2010 para implementar o ensino fundamental com nove anos de duração. E assim se espelharam diversas orientações segundo as quais o ensino fundamental seria um direito público subjetivo de todas as crianças a partir dos seis anos de idade completados até 31 de março ou 30 de junho do ano do ingresso, aplicando-se às outras etapas escolares — jardim da infância e pré-escola — o mesmo tratamento, mutatis mutandis.
A nosso ver, a imposição de “data de corte” reveste-se de ilegalidade e de inconstitucionalidade. E é por essa razão que tem sido combatida pelo Poder Judiciário, já tendo o assunto chegado do Superior Tribunal de Justiça onde a 1ª e 2ª Turmas já manifestaram-se contra a “data-corte”.
Já impetramos dezenas de Mandados de Segurança em diversas cidades e estados e conseguimos, em todos os casos, assegurar às crianças o direito de serem matriculadas no período escolar adequado independentemente da data que fazem aniversário. Temos tirado dúvidas sobre este assunto em nosso blog (http://arthurzeger.wordpress.com).
Nossa conclusão, do ponto de vista constitucional, funda-se no desenvolvimento cognitivo, e não na idade cronológica (artigo 208, V da Constituição Federal). Observamos que o tratamento diferenciado de crianças em razão do período de seus aniversários viola o princípio da isonomia (artigo 206, I, combinado com o artigo 5º, da Constituição Federal), basilar no Estado Democrático de Direito e tão repetido ao longo de todo o texto constitucional.
Arthur Zeger é advogado, professor de Direito Civil nas Faculdades Metropolitanas Unidas, mestre em Direito Civil.