Medida não tem natureza tributária ou compensatória

por Daniel Ribeiro Silva

As normas jurídicas podem ser impositivas ou sancionatórias, também chamadas de endonormas e perinormas, por Carlos Cossio. Ambas possuem a mesma estrutura estática, sendo compostas por um antecedente e um conseqüente. As primeiras têm por antecedentes fatos lícitos e jurígenos e, por conseqüente, o nascimento da obrigação tributária. Já as segundas têm, por antecedentes, fatos ilícitos e, como conseqüente, a imposição de sanção, cuja forma mais difundida no, direito tributário penal, é a multa.

Desta forma, nos casos em que o contribuinte deixa de pagar as obrigações tributárias no tempo certo, dá-se a incidência da perinorma, cujo antecedente é a prática de ilícito tributário, com o que se torna, este mesmo contribuinte devedor da penalidade decorrente do conseqüente, qual seja, a multa.

O estudo da multa, enquanto penalidade mais comum aplicável aos ilícitos tributários, demanda uma perquirição acerca de sua natureza. E a questão específica que se põe diz respeito à inclusão da penalidade pecuniária como objeto da relação jurídica tributária.

As penalidades pecuniárias não se equiparam, em substância, aos tributos, pois, embora constituam prestações pecuniárias compulsórias, não têm natureza tributária, mas são receitas imputadas ao sujeito passivo que descumpriu deveres fiscais legalmente previstos.

Wagner Balera leciona a propósito (Balera, 1996, p. 157):

A lei de tributação descreve in abstrato o fato imponível. Mas, será tarefa da norma penal qualificar a antijuridicidade do mesmo fato. Sendo inconfundível com o primeiro, vem a ser este último o aspecto determinante da criminilização. O comportamento de não recolher tributo, por exemplo, esgota seus efeitos no âmbito da norma tributária que lhe culminará uma multa pelo inadimplemento da obrigação.

Diante de tudo quanto exposto, entendemos que, além de não ter natureza tributária, a multa também não é indenizatória ou compensatória, sendo, portanto, sancionatória do ilícito tributário praticado.

Não se admite, como ainda pretendem alguns poucos, que objetivam excluir a multa de mora dos efeitos do art. 138 do CTN, que esta caracterize complemento indenizatório da obrigação principal, e não uma sanção. Hoje, a doutrina majoritária, bem como a própria jurisprudência, têm fixado que este tipo de multa é punitiva, e, consoante ensina o professor mineiro Sasha Calmon Navarro Coêlho a propósito (Coêlho, 1995, pp. 108 e 109):

Neste caso, a multa não seria “multa”… A tese demonstra lamentável ignorância dos princípios científicos que informam a Ciência do Direito. O que se faz, em verdade, é dar prevalência, na discussão do assunto, aos interesses menores do “fiscalismo” através de uma algaravia conceitual, inaceitável à luz da boa doutrina.

(…)

Destarte, “multa de mora” é multa e não complemento indenizatório, que, isto é feito pela cobrança de “juros” ficando a correção monetária como fórmula de manutenção do poder de compra do dinheiro.

E continua o professor mineiro, em sua lição, fazendo uma digressão ao direito civil, para diferenciar a multa punitiva da multa compensatória (Coêlho, 2002, p. 415):

… a multa punitiva visa a sancionar o descumprimento do dever contratual, mas não o substitui, e a multa compensatória aplica-se para compensar o não-cumprimento do dever contratual principal, a obrigação pactuada, substituindo-a. Por isso mesmo, costuma-se dizer que tais multas são “início de perdas e danos”. Ora, se assim é, já que a multa moratória no Direito Tributário não substitui a obrigação principal – pagar tributo – coexistindo com ela, conclui-se que a sua função não é aquela típica da multa compensatória, indenizatória, do Direito Privado (por isso que seu objetivo é tão-somente punir). Sua natureza é estritamente punitiva, sancionante.

A função da multa é sancionar o descumprimento das obrigações, dos deveres jurídicos. A função da indenização é recompor o patrimônio danificado. Em direito tributário são os juros que recompõem o patrimônio estatal lesado pelo tributo não pago. A multa é para punir, assim como a correção monetária é para garantir, atualizando-o, o poder de compra da moeda. Portanto, multa e indenização não se confundem.

Assim, no que pertine à situação do contribuinte, quando aplicada a multa, esta terá, única e exclusivamente caráter punitivo e jamais indenizatório, sendo este o entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência.

Dirimindo dúvidas doutrinárias, o colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 79.625, o Relator Ministro Cordeiro Guerra assim se manifestou:

… a propósito de sua exigibilidade nos processos de falência que desde a edição do Código Tributário Nacional já não se justifica a distinção entre multas fiscais punitivas e multas fiscais moratórias, uma vez que são sempre punitivas (RTJ nº 80, pp. 104/113).

(…)

… a multa moratória, imponível pela infração consistente no descumprimento da obrigação tributária no tempo devido, é sanção típica do direito tributário, compartilhando tanto do caráter repressivo, quanto do caráter compensatório (Hector Villegas, Elementos de Direito Tributário, p. 281).

Sobre as multas, Zelmo Denari as distingue por infração e moratórias (Denari, 2002, p. 243):

As penalidades pecuniárias, em nosso sistema tributário, podem resultar da violação de um dever administrativo, vale dizer, de uma infração tributária legalmente prevista, ou da violação de um direito subjetivo de crédito do ente público, vale dizer, do inadimplemento de uma obrigação tributária no respectivo vencimento. Devemos aludir, no primeiro caso, às multas por infração e, no segundo caso, às multas de mora.

Para distinguirmos uma da outra, basta considerar que as multas por infração são apuradas e regularmente constituídas por meio de auto de infração, enquanto as multas de mora são sanções previstas na legislação ordinária dos entes políticos que derivam do inadimplemento puro e simples de obrigação tributária no respectivo vencimento.

Assim, sem embargo da lição de Zelmo Denari, entendemos que, por ser a multa uma conseqüência do descumprimento de uma norma jurídica tributária, a ela se agregará a característica de sanção.

Apesar da relevância histórica e didática acerca da natureza da multa de mora, o fato é que não mais subsiste a orientação de que ela não possui caráter punitivo, e adiantando assunto que será tratado no próximo capítulo deste trabalho, a multa de mora será excluída havendo a denúncia espontânea do ilícito tributário praticado, sendo nossa jurisprudência totalmente favorável à exclusão da multa de mora, seja qual for a denominação utilizada para esta.

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