MERCOSUL : Origem e Perspectivas da Integração Latino-Americana

Clayton Maranhão

MERCOSUL : Origem e Perspectivas da Integração Latino-Americana.
Autor: Clayton Maranhão*
Data: 07/julho/96
Sumário. 1. Introdução. 2. A integração das nações latino-americanas. 2.1. Tratado de Montevidéu de 1960. 2.2. Tratado de Montevidéu de 1980. 2.3 Tratado de Assunção de 1991. 3. O Mercosul. 4. Perspectivas com o NAFTA.5. Perspectivas com a Comunidade Européia.

1. Introdução.

Na evolução do Estado moderno, podemos observar um ponto central de identificação dos problemas sociais, econômicos, jurídicos e políticos: a dominação.

Do Estado absoluto, passando pelo Estado liberal, ao Estado social, verificou-se, em um plano vertical, uma constante relação de dominação entre castas sociais, dentro de cada espaço territorial soberano, e em um plano horizontal, uma constante relação de dominação entre um Estado soberano sobre um diverso espaço territorial, típico do colonialismo e do imperialismo.

Desde a polis grega, perpassando por patrícios e plebeus até os contemporâneos grupos intermédios da elite e dos excluídos, a disputa de poder resumiu-se alternada e ciclicamente por ventos democráticos ou autoritários, por conquistas ou por respeito à outros povos.

Entre o final do século passado e a primeira metade deste, eclodiram os movimentos nacionalistas, libertários, de independência de povos colonizados que hoje compõe o chamado Terceiro mundo.

Paralelo à isto, aumentou-se a tensão entre os países do chamado Primeiro mundo, deflagrando-se em menos de três décadas duas guerras mundiais.

As seqüelas e as lembranças, presentes na memória pós-moderna, fizeram com que a humanidade desse um novo estilo ao mundo terreno.

Surge o ideal das comunidades transnacionais, com objetivos assistencialistas, de unidade econômica e política, com a conseqüente perda de parcela da soberania dos Estados membros em prol da Comunidade.

Dos Tratados de Paris de 1951 e de Roma de 1957, instituidores da Comunidade Econômica Européia, agora Comunidade Européia, aos Tratados de Montevidéu de 1960 e 1980 e de Assunção de 1991, que culminaram com o Mercosul, bem como ao Nafta, abrem-se as portas do terceiro milênio com indagações e esperanças no plural.

2. A integração das nações latino-americanas.

Para Bela Balassa “podemos definir a integração econômica como um processo e como um estado de coisas; considerada como um processo, inclui várias medidas para abolir a discriminação entre unidades econômicas pertencentes a diversos estados nacionais; contemplada como um estado de coisas, pode representar-se pela ausência de várias formas de discriminação entre economias nacionais.”

A integração da América Latina fora estimulada pela Conferência Interamericana de Buenos Aires, ocorrida em 1957, contemporânea ao Tratado de Roma, onde se havia decidido pela conveniência de estabelecer gradual e progressivamente, de maneira multilateral e competitiva, um mercado comum latino-americano.

As negociações evoluíram rapidamente, até que se instituiu a Associação latino-americana de Livre Comércio – ALALC, em 1960.

2.1 O Tratado de Montevidéu de 1960.

No dia 18 de fevereiro de 1960, Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Colômbia, Chile, Equador, México e Peru, assinaram o Tratado de Montevidéu, instituindo a ALALC.

Se por um lado o GATT procurou ajudar aquela nova política de integração, o FMI não a viu com bons olhos, porque no dizer do Professor Raymond Vernon da Universidade de Harvard, teria mantido a tradição do ‘banqueiro’ mais do que a tradição do ‘empresário’, ao subordinar em demasiada freqüência os objetivos do desenvolvimento aos de estabilidade.

Sucede que a atitude do FMI estava avalizada por todos os países membros da ALALC, pois todos eles tinham a seu favor planos de estabilização financiados pelo fundo.

A atitude dos Estados Unidos da América, em relação à integração latino-americana foi pouco clara, pelo menos nos anos anteriores à administração do Presidente Kennedy: até ali os esforços foram contemplados com uma espécie de desaprovação ideológica. Não obstante, a partir de 1961, a posição norte-americana mudou e se manifestou favorável à integração.

Sucede que com as ditaduras havidas na América Latina, o Tratado de Montevidéu não encontrara operatividade quanto ao livre comércio e a coordenação de planos de desenvolvimento.

Persistiu no ostracismo na década de 70, mas representou um importante passo político.

2.2 O Tratado de Montevidéu de 1980.

Em 12 de agosto de 1980, todos os países integrantes da ALALC, acrescidos da Bolívia e da Venezuela, resolveram substituí-la com a instituição da Associação Latino Americana de Integração – ALADI, que dotada de personalidade jurídica àquela sucedeu em direitos e obrigações.

Significou um avanço em relação ao Tratado de Montevidéu de 1960, que era limitado ao livre comércio, prosseguindo no processo de integração com o estabelecimento de uma política de tarifas aduaneiras e comércio.

Tem por órgão supremo o Conselho de Ministros das Relações Exteriores, e demais órgãos institucionais a Conferência de Avaliação e convergência, o Comitê de Representantes e a Secretaria-Geral, e vige por prazo indeterminado.

O seu maior objetivo é atingir, de forma gradual e progressiva um mercado comum latino-americano.

2.3 O Tratado de Assunção de 1991.

Em 26 de março de 1991, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai constituíram o Mercado Comum do Sul – MERCOSUL, como mais um avanço no sentido da integração da América Latina.

Conforme Bela Balassa, o fenômeno de integração desenvolve-se, dentro do prisma econômico, através de um processo dividido em cinco fases sucessivas: I – a Zona de Comércio Livre; II – a União Aduaneira; III – O Mercado Comum; IV – a União Econômica e Monetária. V – a União Política.

O Mercosul significa um estágio econômico avançado, mais muito aquém da Comunidade Européia que já consolidou sua União Econômica, e está consolidando sua unidade monetária.

3. O Mercosul.

Constituído com o objetivo de ampliação das dimensões de seus mercados nacionais, através da integração, como condição fundamental de aceleração do processo de desenvolvimento econômico com justiça social.

Não faltam críticas, no sentido de que só houve intenção de justiça social, estando na prática, o Mercosul voltado exclusivamente para o econômico, inspirado na ideologia neoliberal.

O Mercado Comum implica na livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos; na eliminação gradativa de direitos alfandegários, de restrições não-tarifárias à circulação de mercado; o estabelecimento de uma tarifa externa comum; adoção de uma política comum em relação a terceiros Estados. Ainda a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes – comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações -, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes.

O Mercado Comum estabeleceu-se entre os Estados Partes, a partir de 31 de dezembro de 1994, prazo de eliminação e zeramento tarifário e não-tarifário.

A partir de 1996 – cinco anos após a entrada em vigor do Tratado de Assunção -, é permitida a integração ao Mercosul de qualquer dos demais signatários da ALADI, desde que com a aprovação unânime dos Estados Partes. Foi o que fez o Chile, integrando o Mercosul desde 25 de junho próximo passado.

Como imposição às relações com terceiros países, o Mercosul assegura condições eqüitativas de comércio, inibindo importações cujos preços estejam influenciados por subsídios, dumping e qualquer outra prática desleal. É estabelecida, inclusive, a elaboração de normas comuns sobre concorrência desleal.

Além das relações do bloco econômico do Mercosul com outros países, seria também viável uma cooperação com outros blocos comunitários ?

4. Perspectivas com o NAFTA.

Após difícil negociação, um acordo preliminar para a constituição de uma zona de livre-comércio entre Canadá, EUA e México foi anunciado em 12 de agosto de 1992, vigorando a partir de 1994, com a denominação de NAFTA.

Um pouco antes disso, no dia 27 de junho de 1990, fora divulgado o plano Bush denominado Iniciativa para as Américas, e que visa um acordo de livre-comércio com todos os países da América Latina, o que significa, pelo menos, a sinalização para a formação de um bloco econômico entre o NAFTA e o Mercosul.

No que se refere ao NAFTA, houve grande oposição entre os Estados membros, sobretudo nas questões ambientais, sanitárias e trabalhistas, onde os EUA exigiram fossem respeitados os seus padrões.

As concessões comerciais feitas pelo México e Canadá aos EUA, as políticas macroeconômicas compatíveis com a abertura comercial e a crescente competividade da economia americana nos setores industriais e de serviços levam, ao menos no caso mexicano, risco de uma crise cambial a médio prazo.

De qualquer sorte, o México ganhou vantagens competitivas agrícolas de produtores de terceiros países, que podem influir na balança comercial do Brasil.

O NAFTA não tem um impacto imediato sobre o comércio exterior do Brasil com os países-membros. Mas é recomendável que por primeiro se consolide o Mercosul e diminuam-se as disparidades regionais, para que a longo prazo se possa viabilizar a integração econômica da América.

5. Perspectivas com a Comunidade Européia.

A Comunidade Européia tem oferecido cooperação financeira e técnica com os países em via de desenvolvimento (PVDs) da América Latina e Ásia, mediante os seguintes instrumentos comunitários: Fundo Europeu de Desenvolvimento; Ajuda aos PVDs não-associados; Ajuda aos países do mediterrâneo meridional e oriental; Banco Europeu de Investimentos (BEI); Sistema Generalizado de Preferências; Colaboração entre a CE e as ONGs; European Community International Investment Partners (promoção de joint-ventures entre CE e PVDs da AL, Ásia e Mediterrâneo).

Conforme os interesses econômicos que os países da CE tenham com os países em vias de desenvolvimento da AL, o benefício decorrente da cooperação comunitária pode ser maior ou menor, o que se denominou ‘pirâmide do privilégio’.

No período 1976/1988 a América Latina recebeu da CE, à título de ajuda ao seu desenvolvimento um total de 1.040,23 milhões de ECUs, correspondente a 25%, em média, das verbas destinada a cooperação com os PVDs.

Esta cota tem aumentado gradativamente, significando 35% no ano de 1989.

Há também a cooperação econômica entre a CE e os PVDs da América Latina, concebida no interesse recíproco da Comunidade e dos seus parceiros, favorecendo investimento, desenvolvimento e mobilização de recursos, ao contexto econômico (capital, tecnologia, know how, redes de comercialização, capacidade empresarial).

Os instrumentos de cooperação econômica são : capacitação técnica; cooperação científica e técnica; promoção comercial; promoção industrial e investimentos; cooperação no campo energético; integração regional; modesto investimento no campo ecológico.

A ação comunitária, pelo atual Regulamento nº 443/92, visa ‘à promoção dos direitos do homem, ao apoio aos processos de democratização, a uma gestão pública correta, eficiente e justa, à proteção do ambiente, à liberdade do comércio e o fortalecimento da dimensão cultural”.

Como se viu, há um interesse da CE em renovar os laços com a América do Sul, permanecendo, porém, alguns fatores internos e externos à CE que condicionam profundamente o futuro das relações com os países da AL, inclusive o Mercosul.

A distância geográfica entre os dois blocos, provoca algumas dificuldades, como também países com taxas de crescimento superiores e mão-de-obra qualificada a baixo custo, oferecendo o Leste Europeu, após a queda do muro de Berlim, maiores oportunidades que a América Latina.

A privatização de empresas estatais é vista como um forte incentivo para investimentos europeus.

De qualquer forma, a CE (PIB de US$ 7,7 trilhões) tem voltado uma atenção especial para o Mercosul(PIB de US$ 800 bilhões), e recentemente, no dia 14 de setembro de 1995, na sede do Parlamento Europeu em Bruxelas, estiveram reunidos os 19 países dos dois blocos, onde fora firmado um protocolo de intenções para a instituição de uma associação inter-regional de livre comércio, dentro de seis anos aproximadamente.

*Clayton Maranhão é Professor da Faculdade de Direito da PUC/PR e membro do Ministério Público do estado do Paraná.

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