Mérito de recorde de arrecadação não é da Super-Receita

por Dimitri Brandi de Abreu

Um velho dito popular já dizia: só acredite nas estatísticas que você mesmo falsificou. O governo federal só tem feito confirmar essa máxima, divulgando números distorcidos, mal interpretados ou até falsos com o objetivo de fazer publicidade de seus programas. O uso desses expedientes faz duvidar da real eficácia da administração.

Exemplo evidente é a notícia, reproduzida em quase todos os meios de comunicação, que apregoa um suposto “recorde de arrecadação”, fruto da criação da Receita Federal do Brasil, apelidada de Super-Receita.

A interpretação é equivocada e baseada em números falsos. Vejamos:

1) A criação da Super-Receita só ocorreu no papel. Não houve, até hoje, nenhuma ação em conjunto entre os fiscais da Previdência e da Receita Federal. Se o teve recorde, foi causado por outros motivos, jamais algo que ainda não aconteceu. Além do mais, os números referem-se à totalidade do mês de agosto, e a fusão dos fiscos só entrou em vigor no dia 15.

2) Os números que serviram de base ao estudo foram indevidamente utilizados. Veja-se trecho da nota divulgada pela Receita Federal do Brasil: “Destaca-se o valor expressivo referente ao repasse dos depósitos judiciais posteriores à Lei 9.703/98 na ordem de R$ 202 milhões, o que corresponde uma variação positiva de 309,63% em relação a julho de 2005”.

Acontece que os depósitos judiciais não são administrados pela Super-Receita, mas constituem fruto das atividades da Procuradoria do INSS. É esta que defendia a Previdência em juízo, e se o valor depositado em processos judiciais aumentou, o mérito cabe aos procuradores do INSS. Diga-se de passagem, estes não integram a nova estrutura da Super-Receita, tendo sido alijados de suas atribuições.

A deturpação torna-se mais evidente se percebermos que os valores citados referem-se a “repasses” de depósitos, sem esclarecer. Então não significa que o dinheiro vá ser arrecadado, pois o contribuinte pode vencer a ação e levantar o depósito. Se se tratar de pagamento definitivo, o governo está comemorando, agora, o resultado de um trabalho realizado há anos — muito anterior à Supre-Receita — devido à demora dos procedimentos judiciais.

3) Encontramos outro dado encoberto na mesma nota: “A receita proveniente das reclamatórias trabalhistas apresentou uma queda de 9,25% e 1,96% se comparada com julho e junho, respectivamente, porém registrou uma positiva oscilação percentual (15,54%) no acumulado do ano”. Ou seja, o “recorde” se deve ao acumulado do ano, pois se for contado só o mês de agosto, justamente o de implantação da fusão dos fiscos, houve queda.

Essa queda já era prevista pelo governo, mas foi dolosamente omitida da sociedade civil e do Congresso Nacional. Deve-se a uma transferência de atribuições mal pensada, pois tiraram o trabalho de um especialista e o passaram para um leigo. Falamos mais uma vez da Procuradoria do INSS, que fazia a arrecadação junto à Justiça do Trabalho desde 1998, e da Procuradoria da Fazenda Nacional, que jamais atuou em processos trabalhistas nem tem estrutura para tanto. Pois com a criação da Super-Receita, a primeira simplesmente foi proibida de desempenhar essa função, que passou à segunda.

Por esses motivos, fica evidente que o propalado “recorde de arrecadação” decorrente do “choque de gestão” é mentiroso, e só se explica por uma necessidade de justificar o injustificável. Como já se disse em outras ocasiões, entre o fato e a lenda, publique-se a lenda, ainda que falsa.

Revista Consultor Jurídico

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