* Luís Fernando Diegues Cardieri
Mais uma vez, após fatos recentes ocorridos, principalmente no Estado de São Paulo, é reaberta a grande discussão: se o Ministério Público possui, ou não, poderes investigatórios.
O que mais ouvimos ultimamente é o desejo recorrente de alguns membros deste Órgão Ministerial, em utilizarmos, aqui no Brasil, o padrão norte-americano. Ou seja, a Polícia é ligada diretamente ao escritório do Promotor Público (Promotor de Justiça, para nós), que preside o procedimento investigatório, e, de acordo com as provas juntadas, dá início à ação penal.
Quanto a essa forma de atuação, caso o legislador pátrio entendesse por bem em adotar no Brasil, fica a pergunta: estaria o Ministério Público pronto para assumir esta função?
Quando discutimos esse assunto, necessário lembrarmos as brilhantes palavras do mestre e desembargador do Tribunal de Justiça bandeirante SÉRGIO MARCOS DE MORAES PITOMBO, quando comentava a idéia de alguns em acabar com o inquérito policial no Brasil: “Quando se diz que o inquérito policial só existe no Direito brasileiro, procurando elogiar procedimentos de outras terras, não será o Brasil, em matéria de investigação formal, que se acha à frente dos demais países”?
A nossa Carta Magna, quando cita as funções institucionais do Ministério Público, deixa bem claro, em um dos seus incisos, que os membros do parquet podem requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquéritos policiais.
No mesmo sentido, a nossa Constituição Federal, determina, também, que cabe à polícia civil, ressalvada a competência da União (polícia federal), dirigida por delegados de polícia de carreira, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, com exceção das militares.
Sendo assim, a investigação penal, cabe à polícia, que através do inquérito policial subsidiará o Ministério Público na instauração de eventual ação penal.
1cf. Artigo 129, inciso VIII, da Constituição Federal.
2cf. Artigo 144, parágrafo 4º, da Constituição Federal.
3cf. Artigo 4º do Código de Processo Penal.
Alguns membros do Ministério Público defendem o seu “poder de investigação”, com base numa “independência funcional” que os delegados de polícia não possuem, concluindo que os promotores e juízes não têm chefes, subordinando-se apenas às leis. Assim, não estariam sujeitos a uma “proteção ao cidadão que não é comum, tendo este, poderes para influenciar na hierarquia policial”.
Esse tipo de argumento é motivo de grande preocupação. Acreditamos que não devemos ficar buscando “brechas” para justificar algo que é, constitucionalmente, ilegal.
A Constituição é a lei máxima de um Estado, e nela encontramos as normas relativas à estrutura organizacional e política do mesmo, sua forma de governo, distribuição de competências e os direitos, garantias e deveres do povo.
Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal, por votação unânime, externou sua posição sobre esta discussão. Os “guardiões da Constituição” acompanharam o brilhante voto do Ministro NELSON JOBIM, que adotamos como ensinamento.
O Ministro JOBIM, em seu voto, lembrou que: “A legitimidade histórica para a condução do inquérito policial e a realização das diligências investigatórias é de atribuição exclusiva da polícia”. Lembrou-se, também, quando do voto, que o Código de Processo Penal pátrio não autoriza, sob qualquer pretexto, a substituição da autoridade policial pela autoridade judiciária, tampouco, por membro do Ministério Público na investigação de crimes.
Ensinou-nos, ainda, o Nobre Ministro JOBIM, quando comentava o controle externo da polícia concedido pela Carta Magna ao Ministério Público : “A norma constitucional não completou, porém, a possibilidade do mesmo realizar e presidir inquérito policial. Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime, mas sim requisitar a diligência nesse sentido à autoridade competente”. E complementa quando se refere a faculdade do Órgão Ministerial em propor ação penal sem inquérito policial, desde que disponha de elementos suficientes para tanto: “Mas os elementos suficientes não podem ser auto-produzidos pelo MP, instaurando ele inquérito policial”.
Diante de tão importante decisão, concluímos que não há possibilidade de se fiscalizar a lei, e, em momento posterior, transformar-se em parte, como órgão acusatório. Esse entendimento apenas acompanha a lição da Suprema Corte brasileira quando em julgamento diz: “É nulo o inquérito policial
4cf. Artigo do Boletim IBCCRIM, nº 136, Março/2004; MIGUEL DA SILVA JR., Edison
5cf. Direito Constitucional, ed. A.R.Consultoria, 1999, São Paulo, pg. 9; RICCITELLI, Antonio.
6RHC 81326 – STF – j. 06.05.2003 – v.u. – Rel. Min. Nelson Jobim
7cf. Artigo 129, inciso VII, da Constituição Federal. Regulamentado pela Resolução 52/97 do Conselho Superior do Ministério Público Federal.
presidido por um promotor público, notadamente para autorizar a prisão preventiva”.
Utilizemos as palavras do Ministro MARCO AURÉLIO MENDES DE FARIAS MELLO, também da Suprema Corte, que, ao ser perguntado sobre a função do parquet na relação processual assim asseverou: “O Ministério Público, em si, é parte e não atua no campo da percepção criminal como fiscal da lei. E, sendo parte, deve ser preservada a postura de parte. É inconcebível que se chegue à conclusão de que o Ministério Público deva, ele próprio, atuar como parte e, também, como órgão investigador das circunstâncias de um possível crime. A Constituição Federal só prevê a titularidade do Ministério Público para o inquérito em uma hipótese, uma única hipótese (enfatiza). É quando se tem um inquérito civil e jamais um inquérito criminal”.
Lembremos que uma das funções institucionais do Ministério Público é promover as medidas necessárias à garantia dos direitos assegurados na Constituição. Assim, tudo o que comentamos até o momento, nos deixa com mais uma preocupação: como pode o parquet, querer promover as medidas necessárias para garantia dos direitos assegurados na Carta Magna, se, ao mesmo tempo, a afronta?
Diante de tudo o que comentamos e demonstramos, e, principalmente, diante das ponderadas e acertadas decisões da nossa Suprema Corte, concluímos que os membros do Ministério Público não podem revestir-se da função de delegados de polícia, para promover investigações.
Como já dito anteriormente, o Ministério Público é parte na ação penal. E, ainda, vale lembrar, não é superior hierárquico da polícia.
Portanto, os policiais não devem, e não podem, subordinar-se aos membros daquele órgão ministerial. Devem, sim, ter respeito; como devem ter respeito a todos os cidadãos e demais operadores do Direito.
Nós brasileiros, independentemente da profissão que exercemos, devemos respeito às decisões dos nossos Tribunais; respeito ao que é determinado por nossa Carta Maior; respeito uns aos outros; primeiro, por respeito próprio e, sempre, na busca necessária da Justiça.
* Luís Fernando Diegues Cardieri é Advogado em São Paulo, da D’Urso e Borges Advogados Associados; Membro Efetivo da Comissão de Política Criminal da OAB/SP; e Membro do Comitê Jurídico do Núcleo Jovem da Câmara Ítalo-Brasileira de Comércio e Indústria.
(lfcardieri@durso.com.br)
8vide AC – STF, Pleno, de 28.05.1951, DJU de 25.04.1955, Apenso, pág. 1530.
9cf. Informativo da Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, ano I, nº 3, setembro de 2000.
10cf. Artigo 129, inciso II, da Constituição Federal.