MP de São Paulo legisla sobre áreas contaminadas e fere segurança jurídica

Autor: Pedro Luiz Serra Netto Panhoza (*)

 

É preciso refletir como a sociedade deve se portar frente ao posicionamento que vem sendo adotado pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) ultimamente no que se refere às áreas contaminadas no estado bandeirante. Em 30 de janeiro de 2016, a Procuradoria Geral de Justiça (PGJ) paulista fez publicar o Plano Geral de Atuação (PGA) do MP para o ano de 2016.

Trata-se de um plano elaborado pelo órgão máximo do MP-SP que traça objetivos e diretrizes institucionais com metas prioritárias nas diversas áreas em que atua, entre elas, a do Meio Ambiente. O MP-SP vem, desde 2011, editando anualmente os referidos Planos Gerais de Atuação.

É preciso destacar, em especial, o Capítulo 11, Objetivo 2, Meta 2, do PGA/2016. O Objetivo 2, do PGA, visa a proteção ao solo agrícola e a reparação integral do dano em áreas contaminadas, enquanto que a Meta 2 busca fomentar a atuação visando a prevenção e a reparação integral do dano a partir da relação de áreas contaminadas identificadas pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) ou por qualquer outro órgão.

Para contextualização daqueles que não têm familiaridade com termos e com a prática do Direito Ambiental, referido PGA norteia a atuação dos membros do MP-SP na busca da reparação integral de terrenos que tenham algum tipo de contaminação no Estado de São Paulo.

Vale dizer, o PGA/2016 direciona a atuação dos promotores de Justiça para que, valendo-se de investigações administrativas, com instauração de Inquéritos Civis, que podem resultar em celebração de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), ou até mesmo por força do Poder Judiciário, por meio de propositura de ações civis públicas, busquem a remediação integral de qualquer área contaminada do Estado de São Paulo em que se pretenda ver algum tipo de empreendimento erigido.

Em um primeiro momento, pode-se cogitar que esse é um fato positivo ao meio ambiente e que tal medida será um instrumento precioso na extinção das áreas contaminadas no Estado e na contenção de seus efeitos (preservação da saúde humana, evitar a contaminação de lençol freático, entre outros). Ocorre que tal anseio de buscar a descontaminação total de uma área é, em verdade, um retrocesso na proteção do Meio Ambiente.

Está em vigor no Estado de São Paulo a Lei 13.577/09 e, em âmbito nacional, a Resolução Conama 420/09. Ambas dispõem sobre o gerenciamento de áreas contaminadas seguindo a tendência internacional de determinar diferentes valores de tolerância à presença de contaminação, conforme o uso pretendido para a área.

Pode-se extrair de tais normas a previsão de três níveis de valores, quais sejam: o de intervenção, para os casos em que há riscos à saúde humana; o de prevenção, para os casos de riscos à qualidade do solo e da água subterrânea; e o de referência de qualidade, que indicam o “solo como limpo ou a qualidade natural da água subterrânea”.

Como exemplo, de acordo com os artigos 10 e 11, da referida Lei Estadual, apenas na hipótese de riscos à saúde humana a continuidade das atividades deve ser impedida. Os riscos ao meio ambiente implicariam, em princípio, apenas na obrigação de monitoramento dos impactos.

Daí a noção de tolerância ao impacto ambiental como uma fórmula para sopesar o gerenciamento de riscos ambientais, conforme o uso pretendido, com o desenvolvimento de atividades que possuem importância socioeconômica, o que tende a realizar o princípio do desenvolvimento sustentável.

O MP-SP, inclusive, questiona judicialmente a constitucionalidade de tais normas, uma vez que, segundo o órgão, a tolerância à contaminação, em qualquer nível, violaria o direito fundamental ao meio ambiente e o princípio da precaução. Trata-se da ADI estadual 0210197-50.2011.8.26.0000, proposta perante o Tribunal de Justiça de São Paulo. A ação foi julgada improcedente em 8 de agosto de 2012 e está pendente de julgamento de recurso.

Portanto, estamos em um cenário em que a lei que regulamenta o assunto de áreas contaminadas no Estado de São Paulo é tida pelo MP-SP como inconstitucional, embora tenha o Poder Judiciário paulista, por enquanto, declarado a sua plena validade.

Ou seja, o cidadão ou a empresa que pretende instalar um empreendimento em uma área constante no cadastro de áreas contaminadas da Cetesb, mesmo que cumpridor da lei vigente e aplicador dos parâmetros fornecidos pelo órgão ambiental do Estado, após regular trâmite processual de licenciamento ambiental da área, fica desguarnecido frente à atuação e orientação institucional do MP-SP, que entende de forma diversa da lei. O órgão ministerial que, constitucionalmente, tem o dever de fiscalizar o cumprimento da lei vem, verdadeiramente, legislando sobre o assunto.

Parece-nos que tal orientação do MP-SP maltrata o princípio da segurança jurídica, que se revela um princípio basilar e diretor do Estado Democrático de Direito, conferindo estabilidade às relações intersubjetivas. Vale dizer, é um princípio garantido constitucionalmente de que o Estado, por meio de suas leis e regramentos, deve garantir e zelar pela confiança e respeito das relações jurídicas concretizadas e legalmente previstas em nosso ordenamento jurídico.

Ora, se a lei permite que o cidadão tome determinadas atitudes e cuidados em relação ao seu terreno contaminado, cumprindo com o quanto determinado em lei, compeli-lo a agir de forma diversa da legalmente prevista acaba por violar a confiança legítima que o cidadão espera da letra da lei vigente, que o orienta a remediar seu terreno adotando medidas nela previstas.

Temos, portanto, que o PGA/16 verdadeiramente retroage na ideia de proteção do Meio Ambiente, na medida em que, ao adotar o posicionamento institucional do MP-SP de se buscar, sempre, a reparação integral do dano, torna impraticáveis os processos de descontaminação das áreas contaminadas, seja na questão da inviabilidade financeira — de uma remoção de massa, por exemplo —, convertendo todo o custo aos usuários do imóvel (proprietário, compradores, investidores, etc.), inviabilizando o negócio, seja na questão logística da própria descontaminação, por inviabilidade técnica, como, por exemplo, na dificuldade, senão impossibilidade, logística da destinação adequada de toda terra contaminada retirada do terreno.

Ademais, a orientação institucional do MP-SP de que o cidadão deve ser compelido a cumprir o que aquele órgão entende por correto, e não o que está previsto na lei, fere a segurança jurídica das relações entre cidadão e Estado.

Assim, resta a dúvida: como deve o empreendedor agir neste momento? Deve cumprir a lei e os parâmetros exigidos pelo órgão público ambiental estadual ou acatar a ideologia imposta pelo MP-SP em seu PGA?

 

 

 

Autor: Pedro Luiz Serra Netto Panhoza é especialista em direito ambiental da Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados.


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