MP que cria bônus de eficiência para auditores requer cautela

Autores: Tatiana Ergang Barros e Flávio Eduardo Carvalho (*)

 

A Medida Provisória 765, de 29 de dezembro de 2016 (MP 765/2016), publicada na última sexta-feira, dentre outras mudanças, alterou a carreira dos Auditores da Receita Federal do Brasil e instituiu o Programa de Produtividade e o Bônus de Eficiência. Isso, em resposta às exigências dos Auditores Fiscais seguidas de intensas greve que afetaram diretamente o funcionamento de órgãos e a fluidez da arrecadação tributária. Contudo, a medida deve ser analisada com cautela quanto à aplicabilidade aos órgãos julgadores administrativos tributários federais.

O artigo 5º da MP 765/2016 é o que mais chama a atenção, pois institui o Programa de Produtividade da Receita e o Bônus de Eficiência e Produtividade na Atividade Tributária e Aduaneira, com o fito de “incrementar a produtividade nas áreas de atuação dos ocupantes dos cargos”, cujos critérios serão definidos por um Comitê Gestor até 1º de março de 2017 e a base de cálculo do bônus será mensurada conforme valor total arrecadado das seguintes fontes:

I – arrecadação de multas tributárias e aduaneiras incidentes sobre a receita de impostos, de taxas e de contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil a que se refere o artigo 4º da Lei no 7.711, de 22 de dezembro de 1988, inclusive por descumprimento de obrigações acessórias; e

II – recursos advindos da alienação de bens apreendidos a que se refere o inciso I do § 5º do artigo 29 do Decreto-Lei no 1.455, de 7 de abril de 1976. (grifou-se)

Aqui, já advém o relevante questionamento: como manter a imparcialidade de um órgão julgador composto por auditores fiscais, como é o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), diante do evidente interesse que surgirá com a publicação da MP 765/2016 em atingir as metas para receber o bônus?

Vislumbra-se, como consequência primária, o aumento de lançamentos de multas tributárias agravadas em face dos contribuintes autuados e, a secundária, a manutenção dessas multas nas instâncias julgadoras, especialmente no Carf, órgão em que o voto de minerva (denominado voto de qualidade) é sempre proferido por um representante da Fazenda Nacional, cujo valor do bônus dependerá da manutenção dessas multas.

Assim sendo, ter-se-á evidente desrespeito aos artigos 37 da Constituição Federal[1] e 41 do Regimento Interno do Carf[2] (RI/CARF), ao se violar os princípios da legalidade, imparcialidade e moralidade que regem a atuação da Administração Pública. Ademais, fica a dúvida de qual deverá ser a interpretação dada ao artigo 42 do RI/Carf[3], que impõe o dever de os Conselheiros se declararem impedidos quando houver “interesse econômico ou financeiro, direto ou indireto” na causa. Ora, impossível se imaginar que os Conselheiros (Auditores Fiscais) não teriam interesse econômico e financeiro em manter as multas quando seu bônus depende disso.

Outra questão polêmica é que os Auditores Fiscais receberão o bônus para os meses de dezembro de 2016 e janeiro de 2017 a título de “antecipação de cumprimento de metas” no valor de R$ 7,5 mil por cada mês. E nos períodos subsequentes, permanecerão ganhando um valor fixo mensal de R$ 3 mil até a produção de efeitos do ato do Comitê Gestor do Programa de Produtividade, cuja publicação deverá ocorrer até 1º de março deste ano, com a metodologia para a mensuração da produtividade global e a criação do Índice de Eficiência Institucional.

Com efeito, até março de 2017, os Auditores Fiscais auferirão, além de sua remuneração mensal, um total de R$ 21 mil a título de “Bônus de Eficiência e Produtividade”, o que quer parecer um aumento da remuneração disfarçado. Importante destacar que a soma do vencimento básico dos Auditores Fiscais e as demais verbas, incluído o Bônus de Produtividade e de Eficiência, deverá observar o teto previsto no inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal.

Neste ponto, é curioso observar a flexibilidade no pagamento do bônus sem sequer constar as metas e a metodologia de aferição, talvez como forma de resposta rápida à greve dos Auditores Fiscais para retomar o regular funcionamento da Receita Federal.

Curioso é que, se a mesma situação ocorresse em uma empresa relativamente ao pagamento da Participação nos Lucros e Resultados (PLR) aos seus empregados, sem que houvesse metas previamente definidas (isso sem falar na exigência de que sejam claras e objetivas), possivelmente tais valores acabariam tributados por terem sido pagos em desacordo com a interpretação que o Carf faz da legislação, a qual somente afasta a incidência de Contribuições se os pagamentos de PLR forem realizados com base em regras previamente fixadas e objetivas quanto à aferição dos resultados.

Outra pergunta que nos parece interessante de ser feita é como ficará a equidade entre os valores pagos aos conselheiros representantes dos contribuintes e os fazendários (auditores fiscais) para exercerem as mesmas atividades e função de julgador, pois aqueles recebem gratificação por presença de até R$ 11,2 mil, à luz do Decreto 8.441/2015, enquanto estes ganham mais do que o dobro dos Contribuintes, possuem benefícios como 13º salário e direito a férias, e agora o benefício do Bônus.

Tal disparidade já estava em discussão anteriormente[4], mas agora a diferença está ainda mais evidente e desarrazoada, o que traz à tona novamente a reflexão quanto a possibilidade de um concurso público para o cargo específico de julgador dos órgãos de julgamento administrativos tributários federais, com paridade na remuneração e nas ferramentas para o desenvolvimento das atividades, bem como forma de manutenção da imparcialidade e da qualidade técnica dos julgadores.

Não bastassem essas questões, paradoxalmente os § 2º e § 3º do artigo 6º da MP 765/2016 elucidam que o Bônus de Eficiência e de Produtividade também será devido aos aposentados e aos pensionistas (valor devido em decorrência do falecimento de servidor em atividade ou que já estava inativo). Ora, tais servidores não desenvolvem mais qualquer atividade vinculada à RFB, então qual é a contribuição deles para alavancar a produtividade e a eficiência, a fim de fazerem jus a esse bônus?

Além disso, fica a dúvida se esse tipo de bônus também não seria devido a outros servidores públicos que exercem funções relevantes para a sociedade, mas que não possuem o beneplácito de trabalhar tão próximos do caixa do governo. Seria isonômica essa discriminação?

Partindo para a conclusão deste texto, vemos um ponto positivo da MP 765/2016: a criação do artigo 6º-A. Tal norma nos parece solucionar a difícil situação em que se encontravam os Conselheiros dos Contribuintes durante a greve dos Auditores Fiscais. Isso porque, agora, a gratificação de presença também será devida nos casos de a) impedimento, em razão de caso fortuito ou de força maior, de comparecer à reunião de julgamento, devidamente comprovado e homologado pelo Carf; e b) cancelamento ou suspensão de sessão de julgamento por iniciativa do Carf.

Resta a dúvida de qual será a interpretação que será dada à expressão “caso fortuito ou de força maior”. Ou seja, abrangerá as situações de ausências justificadas por doença, por falha na prestação de serviço de transporte ou por falecimento de ente querido, por exemplo. De acordo com o parágrafo único do artigo 393 do Código Civil “o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não eram possíveis evitar ou impedir”. Regulamentação, ainda que não exaustiva, seria bem-vinda.

Por fim, o presente artigo não pretende criticar a alteração no plano de carreira dos Auditores Fiscais e os valores que passarão a receber, mas, sim, trazer uma reflexão ao leitor quanto à aplicabilidade e aos efeitos dessas mudanças em relação aos órgãos de julgamento administrativos tributários federais que possuem um papel fundamental para a sociedade na consecução do princípio da segurança jurídica. Se os efeitos da MP 765/2016 sobre os órgãos de julgamento na esfera administrativa federal não forem discutidos de modo transparente e eficaz, poderão gerar mais conflitos no âmbito do Carf e contribuir com a desmotivação dos Conselheiros representantes dos Contribuintes e com a possível queda de qualidade e confiança nos julgamentos do Conselho.

 

 

 

 

 

Autores: Tatiana Ergang Barros é advogada tributarista do Schneider, Pugliese, Advogados.

Flávio Eduardo Carvalho é advogado tributarista do Schneider, Pugliese, Advogados.


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